O futuro Cura d’Ars nasceu na pequena localidade de Dardilly, perto de Lyon, na França, no dia 8 de maio de 1786, numa família de agricultores piedosos. Ele foi batizado no mesmo dia de seu nascimento, quando também o consagraram a Nossa Senhora.
Sua instrução foi precária, pois passou a infância em pleno Terror da Revolução Francesa, com os sacerdotes sendo perseguidos e as escolas fechadas. João Maria tinha 13 anos quando recebeu a Primeira Comunhão das mãos de um sacerdote “refratário” (que não tinha jurado a ímpia Constituição Civil do Clero), durante o segundo Terror, em 1799.
Com a subida de Napoleão e a Concordata com a Santa Sé, João Maria pôde iniciar seus estudos eclesiásticos aos 20 anos, terminando-os, após mil e uma contrariedades, aos 29.
É impossível, nos limites de um artigo abranger toda a vida apostólica do Cura D’Ars. Limitar-me-ei a abordar um aspecto dela, que foi como ele transformou a pequena localidade de Ars de modo a torná-la admirada em toda a França.
Quando o jovem sacerdote chegou a Ars, esta era um pequeno aglomerado de casas, contando apenas 250 habitantes, quase todos agricultores. Como a maior parte das localidades rurais da França, sacudidas durante 10 anos pelos vendavais da Revolução Francesa, encontrava-se em plena decadência religiosa. Vivia-se um paganismo prático formado de negligência, indiferentismo e esquecimento das práticas religiosas.
A cidadezinha de Ars assemelhava-se às paróquias vizinhas, não sendo nem melhor nem pior do que elas. Havia nela um certo fundo religioso, mas com muito pouca piedade. Como transformá-la num modelo de vida católica, ambição de São João Batista Vianney?
Primeiro, pela oração e sacrifício do vigário por suas ovelhas. Já no dia de sua chegada, o Pe. Vianney deu o colchão a um pobre e deitou-se sobre uns sarmentos junto à parede, com um pedaço de madeira como travesseiro. Como a parede e o chão eram úmidos, contraiu de imediato uma nevralgia que durou 15 anos. Seu jejum era permanente, habitualmente passando três dias sem comer; e quando o fazia, alimentava-se somente de batatas cozidas no início da semana e emboloradas. Mas ele sobretudo passava horas e horas ajoelhado diante do Santíssimo Sacramento, pedindo a conversão dos seus paroquianos.
Uma de suas primeiras medidas práticas foi reformar a igreja que, por respeito ao Santíssimo Sacramento, desejava que fosse a melhor possível.
Outra de suas solicitudes foi para com a juventude. Atraía todos para o catecismo. Exigia que este fosse aprendido de cor, palavra por palavra, e só admitia à Primeira Comunhão quem estivesse assim devidamente preparado. Instava com os meninos e adolescentes para que cada um levasse sempre consigo o Rosário, e tinha no bolso alguns extras para aqueles que houvessem perdido o seu.
Paulatinamente os esforços do santo foram coroando-se de êxito, de maneira que os jovens de Ars chegaram a ser os mais bem instruídos da comarca.
Nas missas dominicais, pregava a todo o povo sobre os deveres de cada um para consigo, para com o próximo e para com Deus. Falava constantemente do inferno e do que precisamos fazer para evitá-lo: “Ó, meus queridos paroquianos. Esforcemo-nos para ir para o céu. Lá havemos de ver a Deus. Como seremos felizes! Que desgraça se algum de vós se perder eternamente!”
A guerra que moveu contra as tabernas também foi bem sucedida. Aos que a elas iam, em vez de ir à missa no domingo, dizia: “Pobre gente, como sois infelizes. Segui vosso caminho rotineiro; segui-o, que o inferno vos espera”. Ameaçava-os de não só perderem os bens eternos, mas também os terrenos.
Aos poucos, por falta de fregueses, as tabernas foram se fechando. Outros tentariam abri-las, mas eram obrigados a fechar. A maldição de um Santo pesava sobre eles: “Vós vereis arruinados todos aqueles que aqui abrirem tabernas”, disse no púlpito. E assim foi. Quando elas se fecharam, o número de indigentes diminuiu, pois suprimiu-se a causa principal da miséria, que era moral.
Blasfêmias e trabalhos nos domingos, bailes, cabarés, serões nas vivendas e conversas obscenas, englobava tudo numa comum maldição. Por anos a fio pregou contra isso, exortando no confessionário, no púlpito e nas visitas que fazia às famílias. Dizia: “Se um pastor quiser se salvar precisa, quando encontrar alguma desordem na paróquia, saber calcar aos pés o respeito humano, o temor de ser desprezado e o ódio dos paroquianos” e denunciar o mal.
A guerra do santo cura contra as blasfêmias, juramentos, imprecações e expressões grosseiras foi sem quartel: “Os homens, como as mulheres, têm uma alma a salvar. Em tudo costumam ser os primeiros. Por que não o hão de ser também em servir a Deus e em render homenagem a Jesus Cristo no sacramento do seu amor?” Aos poucos eles começaram a comparecer mais regularmente aos ofícios dos domingos com aquele porte irrepreensível que haveria de ser a admiração dos visitantes.
A luta contra o trabalho nos domingos foi também tenaz e durou quase oito anos. A primeira vez que do púlpito abordou o tema fê-lo com tantas lágrimas, tais acentos de indignação, com tal comoção de todo o seu ser que, passado meio século, os velhos que o ouviram ainda se lembravam com emoção. “Vós trabalhais, dizia ele, mas o que ganhais é a ruína para a vossa alma e para o vosso corpo. Se perguntássemos aos que trabalham nos domingos ‘que acabais de fazer?’, bem poderiam responder: ‘Acabamos de vender a nossa alma ao demônio e de crucificar Nosso Senhor. Estamos no caminho do inferno’”. Depois de muita insistência, em Ars o domingo se tornou verdadeiramente o Dia do Senhor.
Outra luta inexorável que empreendeu foi contra as danças. Explicava que não basta evitar o pecado, mas deve-se fugir também das ocasiões. Por isso abrangia no mesmo anátema o pecado e a ocasião de pecado. Atacava assim ao mesmo tempo a dança e a paixão impura por ela alimentada: “Não há um só mandamento da Lei de Deus que o baile não transgrida.[…] Meu Deus, poderão ter olhos tão cegos a ponto de crerem que não há mal na dança, quando ela é a corda com que o demônio arrasta mais almas para o inferno? O demônio rodeia um baile como um muro cerca um jardim. As pessoas que entram num salão de baile deixam na porta o seu Anjo da Guarda e o demônio o substitui, de sorte que há tantos demônios quanto são os que dançam”.
Um sacerdote santo torna piedosos seus paroquianos. Assim, apenas três anos e meio depois de sua chegada, o Santo Cura já podia escrever: “Encontro-me numa paróquia de muito fervor religioso e que serve a Deus de todo o seu coração”. E, em 1827 (seis anos depois), exclamava entusiasmado do púlpito: “Meus irmãos, Ars não é mais a mesma! Tenho confessado e pregado em missões e jubileus. Nada encontrei como aqui”.
São João Maria Vianney entregou sua valente e heroica alma a Deus no dia 4 de agosto de 1859, indo receber no Céu o galardão que conquistara com tanto sacrifício e penitência, e, sobretudo, com seu abrasado amor a Deus.