Entre os Padres da Igreja do século II, São Justino é o mais conhecido por causa dos documentos autênticos que dele temos. Em suas duas “Apologias”, e no seu “Diálogo”, ele dá muitos dados pessoais, se bem que um tanto idealizados e mesclados com poesia.
Por eles sabemos que o santo era filho de Prisco, e nasceu no início do século II em Flávia Neapolis, na Samaria. Essa cidade foi fundada pelos romanos no ano 72 cerca de dois quilômetros da cidade bíblica de Siquém. O que faz supor que sua família seria das primeiras que nela se estabeleceram. Ao que tudo indica, os pais de Justino eram pagãos como a maioria de seus contemporâneos. Flávia Neapolis seria conquistada em 636 pelos árabes, que mudariam seu nome para Nablus.
Como o santo afirma no começo de sua obra “Diálogo com o judeu Trifão” ele recebeu boa educação em filosofia, o que o levou ainda jovem, apesar de pagão, a se perguntar sobre a existência de um Ser superior, que tudo teria criado e regia. Por isso, quando estudou depois entre os estóicos, constatou que deles não tinha nada a aprender sobre Deus, pois nada tinham a lhe dizer nessa matéria.
Para satisfazer esse impulso interior que o movia a Deus, procurou depois um seguidor de Aristóteles, mas este lhe estipulou um alto preço a pagar, pelo que Justino dele se afastou. Um seguidor de Pitágoras se recusou a instruí-lo até que ele soubesse música, astronomia e geometria. Finalmente, um filósofo platônico satisfez de certo modo seus anseios.
O futuro santo estava ainda encantado com essa filosofia platônica quando, andando um dia à beira mar, encontrou um misterioso ancião com o qual começou a conversar, e com o qual teve longa discussão sobre religião. Justino compreendeu então que uma alma não pode chegar, por mero conhecimento humano, à idéia de Deus, mas julgou que, para isso, necessitava ser instruída por Profetas. Pois estes, inspirados pelo Espírito Santo, conheceram a Deus, e podiam torná-Lo conhecido. É o que o próprio Justino conta em uma de suas obras.
Entretanto, isso não o levou ainda à conversão ao cristianismo. Em seu livro “Apologias” ele declara: “Quando eu era discípulo de Platão, ouvindo as acusações feitas contra os cristãos, e vendo-os intrépidos em face da morte e de tudo o que o homem pode temer, eu disse a mim mesmo que era impossível que eles estivessem vivendo em erro e no amor aos prazeres”. Movido então pela beleza dessa religião que tornava os homens tão insensíveis aos sofrimentos e aos prazeres, converteu-se ao cristianismo por volta do ano 130.
Justino consagrou-se então, agora como filósofo cristão, a escrever e a ensinar. Sem ser sacerdote, tornou-se historicamente o primeiro dos Padres da Igreja que sucederam aos Padres Apostólicos dos primeiros tempos. Ele deixou à Igreja livros preciosíssimos, que constituem tesouro inigualável dos tempos apostólicos, e são monumentos indestrutíveis da doutrina imutável da Igreja.
Desse modo, chegaram até nós várias de suas importantes obras, cujos ensinamentos influenciaram, e ainda estão presentes, a catequese e a doutrina dogmática da Igreja. Entre elas as duas já mencionadas “Apologias”, e o “Diálogo com Trifão”, este último relembrado porque abre caminho para a polêmica anti-judaica na literatura cristã.
Aos filósofos pagãos, que tinham os cristãos por ignorantes, Justino mostrou que sabia tanto quanto eles, e os convidou a ultrapassar os seus sistemas para abraçarem o Evangelho. Os seus escritos contêm informações que não temos praticamente em outras fontes sobre as crenças e os usos dos cristãos do tempo, a celebração da Sagrada Eucaristia e do Batismo, e sobre outros detalhes da vida da Igreja na época.
São Justino morou certo tempo em Éfeso. As Atas de seu martírio nos dizem que ele foi duas vezes a Roma, e viveu “perto dos banhos de Timóteo, com um homem chamado Martim”. Lá ele tinha uma escola, e ainda pelas Atas sabemos que vários de seus discípulos foram condenados com ele.
A respeito das perseguições que poderia sofrer, ele afirma em suas “Apologias”: “Eu também espero ser perseguido e crucificado por alguns desses que mencionei, ou por Crescêncio [de que fala o Martirológio], esse irmão do ruído e da ostentação”.
O santo foi realmente condenado à morte pelo prefeito Rustico pelo ano 165 com seis companheiros. Temos ainda um autêntico relato desses martírios. O Martirológio Romano diz a seu respeito no dia 13 de abril: “Em Roma, a paixão de São Justino, filósofo e mártir, na perseguição de Marco Antonino Vero e Lúcio Aurélio Cômodo. Apresentou aos ditos imperadores uma segunda apologia em defesa da nossa religião, e sustentou-a também em vigorosas disputas. Entretanto, foi insidiosamente acusado como cristão por Crescêncio, filósofo cínico, a quem exprobara a depravação de vida e costumes. Em recompensa de sua língua fiel, recebeu a graça do martírio”. Já o Martirológio Romano Monástico, acrescenta: “Martirizado perto do ano de 165. Nascido na Palestina, buscou encontrar a verdade nas diferentes escolas filosóficas antes de descobrir a doutrina cristã, ‘a única sabedoria segura e verdadeira’. Colocou então sua ciência a serviço da Igreja Católica, e deixou várias obras, entre as quais uma preciosa Apologia do Cristianismo, dirigida ao imperador, na qual descreve os sacramentos do Batismo e da Eucaristia”.