No século XVI a heresia protestante devorara como um câncer quase toda a Alemanha. Lançando metástases pela Europa, penetrou tão perigosamente na França, que em breve seu poderio foi o de um Estado dentro do Estado.

Aproveitando-se da fraqueza e omissão da dinastia francesa dos Valois, dirigida efetivamente pela inescrupulosa Catarina de Medicis, e do apoio de membros da mais alta nobreza seduzidos pela nova heresia, esta ameaçava a própria existência da única e verdadeira religião.

Diante do perigo, os católicos, liderados pela família dos duques de Guise, formaram em 1576 a Liga Santa para a defesa da Religião. Dissolvida por Henrique III, a referida Liga renasceu em 1587, quando o Tratado de Beaulieu favoreceu demasiadamente os huguenotes, como eram chamados os protestantes na França.

Fazia então parte da Liga o enérgico e ardente católico Benigno Fremyot,  presidente do Parlamento da Borgonha, casado com Margarida de Berbisey. Foi nesse ambiente carregado pelas guerras de religião, que nasceu a segunda filha do casal, Joana no dia 28 de janeiro de 1572, em Dijon, nos arredores da qual nasceu também o grande São Bernardo.

Não há dúvida de que o amor materno é insubstituível na formação moral e religiosa da prole. O caso do Presidente Fremyot foi uma das notáveis e raras exceções a essa regra. Pois Joana tinha apenas 18 meses quando faleceu a mãe, no parto do terceiro filho, André.

Benigno Fremyot supriu tão bem a falta da esposa, que deu aos filhos uma educação ao mesmo tempo afetuosa e viril. Ele os reunia de manhã e à noite para ensinar-lhes a rezar, conhecer e amar a verdadeira Igreja e o Papa.

De seus três filhos, a primeira faleceria piedosamente poucos anos depois de casada; a segunda, Joana, seria elevada à  honra dos altares; e o último tornar-se-ia por sua virtude e qualidades morais, Arcebispo de Bourges, e amicíssimo de São Francisco de Sales aos 21 anos.

A pequenina Joana foi dotada pela Providência de um carisma especial, que a levava, mesmo antes do uso da razão, a discernir os hereges. Quando, nos braços da ama, via um deles, começava a chorar. E se este queria acariciá-la, gritava e escondia a cabeça no peito da ama, não se tranquilizando até que o perdesse de vista.

Quando seus filhos foram crescendo, o Presidente Fremyot contratou mestres escolhidos para reforçarem sua formação. Joana aprendia com grande facilidade e viveza de imaginação. E, dado seu bom talento e a posição que ocupava no mundo, foi-lhe ensinado tudo o que deveria saber uma jovem de sua classe: ler, escrever, dançar, tocar instrumentos de música, canto, enfim, todos os labores próprios ao seu sexo.

Aos 20 anos Joana Francisca foi dada pelo pai em casamento ao Barão de Chantal, valoroso oficial do exército francês que, apesar de católico, desde a morte da mãe levara uma vida um tanto dissipada. Por isso, o primeiro cuidado da esposa foi conquistar o coração do marido para levá-lo inteiramente a Deus. Isso não foi difícil, pois o Barão, além das boas predisposições que possuía, percebeu logo que Deus lhe tinha dado por esposa uma santa. A união entre eles foi tão grande, que se dizia que tinham um só coração.

Ao mesmo tempo a baronesa estabeleceu, com bondade e firmeza, a ordem e a disciplina no seio da numerosa criadagem do castelo.

O casal foi abençoado com seis filhos, dos quais os dois primeiros faleceram apenas nascidos. Sucederam-lhes outro filho e três filhas, tendo a última nascido poucas semanas antes da morte do Barão.

Mortalmente ferido por seu melhor amigo num acidente de caça, o Barão recebeu os últimos Sacramentos, perdoou seu homicida, e recomendou à Baronesa que se resignasse com a vontade de Deus.

Joana ficava assim viúva aos 28 anos, com quatro filhos para educar, e o baronato para dirigir. Foram-lhe necessárias toda fé e energia para aceitar o rude golpe. Mas recebeu muitas graças nessa época, o que a levou a afirmar mais tarde que, não fossem os filhos tão pequenos, teria tudo abandonado para ir terminar seus dias em Jerusalém, consagrada inteiramente a Deus.

Em 1604, o já merecidamente célebre bispo de Genebra, São Francisco de Sales, foi pregar a quaresma em Dijon, cidade natal de Joana. Esta trasladou-se para a casa do pai para seguir os sermões.

O grande pregador, a quem Deus mostrara em sonhos sua futura penitente, imediatamente a reconheceu, atenta e recolhida, no meio dos fiéis. Ele dela dirá: “Na Senhora Chantal eu encontrei a perfeita mulher, que Salomão teve dificuldade em encontrar em Jerusalém”. Joana também reconheceu com emoção aquele que Deus designara para seu pai espiritual. Começou assim um dos mais belos parentescos espirituais da História da Igreja, que tantos e tão belos frutos produziria.

São Francisco de Sales traçou à sua dirigida uma minuciosa regra de vida. Sob sua direção, Santa Joana de Chantal progrediu tão rapidamente, que o santo se admirava, dando graças a Deus.

Aos poucos maturava na mente do Bispo de Genebra o projeto de uma nova congregação religiosa feminina, com regras adaptadas a virgens e viúvas que, desejando servir a Deus, não se sentiam atraídas pelas grandes austeridades das famílias religiosas já existentes. Teriam como oração em comum somente o Ofício Parvo de Nossa Senhora, e deveriam dedicar-se à assistência aos pobres e enfermos. Joana pôs-se à disposição de seu diretor para a realização dessa obra, assim que seus filhos estivessem encaminhados.

Ocorreu então que, para unir por laços mais fortes que os da amizade  sua família com a da baronesa, a Senhora de Boissy propôs o casamento de seu filho, Barão de Thorens, de 14 anos, com Maria Amada, filha mais velha de Santa Joana, então com 12. O casamento foi oficiado por São Francisco de Sales e, como era costume na época, a jovem esposa foi viver com a família do marido até atingir a idade núbil.

Santa Joana confiou o filho, Celso Benigno, ao avô,  Presidente Fremyot, que com a ajuda de um virtuoso preceptor completaria a educação do adolescente. Celso Benigno morreria heroicamente aos 31 anos lutando contra os protestantes na ilha de Rhé. Sua esposa seguiu-lhe na tumba pouco depois, deixando uma filhinha de um ano, que viria ser a famosa epistológrafa Madame de Sevigné.

Levando as duas filhas menores para terminar sua educação no convento, a Baronesa de Chantal ficava assim livre para a realização da grande obra. Antes de partir, renunciou a todos seus bens em favor dos filhos, e embarcou para Annecy, que fazia parte então do Ducado da Saboia. Pouco depois, Deus chamou a Si sua filha caçula, aquela a quem ela mais amava por sua inocência e docilidade

Em Annecy já a esperavam três donzelas virtuosas, dirigidas de São Francisco de Sales, que com ela principiariam a obra.

A Congregação idealizada pelo Bispo de Genebra era uma inovação. Até então só havia conventos de reclusas. Na recém-fundada Congregação – denominada da Visitação – as religiosas não guardariam clausura, pois deveriam cuidar dos pobres, o que suscitou muitas controvérsias.

Apesar da pobreza da nova fundação e das críticas recebidas, muitas postulantes foram nela ingressando, e três jovens viúvas de Lyon pediram licença para lá fundar uma casa. Nessa ocasião interveio o Cardeal Arcebispo local, convencendo São Francisco de Sales a transformar a Congregação em Ordem religiosa, e aceitar a obrigação da clausura perpétua. O Fundador, tendo aceito a proposta,  estipulou contudo que em seus conventos se pudesse receber senhoras e donzelas que quisessem retirar-se temporariamente para pôr em ordem sua consciência.

Foi cedendo a instâncias da Madre Chantal que São Francisco de Sales escreveu seu famoso Tratado do Amor de Deus, dedicando-o às suas filhas da Visitação. Disse o santo bispo à Santa Joana: “Minha filha,  o Tratado do Amor de Deus está escrito para vós”. Com efeito, no prefácio da obra, ele afirma: “Como Deus sabe o muito que estimo essa alma, não foi pouco o que ela influiu nesta ocasião … O que mais me moveu a levar avante meu projeto foram as reiteradas instâncias desta alma”.

Após a morte de São Francisco de Sales, Santa Joana não só consolidou a obra nascente, mas a fez expandir. Durante sua vida, os mosteiros da Visitação elevaram-se a 65. A todos visitou para satisfazer o desejo que muitas de suas filhas espirituais tinham de conhecê-la.

Em 1641, a rainha Ana d’Áustria convidou-a para ir a Paris, cumulando-a de honras e distinções. Era a exaltação que a Realeza prestava à Santa que foi, em vida, como disse o bispo de Genebra, comparável à própria Mulher forte do Antigo Testamento.

Meses depois, no dia 13 de dezembro de 1641, Santa Joana foi receber no Céu a recompensa demasiadamente grande que Deus reserva a seus eleitos. Beatificada por Bento XIV a 13 de novembro de 1751, foi canonizada por Clemente XIII em 16 julho de 1767.

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