Um competente historiador afirma: “Gregório é certamente uma das mais notáveis figuras da história eclesiástica. Exerceu em vários aspectos uma significativa influência na doutrina, organização e disciplina da Igreja Católica. A ele devemos olhar para a explicação da situação religiosa da Idade Média; com efeito, não se levando em conta seu trabalho, a evolução da forma da Cristandade medieval seria quase inexplicável. Tanto quanto o moderno sistema católico é um legítimo desenvolvimento do catolicismo medieval, não sem razão Gregório deve também ser chamado seu pai. Quase todos os princípios diretivos do subseqüente Catolicismo são encontrados, pelo menos em gérmen, em Gregório Magno” (F.H. Dudden, “Gregory the Great”, The Catholic Encyclopedia, CD Room edition).
De família senatorial romana, muito jovem foi prefeito da cidade. Herdeiro de grande fortuna, fundou seis mosteiros, fazendo-se beneditino num deles. Dotado de excepcional inteligência e brilhante memória, Gregório aprendeu com facilidade as letras divinas e humanas. É bem provável que tenha também estudado Direito.
Enquanto seu pai foi vivo, Gregório tomou parte na vida do Estado e chegou, como dissemos, a ser prefeito de Roma. Com a morte daquele, resolveu retirar-se do mundo e consagrar-se a Deus. Isso se deu provavelmente em 574. Com sua grande fortuna, fundou seis mosteiros na Sicília, além de um em seu palácio em Roma, este em honra de Santo André, e nele tomou o hábito religioso.
Sua caridade para com os pobres era tão grande, que foi premiada com vários milagres.
Depois de seis anos como Delegado Apostólico em Constantinopla, Gregório foi chamado a Roma, provavelmente em 585, e eleito abade do seu mosteiro de Santo André. Com seu enérgico abade, este ficou famoso, podendo-se ler muita coisa edificante da vida de seus monges nos Diálogos, escrito pelo Santo, que se dedicava especialmente à formação deles, explicando-lhes vários livros das Sagradas Escrituras como o Pentateuco, o Livro dos Reis, os Profetas, o Livro dos Provérbios, e o Cântico dos Cânticos.
No ano de 590, terríveis inundações seguidas de peste assolaram a Cidade Eterna, privando mesmo a Igreja de seu chefe, o Papa Pelágio. Isso fez com que, como era costume na época, o clero, o povo e o Senado de Roma escolhessem unanimemente para a Sé vacante o diácono Gregório. Este não queria aceitar e, para tirar o corpo, disse que precisava da confirmação de sua eleição pelo Imperador. Mas, devido à situação calamitosa com a peste, ele tomou interinamente as rédeas da Igreja.
Para fazer cessar o flagelo, São Gregório convocou procissões rogatórias gerais durante três dias, com a presença de todos, inclusive dos abades dos mosteiros da Cidade Eterna com seus religiosos, e das abadessas com suas religiosas. O santo portou nessa procissão um antigo quadro da Virgem, cuja autoria é atribuída a São Lucas. Segundo a tradição, por onde passava o quadro, o ar corrompido cedia lugar ao são. Quando chegou nas proximidades do mausoléu de Adriano, de acordo com a mesma tradição, ouviram-se coros angélicos que cantavam: “Rainha dos Céus, alegrai-vos, aleluia; porque Aquele que merecestes portar, aleluia; ressuscitou como disse, aleluia”. O povo ajoelhou-se cheio de devoção e alegria, e Gregório cantou: “Rogai por nós a Deus, aleluia”. No mesmo instante ele viu no alto do mausoléu um anjo que embainhava a espada, como para mostrar que o flagelo cessava. A partir de então o mausoléu de Adriano passou a ser conhecido como Castelo Santo Ângelo.
Tendo o Imperador confirmado a eleição, Gregório teve que ceder para o bem da paz, e exerceu o governo da Igreja com firmeza e energia, destacando-se sua obra, entre outras coisas, na organização do culto e do canto sagrado. Segundo o hagiógrafo Frei Perez de Urbel, o Papa santo ao mesmo tempo “lutava contra a peste, contra os tremores de terra, contra os bárbaros heréticos e contra os bárbaros idólatras, contra o paganismo morto e infecto mas insepulto, contra seu próprio corpo consumido pelas enfermidades; e se pôde dizer que a alma de Gregório era a única inteiramente sã que existia em toda sua humanidade”.
Entretanto, com uma habilidade e energia raras, ele se multiplicava, tornando-se capitão, rei, pontífice, pai dos romanos. Arregimentou tropas e pagou seu soldo, forneceu aos bárbaros as contribuições que exigiam para não invadir Roma; alimentou e consolou o povo. Obteve do rei dos lombardos uma trégua para Roma e seu território. Com a ajuda de Teodolinda, rainha dos lombardos, que era cristã e amiga fiel do Papa, conseguiu a conversão de toda a nação dos lombardos do arianismo para a fé católica. Livrou depois o território pontifício de todos os tiranetes que tinham surgido em meio à anarquia, dando início ao poder temporal dos Papas.
Em 592 o imperador bizantino, num ato despótico proibiu, por um edito, os seus soldados de abraçarem a vida monástica. Imediatamente São Gregório escreveu-lhe mostrando que, com isso ele feria as leis de Deus e ao direito de consciência dos soldados. E lembrou ao imperador Maurício as contas terríveis que teria que prestar a Deus, no dia de seu juízo particular, por essa decisão.
O grande Papa comunicou a seu embaixador em Constantinopla: “Sei tolerar por muito tempo, mas, uma vez que resolva resistir, lanço-me com alegria em todos os perigos. Antes morrer que ver a Igreja do Apóstolo São Pedro degenerar em minhas mãos”.
São Gregório, mesmo antes de ser eleito Papa, havia passado por diversas crises de saúde – gota e intestinos – que duravam meses inteiros.
A esse respeito, já no fim da vida, escreveu: “Há quase dois anos estou na cama, com grandes dores de gota, de modo que apenas nos dias de festa posso me levantar para celebrar. E logo, com a força da dor, me volto a deitar. […] Assim, morrendo cada dia, nunca acabo de morrer, e não é maravilha que eu, sendo tão grande pecador, Deus me mantenha tanto tempo neste cárcere”.
Como dissemos acima, ele é geralmente considerado o fundador da Idade Média. Por seu zelo pela conversão da Inglaterra, é também chamado seu Apóstolo. Este Pontífice, a quem a posteridade qualificou de “Grande”, foi o primeiro Papa a se intitular “Servo dos Servos de Deus”.
Esse ínclito Papa faleceu no dia 12 de março de 604, aos sessenta anos de idade. Sua festa se comemora hoje, dia de sua elevação ao Papado.
O Martirológio Romano diz dele neste dia: “Em Roma, a elevação do incomparável varão São Gregório Magno a Sumo Pontífice. Obrigado que foi a assumir tal cargo, refulgiu como de trono mais sublime, através do mundo inteiro, em clarões mais vivos de sua santidade”.