A Providência Divina confirmou em graça e amoldou perfeitamente à cruz de Cristo São João da Cruz, escolhido para secundar Santa Teresa de Jesus na extraordinária obra da Reforma do Carmelo.
João nasceu no dia 24 de junho de 1542 em Fontiveros, Espanha, filho de Gonzalo de Yepes e de Catarina Alvarez. Seu pai era de antiga e nobre linhagem, mas fora deserdado pelos tios quando se casou com uma donzela que tinha como única fortuna sua piedade.
Gonzalo faleceu quando Joãozinho tinha apenas quatro anos de idade, deixando a família (mãe e três filhos) na mais extrema penúria. De maneira que a infância e juventude de São João foram marcadas pela pobreza.
Aos vinte e um anos ele pediu admissão no convento dos carmelitas de Medina Del Campo onde, em fevereiro de 1563, recebeu o hábito com o nome de João de São Matias. No dia de sua primeira missa, ele pediu e recebeu de Deus a graça de conservar até o fim da vida a inocência batismal.
Isso foi revelado a uma virtuosa freira que, estando esperando que Frei Matias terminasse de atender outra pessoa para tratar com ele negócios de sua alma, recolhendo-se em oração, “manifestou-lhe o Senhor a grande santidade do santo padre Frei João; e lhe revelou que, quando [o mesmo] disse a primeira Missa, lhe havia restituído a inocência e posto no estado de um menino de dois anos, sem duplicidade nem malícia, confirmando-o em graça como os Apóstolos para que não pecasse e jamais O ofendesse gravemente”.
Querendo levar uma vida mais recolhida, João de São Matias pensou em fazer-se cartuxo. Mas desistiu da ideia quando, encontrando Santa Teresa, esta o convenceu a fundar um convento dos Descalços, para seguir a primitiva regra da Ordem Carmelitana. Tomou então o nome de João da Cruz, com o qual seria elevado à honra dos altares.
Diz sobre isso com muita propriedade um hagiógrafo: “Se as pessoas de qualidade tomam, com razão, o nome dos domínios e das propriedades que lhes pertencem, não se podia dar a esse excelente religioso da Ordem do Monte Carmelo um nome que lhe fosse mais conveniente que o da Cruz, pois que ele não quis jamais ter, durante sua vida, outra herança que a cruz, os opróbrios e as humilhações de Jesus Cristo. É na cruz que punha todas suas esperanças; é da cruz que ele tirava toda sua glória, é à cruz que ele dava todas suas afeições, e jamais voluptuoso teve tanto ardor para as delícias e satisfações do corpo, que esse grande servidor de Deus tinha em ser desprezado, humilhado e afligido com seu Salvador” (Mgr. Paul Guérin, Vies des Saints). O que praticamente resume a vida desse grande santo.
Pois São João da Cruz, penetrado pelo amor à cruz, sofreu muitas perseguições e sofrimentos, atingindo um alto grau de contemplação e de fenômenos místicos, que ele transmite em seus escritos, pelo que foi considerado o “doutor da vida contemplativa”. “João da Cruz é o doutor místico da Igreja por antonomásia, o representante principal da sua mística no mundo, a figura mais egrégia da cultura espanhola e uma das principais da cultura universal” (Pe. José Leite, Santos de Cada Dia).
De tal maneira ele uniu-se à cruz de Cristo, que podia dizer com São Paulo, “Já não sou eu que vivo. É Cristo que vive em mim”. “João da Cruz se nos apresenta como a imagem viva do Verbo de Deus, penetrando melhor que uma espada de dois gumes até a divisão da alma e do espírito; esquadrinhando, como indagador inexorável, as intenções e os pensamentos dos corações” (D.Guéranger, Ano Litúrgico).
Esse seu amor à cruz de Cristo era tão grande, que não é de admirar que certo dia, quando Cristo Padecente perguntou-lhe o que desejava em paga do seu amor puro e exclusivo a Deus, ele muito espanholamente respondesse: – “Padecer, Senhor, e ser desprezado por Vós”. Em sua boca esse dito não era figura de retórica, mas exprimia o élan generoso de sua alma de fogo.
Santa Teresa dizia que era difícil falar de religião com Frei João, porque logo ele ou o seu interlocutor entravam em êxtase. Bastava-lhe ver um crucifixo que tinha um arroubamento. Sua meditação ordinária era sobre a paixão do Salvador, e ele a recomenda muito em seus escritos. Diz que a confiança amorosa em Deus era o patrimônio dos pobres, e sobretudo dos religiosos. Seu coração era como uma imensa fornalha de amor que ele não podia conter, e que brilhava por sinais visíveis em seu exterior. Seu profundo sentimento pela religião lhe inspirava um respeito extremo por tudo quanto pertencesse ao culto divino. Por isso procurava santificar todas suas ações.
São João da Cruz exerceu diversos cargos na Reforma Teresiana até que, depois da morte da Santa, foi relegado como simples frade, a um convento secundário da Ordem. Nele foi de tal maneira desprezado pelo superior e tido em nada, que este não lhe dava nem mesmo os medicamentos que necessitava quando lhe apareceram tumores na perna, que eram necessários extirpar a sangue frio.
O santo faleceu no dia 14 de dezembro de 1591, com apenas quarenta e nove anos de idade, depois de ter passado vinte e oito na vida religiosa.
Depois de sua morte, seu corpo exalava tão agradável odor que atraia a todos. Para contentar a multidão que já tinha levado a maior parte das vestes do santo como relíquia, os frades foram obrigados a distribuir todos os tecidos que tinham sido usados pelo homem de Deus. São João da Cruz foi beatificado por Clemente X em 1675, e canonizado por Bento XIII em 1726. Pio XI o declarou Doutor da Igreja em 1926.
O Martirológio Romano Monástico diz dele no dia de hoje: “Memória de São João da Cruz, sacerdote e Doutor da Igreja, morto em Úbeda, na Espanha em 1591. Colaborador de Santa Teresa na reforma da Ordem do Carmelo, seu zelo e o sucesso de seus esforços causaram-lhe provações humilhantes, que lhe ensinaram a subir dentro da ‘noite escura’, até à experiência mística do ‘nada’ do homem diante da majestade divina”.