Este santo Padre da Igreja nasceu no século II, provavelmente em Esmirna, pelos anos 130 a 135. Foi discípulo de São Policarpo que, por sua vez, o foi do apóstolo São João Evangelista. Sobre seu mestre, bispo de Esmirna, ele escreveu uns 30 anos depois que o conheceu tão bem que: “Posso dizer onde o bem-aventurado Policarpo se sentava para falar, como entrava e saía, qual era o caráter de sua vida, o seu físico, as conversas que tinha com o seu povo, como ele contava as suas relações com João e com os outros que tinham visto o Senhor”. Dele Irineu pôde recolher ainda viva a tradição apostólica, pois Policarpo fora consagrado bispo pelo próprio São João Evangelista, o que torna importantíssimos os seus testemunhos doutrinais.
Muito culto e letrado em várias línguas, Irineu foi ordenado por São Policarpo, que o enviou para a Gália, atual França, onde havia uma grande população de fiéis cristãos procedentes do Oriente. Lá, trabalhou ao lado de São Fotino, o primeiro bispo de Lyon que, em 175, o enviou a Roma para, junto ao papa Eleutério, resolver a delicada questão doutrinal dos hereges montanistas. Esses fanáticos, vindos do Oriente, pregavam o desprezo pelas coisas do mundo, anunciando o breve retorno de Cristo para o juízo final.
Contudo, tanto o papa quanto Irineu foram tomados pela surpresa da bárbara perseguição decretada pelo imperador Marco Aurélio. Rapidamente ela atingiu a cidade de Lyon em 177, ocasionando o grande massacre dos cristãos, todos mortos pelo testemunho da fé, muitos dos quais são festejados a 2 de junho como “os Mártires de Lyon”.
Voltando à Gália, Irineu sucedeu como bispo em Lyon ao mártir São Fotino, vítima da perseguição de Marco Aurélio. Durante a paz religiosa que se seguiu, o novo bispo dividiu suas atividades entre as funções de pastor e a de missionário, e seus escritos, quase todos diretamente contra o Gnosticismo. Santo Irineu escreveu contra essa heresia, que até nossos dias é a base de muitos sistemas filosóficos religiosos, uma Refutação da falsa ciência, livro que também se chama Adversus haereses. Ele se desculpa de seu mau estilo grego, afirmando: “Vivemos entre os Celtas e, na nossa ação junto deles, usamos muitas vezes língua bárbara”.
A gnose, falando de modo muito simplificado, é um nome coletivo para largo número de seitas iniciáticas variadas e panteístas, relacionado com ensinamentos esotéricos da cultura grega e helenística, que afirmava que a matéria era uma deterioração do espírito, e que por isso todo o universo era uma depravação da Divindade. Pelo que o fim último de todos os seres, deveria ser uma suplantação da vulgaridade da matéria pelo conhecimento de certas verdades ocultas a respeito de Deus, do homem e do mundo, para retornar ao Espírito-Pai, retorno esse que deveria ser inaugurado e facilitado pelo aparecimento de algum Salvador divinamente enviado. O homem é um ser divino que caiu na terra de forma desastrosa, e que só pode se libertar dessa condição, libertando essa partícula divina que possui, através de sucessivos conhecimentos iniciáticos, ou uma verdadeira Revelação.
Santo Irineu expõe a teoria herética, desenvolve-a até chegar à sua conclusão lógica, e procede a demonstrar sua falsidade. Ele estava firmemente convencido de que, uma grande parte do atrativo do gnosticismo, encontrava-se no véu do mistério com o qual gostavam de se envolver seus adeptos, pois se trata de uma seita iniciática, que só os perfeitos conhecem. E, para chegar a ser perfeito, há graus sucessivos de iniciação.
Entretanto, é preciso dizer que o santo procurava sobretudo converter os gnósticos. Por isso afirma: “Com toda a nossa alma, estendemos-lhes a mão, e não nos cansaremos de o fazer”, escrevia.
Diante das fantasias mórbidas de seus adversários, ele apresentava a sã doutrina: “O Verbo de Deus, impelido pelo imenso amor que nos dedicava, fez-se o que nós somos, para nos fazer o que Ele próprio é”.
Ainda para refutar essa heresia, Santo Irineu expôs, com felicidade particular, o argumento da tradição: “A tradição dos Apóstolos está manifesta no mundo inteiro: basta contemplá-la em qualquer igreja, para ver a verdade quem quer. Podemos enumerar os bispos que foram instituídos pelos Apóstolos, e os sucessores deles até nós: nada ensinaram, nada conheceram que se parecesse com essas loucuras. Porque, se os Apóstolos tivessem conhecido mistérios escondidos com os quais tivessem instruído os perfeitos – isolados do resto, e no desconhecimento do resto – seria sobretudo àqueles a quem entregaram as Igrejas que eles os comunicariam. Exigiam a perfeição absoluta, impecável, daqueles que lhes sucediam,e a quem confiavam, em lugar deles, o cargo de ensinar”.
Santo Irineu escreveu também um livrinho Demonstração da pregação apostólica, que estava perdido, mas que foi descoberto de 1904 em tradução armênia.
O santo bispo faleceu pelo ano de 202. Morreu mártir? Há no sentido afirmativo o que diz o Martirológio Romano, e há uma indicação no martirológio jeronimiano, outra do próprio São Jerônimo, e outra de São Gregório de Tours. Segundo esse santo, ele foi enterrado na cripta da basílica de São João, debaixo do altar. A esta basílica sucedeu uma igreja de Santo Irineu, que deu o nome a um bairro de Lyon. Em 1562 os protestantes calvinistas dispersaram as relíquias do Santo.
O Martirológio Romano dele diz neste dia: “Em Lyon, na Gália, Santo Irineu, bispo e mártir que, segundo São Jerônimo, foi discípulo do bem-aventurado Policarpo, bispo de Esmirna, e mui chegado aos tempos apostólicos. Depois de lutar vigorosamente contra os hereges, tanto pela palavra como pela escrita, teve afinal a coroa do martírio na perseguição de Severo, com quase todos os fiéis de sua cidade episcopal”.