O exemplo desse notável jesuíta é especialmente oportuno para nossa época, em que a falta de autêntico zelo apostólico e espírito sobrenatural está na raiz da decadência religiosa e da proliferação das falsas religiões.
Num dia, no século XIX, um pobre peregrino maltrapilho, faminto e exausto, chega ao santuário de La Louvesc, a 1.100 metros de altitude, nas montanhas do Haut-Vivarais francês. Prostra-se em profunda oração diante da urna de carvalho na qual estão os restos mortais do apóstolo da região.
O que foi pedir esse rapaz, aparentemente tão desprovido de aptidões naturais? É um João, ainda não canonizado, que pede a outro, já elevado à honra dos altares, que lhe obtenha a graça de conseguir reter em sua memória rebelde, os rudimentos de latim necessários para chegar ao sacerdócio.
E o João canonizado – Francisco de Régis – obtém para o João que virá a sê-lo – Maria Vianney, futuro Cura d’Ars – embora muito parcimoniosamente, o que ele pede. É um santo ajudando a outro, para a maior glória de Deus.
De São João Francisco de Régis dizem os Bolandistas: “Um desejo imenso de procurar a glória de Deus; coragem a que nenhum obstáculo, nenhum perigo podem causar temor; aplicação infatigável na conversão dos pecadores; doçura inalterável que o torna mestre dos corações mais rebeldes; inesgotável caridade pelos pobres; paciência à prova de todas as contradições e de todos os maus tratos; firmeza que as ameaças e mesmo a vista da morte não puderam jamais abalar; a humildade mais profunda, abnegação mais completa, despojamento mais absoluto, obediência mais exata, pureza de anjo, soberano desprezo do mundo, amor insaciável pelos sofrimentos, em uma palavra, todas as virtudes pelas quais uma pessoa santifica a si própria e santifica as outras, tal é o resumo desta admirável vida”.
João Francisco nasceu no início de 1597 de uma abastada família que se distinguiu pela pureza da fé numa época e região em que dominavam os hereges huguenotes (protestantes calvinistas). Um de seus irmãos dará a vida pela causa católica contra esses pérfidos inimigos da Religião alguns anos mais tarde.
Aluno do colégio dos jesuítas de Béziers, mostrou-se um apóstolo nato. Sua devoção a Nossa Senhora levou-o a ingressar na Congregação Mariana do colégio, tornando-se apóstolo de seus colegas, cinco dos quais, para levar uma vida mais perfeita, mudaram-se para a mesma casa que Régis. Então, com pouco mais de 14 anos, ele compôs uma regra para eles, na qual fixava as horas para o estudo, proibia toda conversação inútil, dispunha a leitura espiritual durante as refeições, exame de consciência à noite, e comunhão aos domingos.
Aos 19 anos, querendo dedicar-se de modo mais especial a Deus, João Francisco entrou no noviciado dos Jesuítas, onde foi exemplo de obediência, humildade e devotamento. Certo dia em que ele se levantou furtivamente durante a noite para ir rezar na capela da casa, foi visto por um colega que o denunciou ao Superior, pois o sair do dormitório à noite era contra as regras. “Não turbeis as comunicações que esse anjo mantém com Deus, respondeu-lhe o sacerdote, pois, ou muito me engano, ou um dia celebrar-se-á na Igreja a festa de vosso companheiro”.
Após sua ordenação sacerdotal em 1630, os empestados de Toulouse receberam as primícias do ministério apostólico do neo-sacerdote. Sua linguagem era simples e popular, mas o fogo da caridade do qual ele estava inflamado, dava a seus discursos um poder tal, que toda a cidade vinha ouvi-lo, e ninguém podia fazê-lo sem derramar lágrimas.
Um pregador eloqüente e renomado, tendo-o ouvido, disse: ‘É em vão que trabalhamos para ornar nossos discursos. Enquanto os catecismos deste santo missionário convertem, nossa bela linguagem não faz senão entreter sem produzir nenhum fruto”.
Com o bordão de peregrino e envolvido num pobre casaco, o Pe. João percorria montes e campos, no inverno sobre a neve, e no verão sob os raios abrasadores do sol. Onde havia uma casa para visitar, uma miséria a socorrer, um coração a consolar e abrir para Deus, aí chegava sempre o intrépido missionário pelos caminhos mais inverossímeis.
Em 1633 o bispo de Viviers pediu ao Superior dos Jesuítas um missionário para acompanhá-lo em sua Visita Pastoral à diocese, onde não só havia decadência religiosa, mas também os erros protestantes de Calvino haviam feito muito estrago entre o povo. São Francisco de Régis foi o escolhido. Seus sermões inflamados e suas patéticas exortações atingiam diretamente o coração de seus ouvintes, produzindo muitas conversões. Causou sensação a de uma notável senhora protestante que, abjurando sua heresia, foi recebida solenemente no seio da Igreja. Esse fato ocasionou novas conversões
Esses resultados provinham da vida interior do apóstolo, que nada negligenciava para aniquilar-se a si mesmo, com vistas a obter graças em suas pregações. Além de macerar seu corpo com disciplinas e cilícios, alimentava-se apenas a pão e água, dormindo quatro horas diárias, e mesmo assim sentado num rude banco.
Hoje em dia, católicos espantam-se da irreligião e do progresso de seitas protestantes em toda parte. Em última análise, isso não ocorreria se houvesse na atualidade muitos católicos, especialmente sacerdotes, imbuídos do mesmo espírito que São João Francisco de Regis.
Pois, para o zelo do missionário não havia limites. Dava aula de catecismo às crianças, evangelizava os adultos, visitava os prisioneiros e os doentes, e conduzia à emenda mulheres de má vida. Assistia também os moribundos, e tinha um dom especial para dispô-los a morrer santamente. Fundou com as senhoras da cidade, associações de caridade para amparar as famílias pobres e, quando necessário, ia ele mesmo mendigar para socorrê-las.
Narram-se várias profecias e muitos milagres do Santo.
Enfim, embora tivesse tido comunicação do dia de sua morte, São Francisco de Régis quis morrer no campo de batalha, com as armas na mão. Ardendo de febre, dirigiu-se para Louvesc a fim de pregar uma missão nas festas natalinas de 1640. Passou o tempo pregando e ouvindo confissões sem se poupar um minuto, até cair no confessionário. Pediu então para ser levado a um estábulo, a fim de ter a consolação de expirar num estado semelhante ao do nascimento de Cristo, o que ocorreu no dia 30 de dezembro desse ano.
Tantos foram os milagres constatados em seguida junto à sua sepultura, que os Arcebispos e Bispos do Languedoc francês escreveram uma carta ao Papa dizendo: “Somos testemunhas de que, diante do túmulo do Pe. João Francisco de Régis os cegos vêem, os coxos andam, os surdos ouvem, os mudos falam, e o ruído dessas assombrosas maravilhas espalhou-se por todas as nações”. O Sumo Pontífice Clemente XI beatificou então o grande jesuíta em 1716, e seu sucessor canonizou-o em 1737.