Tomás de Celano, em sua biografia de Santa Clara, começa assim: “Houve na cidade de Assis uma mulher maravilhosa e cheia de virtude, que se chamava Clara. Nesta cidade havia nascido também o senhor São Francisco. E a senhora Santa Clara reinou com ele na terra, e foi reinar com ele (no céu) perduravelmente”.

É na graciosa colina do formoso vale do Espoleto que fica a cidade de Assis. Com suas construções de granito cor de rosa, ela encanta o visitante à primeira vista. Entretanto, mais encantado fica ele ao tomar contato com os inúmeros vestígios dos dois grandes santos que são a glória da cidade: São Francisco e Santa Clara.

Ao contrário do Poverello, de família de comerciantes, Clara era filha de Favorini Scifi, conde de Sasso-Rosso, abastado representante de antiga família romana. Sua mãe, a beata Ortolana, pertencia à nobre e antiga família dos Fiumi.

Quando esperava Clara, achando-se Ortolana em oração pedindo a Deus um bom parto, pareceu-lhe ouvir uma voz que dizia: “Não temas, ditosa mulher, porque de ti nascerá uma brilhantíssima luz que dissipará muitas trevas”. Esse foi o motivo pelo qual deu o nome de Clara à menina, que viu a luz no dia 16 de julho de 1194.

Com uma mãe muito piedosa, Clara sentiu-se desde cedo inclinada à virtude. Era doce, modesta, tranquila, muito afável, obediente, e verídica em suas palavras. Recebeu a educação de uma menina rica da época, isto é, conhecimentos elementares de leitura e escrita, de como dirigir a vida doméstica, e sobretudo trabalhos de agulha, no qual se sobressaía.

Quando Clara tinha onze anos, um fato deu o que falar em toda Assis: o jovem Francisco Bernardone abandonara a casa e o ofício do pai, para entregar-se inteiramente a Deus. Clara acompanhou com admiração todo o processo desse drama familiar e depois, vez por outra, ouvia falar desse amante da pobreza que arrastava atrás de si pobres, ricos, letrados, ignorantes, todos desejosos de segui-lo no serviço da dama pobreza.

Aos dezoito anos Clara era uma jovem dotada de todos os atrativos que uma moça pode querer. Bela, rica, prendada, seus pais procuraram para ela um noivo à altura do nome da família. Mas ela recusou qualquer partido, afirmando que não teria outro esposo que Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na quaresma de 1212, Clara ouviu Francisco pregar na igreja de São Jorge. Pois, embora leigo, ele tinha licença para isso. Cativada por suas palavras, a jovem procurou esse “Arauto do Grande Rei”, como se chamava o Poverello, e expôs-lhe o desejo de entregar-se também a Deus. Francisco interessou-se muito pelo caso de Clara porque, como diz um velho cronista, “desejava arrancar esta nobre presa das garras do mundo perverso e depositá-la, como glorioso troféu, diante do altar de Deus”. Confirmou-a na vocação, e passaram ambos a esperar uma ocasião propícia para esse passo.

Na noite do Domingo de Ramos, Clara saiu secretamente de casa, e dirigiu-se à igreja da Porciúncula, onde Francisco e seus monges a esperavam com círios acesos. O Poverello cortou-lhe então os belos cabelos dourados,  deu-lhe grosseira túnica, e um véu preto para simbolizar a renúncia ao mundo. Conduziu-a depois provisoriamente para o mosteiro beneditino de São Paulo, onde Clara ficaria até que se conseguisse um lugar definitivo.

Depois de muito lutar, os pais tiveram que aceitar o fato consumado da filha. Entretanto, voltaram à luta quando a outra filha, Inês, de 15 anos, a seguiu para compartir com ela a mesma vocação. Tendo perdido já uma filha, o pai não quis perder a segunda. Mandou seu irmão, acompanhado de doze cavaleiros, ao encalço da fugitiva, para trazê-la à força, se preciso fosse. Mas quando queriam arrastá-la para fora do convento, Inês ficou tão pesada, que nem mesmo os 12 homens conseguiam movê-la. O tio então acabou deixando a presa. Pouco depois São Francisco cortava os cabelos de Inês, que se tornava assim a segunda pedra do edifício das “Damas Pobres”.

Foi então que o bispo pôs à disposição de Francisco a ermida de São Damião, cuja igreja o próprio Poverello havia restaurado, para que fosse o berço da Ordem Segunda de São Francisco, isto é, das Clarissas.

Como Abadessa, pelo espaço de quarenta anos Santa Clara perfumou aquele local com suas orações, penitências e milagres. Aos poucos outras jovens e senhoras se juntaram às duas irmãs para viverem uma vida de renúncia e pobreza. No início não tinham regra escrita, mas apenas uma formula vitae que Francisco lhes dera.

Santa Clara era para todas suas irmãs a regra viva. As clarissas aceitaram depois uma regra apresentada pelo papa Gregório IX, adaptada da das beneditinas, mas mais rígida com relação à pobreza, que a Santa queria que fosse total.

Quando, em 1234, as tropas sarracenas a serviço do ímpio imperador Frederico II, devastavam os Estados Pontifícios, cercaram Assis, chegando às portas do convento das Clarissas. Tudo era de se temer para mulheres sem defesa da parte desses bárbaros sem pudor nem religião. Foi então que Clara pegou a custódia do Santíssimo Sacramento, e avançou em direção à soldadesca, que já começava a entrar no claustro. No mesmo instante os soldados foram tomados de pânico, fugindo precipitadamente. Pouco depois levantavam também o cerco de Assis.

Enfim, assistida pelo papa Inocêncio IV, que lhe ministrou os últimos Sacramentos concedendo-lhe a indulgência plenária, Santa Clara faleceu santamente no dia 11 de agosto de 1253. Tal era já sua fama de santidade, que ela foi canonizada apenas dois anos depois da morte.

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