Para vencer o desregramento que atingiu nossa natureza depois do Pecado Original e adquirir domínio sobre os movimentos desordenados de nossa concupiscência, é preciso que nos mortifiquemos, segundo a norma pregada por Santo Inácio, fazendo o “agere contra” do que nossas más tendências pedem. Isso explica, de um lado, o grau incrível de penitência que praticaram os santos em geral.

Alguns deles, com uma vocação e missão mais especial, como Santa Rosa de Lima que veneramos hoje, as praticaram de modo tão surpreendente, que sua enumeração choca e horroriza o homem amolecido, comodista, e amante da vida do século XXI.

É por isso que ela é uma santa para ser admirada, e não imitada, a não ser por alguém com uma vocação tão especial como a dela.

Uma dos onze filhos de numerosa e honrada família de Lima de mediana fortuna, a futura Santa nasceu no dia 20 de abril de 1586.

Quando Isabel – nome que recebeu no batismo – tinha apenas três meses de idade, sua mãe viu transfigurar-se seu rostinho numa formosa rosa. A partir de então passou a chamá-la pelo nome com que ficou mundialmente conhecida, que foi também o de sua confirmação, que recebeu do arcebispo de Lima, São Toríbio de Mogrovejo.

Já aos três anos Rosa agia como se tivesse pleno uso da razão, e deu provas de virtude que se poderia esperar de pessoa muito mais velha. Assim, um dia em que foi pegar algo numa pesada arca, o tampo caiu-lhe sobre a mão, ferindo gravemente um dos dedos. Este depois inflamou, sendo preciso fazer doloroso tratamento. A menina suportou tudo sem chorar nem queixar-se, impressionando muito a todos.

Quando mais crescida, Rosa soube a razão pela qual lhe tinham mudado o nome. E, em sua humildade, julgou que isso era mais motivo de vanglória do que de glória. Apresentando sua pena a Nossa Senhora, apareceu-lhe Ela com o divino Menino nos braços, e lhe disse: “Meu Filho gosta desse nome, e deseja que a ele acrescentes o meu, de maneira a passar a chamar-se Rosa de Santa Maria”.

Rosa compreendeu bem que os favores extraordinários que recebia do céu deviam ser motivo para que cumprisse tudo com a maior perfeição, seguindo as inspirações da graça. Desse modo, em casa exercitava-se em todas as práticas dignas da mais fervorosa religiosa.

Uma série de reveses privaram os pais de Rosa de quanto tinham, vendo-se eles na mais extrema necessidade para cuidar da numerosa família. A santa, que era exímia no manejo da agulha, passou a fazer rendas e bordados para ajudar a sustentá-la. Para isso dividiu as 24 horas do dia em três partes: na primeira, de 10 horas, fazia trabalhos de mão; na segunda, de 12 horas, dedicava à oração. Restavam-lhe apenas duas horas que dedicava ao sono. Vencê-lo foi um dos maiores esforços que essa virgem teve que fazer. Quando se punha em oração, por mais que mudasse de posição, o sono vinha sempre, e ela tinha que fazer esforços inauditos para vencê-lo. Recomendava-se sempre à Santíssima Virgem para que acordasse no horário que se tinha fixado, e muitas vezes a Mãe de Deus vinha pessoalmente acordá-la.

Tendo lido a vida de Santa Catarina de Siena, tomou-a como modelo e advogada. Por isso quis ser, como ela, terceira dominicana, vestindo o hábito da Ordem Terceira da Penitência do Patriarca São Domingos, no dia 10 de agosto de 1610.

Desde esse momento julgou que, na nova vida, deveria esmerar-se ainda mais na penitência e mortificação pela santa Igreja, por sua Pátria, pela cidade de Lima, e pelas almas do Purgatório, de que era muito devota. Para ter-se uma ideia do que isso significava, tenha-se em conta de que ela, desde os seis anos de idade, jejuava a pão e água nas sextas-feiras e nos sábados. Aos quinze fez voto de não mais comer carne, a não ser por obediência. Depois passou a tomar uma só refeição por dia, que constava de uma sopa feita com pão e água. Além das flagelações diárias a que se submetia, usava à cintura um cilício feito de correntes, fechado por um cadeado cuja chave jogara fora. A corrente penetrou-lhe na carne, que inflamou, provocando dores inauditas. Foi preciso quebrar o cadeado para tirar o cilício, que deixou chagas em seu corpo.

A caridade de Rosa pela salvação das almas crescia nela em proporção com o amor a Deus. Considerando que elas foram resgatadas por Nosso Senhor, sentia dor acerba em pensar que muitas se perdiam. Pensava sobretudo nos que se apartaram da verdadeira Igreja com o cisma protestante; nos pagãos mergulhados nas trevas da idolatria, e nos muitos católicos que viviam como se não tivessem uma alma a salvar. Para salvar a todas queria colocar-se às portas do inferno para impedi-las de nele cair.

Chocava-a muito ver que muitos sacerdotes não tinham verdadeiro zelo pelas almas, e que perdiam seu tempo em sermões inócuos. A um sacerdote com fama de grande orador, de estilo florido e redundante, ela disse um dia, depois de ouvi-lo: “Meu pai, vede que Deus vos fez pregador para que convertêsseis almas; não gasteis vosso talento ociosamente em flores, que é trabalho inútil. Lembrai-vos da conta que Deus vos pedirá por tão alto ministério”.

Aos confessores e pregadores rogava que, a seus ouvintes e penitentes, persuadissem de que a oração é o remédio universal para todas as enfermidades do corpo e da alma. Nunca deixou de rezar o rosário, pois via que nele se acham muito bem irmanadas as orações vocal e mental.

Com a ajuda de um dos irmãos, construiu uma ermida no jardim da casa e nela passou a viver retirada. Nela experimentou todos os fenômenos da vida mística.

Tendo os frequentadores do convento do Rosário notado que ela não aparecia mais para assistir à santa Missa, o que antes fazia diariamente, respondeu que não necessitava sair de sua ermida para assisti-las pois, de sua cela, via e ouvia quantas missas se celebravam no hospital do Espírito Santo e no convento de Santo Agostinho.

Rosa sofreu também muitas provações espirituais, chegando a ser tentada contra a própria salvação. Uma vez que ela apresentava a Nosso Senhor esse grande temor, disse-lhe Ele: “Minha filha, tem ânimo, que eu não condeno senão àqueles que querem condenar-se”.

Santa Rosa de Lima faleceu em 24 de agosto de 1617, aos trinta e um anos de idade, sendo canonizada em 1672

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