Entre os Santos que mais marcaram a vida da Igreja não só em sua época, mas em todos os tempos, está Santa Teresa de Ávila, unanimemente considerada como um dos maiores gênios que a Humanidade produziu. Mesmo ateus e livre-pensadores enaltecem sua viva e arguta inteligência, a força persuasiva de seus argumentos, seu estilo viril e atraente, e seu profundo bom senso.
“O fato de ter pais virtuosos e tementes a Deus, e de ser tão favorecida pelo Senhor, bastar-me-ia para ser boa, se não fora tão ruim” confessa ela com humildade no início de sua Autobiografia, que muitos consideram só encontrar paralelo nas “Confissões”, de Santo Agostinho.
Terceira dos nove filhos do segundo casamento de D. Alonso (que do primeiro tivera uma filha e um filho), Teresa nasceu em 28 de março de 1515. Inteligente, alegre, viva, coração de ouro, com uma capacidade de se adaptar a qualquer temperamento, pois “o Senhor me deu esta graça de agradar a todos, onde quer que esteja, e assim era muito querida”. O que a tornou logo a precoce confidente da mãe e a preferida do pai e irmãos.
Da. Beatriz desde cedo a iniciou na vida de piedade, especialmente na reza do rosário e na leitura de livros religiosos – que era então o único gênero que entrava naquele lar. A vida de santos e como conquistaram a coroa do martírio empolgaram Teresa. Aos sete anos convenceu um irmão um ano mais moço a irem ambos para a terra dos mouros em busca do martírio.
Fracassado esse plano, pensou em ser eremita no jardim da casa. Ávida leitora, por volta dos doze anos começou a ler livros de Cavalaria, a exemplo da mãe, que tinha essa fraqueza e o fazia às escondida do vigilante D. Alonso. Com seu dinamismo e entusiasmo pelos grandes feitos, a adolescente afeiçoou-se tanto a eles que, com a fantasia cheia de heróis, damas e castelos, foi decaindo de seu primitivo fervor. É o que ela chama do “tempo de minhas leviandades”. Mas não foi longo, pois, falecendo-lhe a mãe quando tinha 14 anos, Teresa entrou como interna no mosteiro das monjas agostinianas. A influência de uma delas, “muito discreta e santa” e de grande nobreza de sangue, foi fazendo com que “minha alma começasse a voltar aos bons costumes de minha meninice”. As Cartas de São Jerônimo a determinaram a se tornar freira.
Depois de uma adolescência pura e sem mancha, entrou para o Carmelo da Encarnação, em Ávila, aos vinte anos. Nele se seguia então a observância mitigada, o que a fez perder o primitivo fervor, falta da qual se acusa com exagero.
Um ano depois de sua profissão religiosa Teresa ficou gravemente enferma, sofrendo inúmeros tratamentos nas mãos dos médicos, que mais mal lhe fizeram do que bem. Esteve por quase três anos paralítica e foi curada por São José.
Depois de levar uma vida um tanto dissipada no convento, recebeu uma grande graça ao contemplar uma imagem de Nosso Senhor flagelado. “Por este motivo – afirma – era tão amiga de imagens”. E exclama: “Desventurados os hereges que, por sua culpa, perdem tão grande graça! Bem parece que não amam o Senhor pois, se o amassem, se alegrariam em ver o seu retrato. No mundo tem-se prazer de contemplar o retrato de uma pessoa à qual se quer bem”.
Santa Teresa começou então a receber grandes graças místicas, que deixavam desconcertados seus confessores e diretores, de quem teve muito que sofrer. Às vezes tinha arroubos e êxtases na igreja, em público, o que fazia comentar toda a pequena Ávila de então. Vêm de Deus? Vêm do demônio? Cada um tinha sua opinião. Foi preciso que dois Santos, São Francisco de Borgia e São Pedro de Alcântara, com sua autoridade, lhe confirmassem a origem divina dessas experiências, e a incentivassem a não opor obstáculos à ação do Senhor. E, favores místicos, ela recebeu muitos, como o “noivado espiritual”, a transverberação de seu coração por um Serafim, e o desposório místico com Cristo.
É compreensível que, tendo tantas aparições divinas, algumas vezes o demônio procurasse enganá-la. Diz ela em seu Livro da Vida: “Uma vez, num oratório, apareceu-me do lado esquerdo, em abominável figura. … Outra vez atormentou-me durante cinco horas, com dores tão terríveis e desassossego interior e exterior, que me parecia insuportável. … De muitos fatos cobrei experiência de que não há coisa de que mais fujam os demônios do que água benta … O fato é que já compreendi perfeitamente quão pequeno é o poder dos demônios contra mim se eu mesma não for contra Deus. Por isso quase não os temo. De nada valem suas forças, a menos que vejam almas covardes que abandonam a luta. Aqui mostram eles sua tirania”.
Mas isso não foi tudo. Um dia foi levada em espírito ao inferno, onde lhe foi mostrado o lugar que mereceria se não fosse fiel. “Durou brevíssimo tempo. Contudo, ainda que vivesse muitos anos, acho impossível esquecê-lo. … O tormento interior é tal, que não há palavras para o definir … Foi esta, repito, uma das maiores graças que o Senhor me fez. Valeu-me imensamente, quer para perder o medo quanto às tribulações e contradições desta vida, quer para me esforçar em padecê-las e a dar graças ao Senhor por me ter livrado, ao que agora me parece, de males tão perpétuos e terríveis”.
Após muitas lutas, no ano de 1562 Teresa começou a reforma do Carmelo, fundando o convento de São José, de Ávila, o primeiro a observar em todo rigor a antiga regra.
Cinco anos mais tarde, visitando o Superior Geral do Carmo esse convento, ficou tão encantado com a santidade que nele via e com a personalidade de Teresa, que lhe deu licença para fundar outros conventos da observância, inclusive dois de frades. Começou então o período épico das fundações, no qual a indômita Teresa com algumas companheiras, em carro de lona puxado por burros ou bois pelas rudimentares estradas da época, percorre a Espanha fundando conventos.
A descrição que ela faz dessa saga no Livro das Fundações, mostra o heroísmo e a força de alma que demonstraram madre e filhas nessa impressionante aventura.
São João da Cruz foi o co-fundador, com a Santa, do ramo masculino dos Descalços e, como ela, teve muito que sofrer para tocar avante a obra.
Segundo sua discípula Maria de São José, Teresa “era de estatura média, antes grande que pequena, mais para gorda do que magra, mas muito bem proporcionada. … Tinha particular ar e graça no andar, no falar, no olhar, e em qualquer ação ou gesto que fizesse, ou qualquer estado de espírito que mostrasse. A veste ou roupa que trazia, embora fosse o pobre hábito de saial de sua Ordem ou um farrapo remendado que vestisse, tudo lhe caía bem”.
Enfim, o hagiógrafo Théodule Rey-Mermet, redentorista, escreve entusiasmado pela santa: “Santa Teresa possui uma das mais belas penas da literatura espanhola. Ela é, além do mais, a escritora mais instintiva produzida pelo gênio espanhol e talvez pelo gênio cristão. … Escreveu como respirava, sem rebuscamentos prévios. E eis o borbotar puro de uma inteligência e de uma sensibilidade inigualáveis. A experiência é sua mestra: arrastando-nos a seu próprio caminho, ela nos conduz da tibieza à virtude, à santidade, à contemplação, ao interior mesmo do divino. Sua intuição descobre as molas secretas do homem com a lucidez mais fina; contempla e desvenda as profundezas de Deus na união mística mais íntima. Isso junto com um bom senso sólido e luminoso, com uma franqueza humilde e encantadora, com uma elegância que seduz e cativa, com um arrebatamento alegre e entusiasta: a alegria que nasce do amor. Porque ela é amor e somente amor. Amor ativo, que a leva a fundar dezesseis mosteiros e a faz arder de zelo pelo seu Senhor e pela Igreja. É simultaneamente São João reclinado sobre o peito de Jesus e São Paulo nos caminhos do apostolado” [1] Théodule Rey-Mermet, CSSR, “Afonso de Ligório – Uma opção pelos abandonados”, Editora Santuário, Aparecida, 1984, p. 156). Entretanto, seriam necessários vários livros para se escrever a obra de Santa Teresa e a positiva repercussão que teve não só para a Contra-Reforma, mas na vida futura da Igreja. Essa grande Santa entregou sua alma a Deus em 4 de outubro de 1582 sendo, já em 1614 quando ainda Beata, escolhida como Patrona da Espanha, de quem é a mais ilustre filha. Por seus escritos que tanto marcaram a história da Igreja, proclamada Doutora da Igreja, antes um privilégio só dos santos homens.