Este Santo é uma das figuras mais eruditas da alta Idade Média. A fama da santidade e sabedoria de que já gozava em a vida, levou seus contemporâneos a – como não podiam já chamá-lo de santo – a dar-lhe o título de “o Venerável Beda” ou “Beda o Venerável”. Chama-o assim também o Papa Sérgio I quando, em 701, escreve ao seu abade pedindo que lhe permita vir temporariamente a Roma para consultas sobre questões de interesse universal.
São Beda nasceu na Nortumbria, no nordeste da Inglaterra, no ano de 672/673 numa família modesta. Ele mesmo nos dá alguns dados de sua biografia em sua “Historia ecclesiastica gentis Anglorum”: “Eu, Beda, servo de Cristo e sacerdote, monge do mosteiro de São Pedro e São Paulo, da Inglaterra, nasci neste país. Aos sete anos fui levado ao mosteiro para ser educado pelos monges. Desde então nele passei toda a minha, e me dediquei sobretudo ao estudo da Sagrada Escritura. Além de cantar e rezar na Igreja, a minha maior alegria era a de poder dedicar-me a aprender, a ensinar e a escrever. Aos dezenove anos fui ordenado diácono, e aos trinta sacerdote. Todos os momentos livres dediquei-os à busca de explicações da Sagrada Escritura, especialmente extraídas dos escritos dos Santos Padres”.
Além desses dados podemos acrescentar ainda, com segurança, que ele foi educado e orientado espiritualmente por São Bento Biscop (628-690), abade do mosteiro de Wearmouth que, impressionado com sua virtude e dons e inteligência, tratava-o como a filho.
São Beda é apresentado como um dos pais de toda a cultura posterior, influindo através da escola de York e da carolíngia sobre toda a cultura europeia. Entre os monumentos insignes da historiografia está a sua História eclesiástica do povo inglês, já mencionada, pela qual mereceu ser proclamado no sínodo de Aquisgrana, em 836, “venerável e doutor admirável dos tempos modernos”.
O santo gostava de auto-definir-se como “historiador verdadeiro”, com a consciência de ter prestado serviço à verdade.
O Venerável desde cedo considerou que um sermão pode ser ouvido por apenas algumas pessoas, mas podia ser lido por milhares delas, e por muitos séculos. Por isso desejou escrever, e escreveu muito sobre os mais variados temas desde o teológico ao intelectual, incansavelmente, com cuidado no seu conteúdo e estilo, resultando seus livros agradáveis à leitura, verdadeiras obras literárias. Ao todo foram sessenta obras sobre teologia, filosofia, cronologia, aritmética, gramática, astronomia, música e inclusive medicina.
Para se ter uma ideia do espírito com que escrevia, veja-se a oração que São Beda incluiu no fim de sua História Eclesiástica: “Suplico-te, meu Jesus, que me concedeste atingir com delícia as palavras da tua sabedoria, conceder-me, na tua misericórdia, chegar um dia a ti, fonte da sabedoria, e contemplar o teu rosto”.
Pode-se dizer que as maiores satisfações da sua vida foram por ele mesmo compendiadas em três verbos: aprender, ensinar, escrever. Com efeito, a maior parte de sua obra de escritor tem como origem e fim o ensino. Embora, como vimos, escreveu sobre diversas matérias, ele é antes de tudo teólogo, de linguagem fluida e simples, acessível a todos.
São Beda foi também um insigne mestre de teologia litúrgica. Em suas homilias sobre os Evangelhos nos domingos e dias festivos, ele mostra que, visto o fim para o qual o homem foi criado, convida os fiéis para celebrarem alegremente os mistérios da fé, e para os reproduzirem de maneira coerente na vida, à espera da sua plena manifestação na volta de Cristo.
Seguindo o realismo das catequeses de São Cirilo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, o Venerável ensina que os Sacramentos da iniciação cristã constituem cada fiel “não só um cristão, mas Cristo”. Porque, cada vez que uma alma fiel acolhe e conserva com amor a Palavra de Deus, à imitação de Maria concebe e gera novamente a Cristo. E cada vez que um grupo de neófitos recebe os sacramentos pascais, a Igreja “gera-se a si mesma”. Ou, com uma expressão ainda mais ousada, a Igreja torna-se “mãe de Deus”, participando na geração dos seus filhos, por obra do Espírito Santo.
O Papa Gregório II chamou-o a Roma para tê-lo como seu auxiliar, mas Beda implorou permanecer na solidão do mosteiro, onde ficou até os últimos momentos da sua vida. Só saiu por poucos dias para estabelecer as bases da Escola de York, na qual depois estudou e se formou o famoso mestre Alcuíno, fundador da primeira universidade de Paris.
São Beda morreu com 63 anos na abadia de Jarrow, na Inglaterra. Quando pressentiu sua morte, disse: “Vivi bastante, e Deus dispôs bem da minha vida”. Assim, na véspera da Ascensão, 25 de maio de 735, após ter ditado a última página do seu Comentário de João, disse ao monge escrivão: “Agora dirija minha cabeça e faça com que eu possa volver os olhos para o lugar santo onde rezei, porque sinto na alma uma grande doçura”. Depois rezou o Glória ao Pai. Foram suas últimas palavras.
O grande missionário da Germânia, o Bispo São Bonifácio (+ 754), pediu várias vezes ao Arcebispo de York e ao abade de Wearmouth que fizessem transcrever algumas das obras do Venerável e lhas mandassem, para que também ele e seus companheiros pudessem gozar da luz espiritual que delas emanava.
Um século mais tarde, Notkero Galbulo, abade de São Galo (+ 912), reconhecendo o extraordinário influxo de Beda, comparou-o a um novo sol que Deus tinha feito nascer, não do Oriente, mas do Ocidente, para iluminar o mundo.
Considerando muitos séculos depois o imensurável serviço prestado à Igreja por Beda, em 1899 o Papa Leão XIII proclamou-o Santo e Doutor da Igreja, sendo ele o único Santo inglês que possui esse privilégio.
O Martirológio Romano Monástico diz que ele, no mosteiro de Jarrow, “sem jamais preferir outra coisa que não a obra de Deus, mostrou-se tão assíduo aos trabalhos humildes da vida comunitária, como a seus eruditos estudos patrísticos, históricos e hagiográficos”.