Em nossa época de luta de classes e de revoltas sociais, é oportuno conhecer a vida de um Santo que nasceu, viveu e morreu na mais extrema pobreza, louvando sempre a Deus, e cantando as suas glórias. São Félix de Cantalício é um dos mais joviais e alegres Santos do Calendário. Tinha ele a perfeita alegria de servir a Deus na pessoa de seus superiores e irmãos e, apesar de sua mortificação contínua, nunca perder o bom humor. Durante quarenta anos esse humilde capuchinho pediu esmolas para seu convento nas ruas de Roma, tornando-se uma das mais queridas e populares figuras da Cidade Eterna.
Terceiro de uma família de cinco filhos, Félix nasceu em Cantalício,pequeno povoado italiano do território de Cità Ducale, na província da Umbria. Seu pai, Santo de Carato, e sua mãe, Santa, eram pobres camponeses cuja única riqueza consistia em oferecer a seus filhos a Religião católica, que lhes ensinaram desde o berço.
Aos doze anos, para diminuir uma boca na tão parca alimentação doméstica, Félix foi mandado trabalhar em Cità Ducale na fazenda de um homem temente a Deus, que dele cuidava como se fosse da família. A infância e juventude de Félix podem ser resumidas nestas palavras: poucas letras, muito trabalho e muita oração.
Seus companheiros de infância e depois de juventude tanto o respeitavam que a ele só se referiam como ao São Félix. Em sua presença, nenhuma palavra menos pura, nenhuma brincadeira duvidosa, nenhum ato equívoco se praticava. E todos se contagiavam com a alegria que ele irradiava a seu redor, fruto de sua perfeita conformidade com a vontade de Deus.
Assistia à Missa diariamente, e dedicava seu tempo livre à oração e boas obras.
Nessa vida simples e inocente, Félix viveu 28 anos. Um acidente que pôs em risco sua vida, levou-o a decidir-se fazer religioso. Estava ele arando o campo com uma junta de bois quando estes, assustando-se por qualquer motivo, voltaram-se contra ele, que caiu por terra, e passaram com o arado por cima dele. Quando levantou sem nenhum arranhão, Félix viu naquilo um aviso de Deus, e foi pedir admissão no mosteiro capuchinho da cidade.
O guardião que o atendeu, para certificar-se de sua vocação, pintou as austeridades da Ordem com tintas muito carregadas. Félix replicou-lhe que, se na cela houvesse um crucifixo, bastaria olhá-lo para suportar qualquer sofrimento ou contrariedade. Ciente de que estava diante de alguém que meditava constantemente na paixão do Salvador, o guardião o admitiu de muito bom grado.
Félix aprendia de memória orações, antífonas, salmos, versículos, hinos litúrgicos e passagens evangélicas para alimentar sua devoção. Com frequencia, rogava ao mestre de noviços que redobrasse suas penitências e mortificações, e o tratasse com mais severidade que os outros, pois julgava seus companheiros mais dóceis e inclinados à virtude.
Em 1545, aos 30 anos, fez os votos solenes. Transcorridos quatro anos, foi enviado a Roma. Durante quarenta anos, ou seja, quase até a morte, saía diariamente para pedir esmolas nas ruas da cidade, para a manutenção da comunidade. Para chamar a atenção do povo, ele costumava gritar: “Deo gratias” (Demos graças à Deus), pelo que ficou conhecido na cidade como Frei Deogratias.
Sua humildade era a fonte de sua jovialidade. Dizia: “Eu não sou frade, mas estou com os frades; sou o jumentinho dos Capuchinhos”. E quando alguém lhe perguntava como ia, respondia: “Estou melhor do que o Papa, que tem tantos contratempos; eu não trocaria este alforje pelo papado e o Rei Felipe juntos… Vivo tão feliz que já me parece estar no Céu”.
Nas apinhadas ruas da Cidade Eterna, encontrava todo mundo, inclusive – ó época abençoada – Santos. Um deles era o grande Felipe Neri, tão jovial e cheio de bom humor quanto Frei Félix. E eles se saudavam à sua maneira:
– Bom dia, Frei Félix, dizia-lhe Felipe. Oxalá o queimem pelo amor de Deus. Assim irá mais depressa ao Paraíso!
– Saúde, Padre Felipe, respondia-lhe o capuchinho. Oxalá o matem a pauladas e o esquartejam em nome de Cristo!
Era comum ver-se em Roma esse espetáculo inusitado: o capuchinho ajoelhar-se para receber a bênção do Padre Felipe, e este ajoelhar-se ao mesmo tempo, pedindo a bênção de Frei Félix. Não é de admirar que esses dois santos se tornaram nas pessoas mais populares da Cidade Eterna.
Outro santo que admirava e procurava a amizade de Frei Félix era o Cardeal Carlos Borromeu. Pediu-lhe ele um dia um conselho para dar a seus sacerdotes para progredirem na virtude. Frei Félix respondeu: “Que cada sacerdote se preocupe em celebrar muito bem a Missa e em rezar muito devotamente os salmos que tem que rezar cada dia, no Oficio Divino”.
Quando perguntavam a Frei Félix de onde lhe vinha tanta sabedoria, ele respondia: “Toda minha ciência está encerrada em um livrinho de seis letras: cinco vermelhas, as chagas de Cristo, e uma branca, a Virgem Imaculada”.
Um dia em que Frei Félix rezava no convento diante de uma imagem de Nossa Senhora com o Menino esta, segundo testemunha ocular, cedeu-lhe o Menino para que o acariciasse. Isso foi imortalizado numa tela pelo grande pintor Murilo.
Enfim, em maio de 1587, aos 72 anos de idade, Frei Félix de Cantalício entregou sua pura e inocente alma a Deus. O povo de Roma quis canonizá-lo imediatamente. O Papa reinante, Sixto V, que o conhecera bem, coletou 18 milagres operados pelo Santo para sua beatificação. Mas faleceu antes. Frei Félix de Cantalício foi canonizado somente em 1712.