Noite de 6 de agosto deste ano, na famosa Times Square, em Nova York. Luzes multicoloridas, telões eletrônicos, propagandas aliciantes, fluxo contínuo de transeuntes, turistas inebriados diante das lojas e dos produtos de consumo ilimitado… ou quase. Em todas as esquinas há prazer, alegria, sorrisos fugazes mas constantes. Nada pode perturbar tal triunfo da modernidade, tal completo deleitamento da vida mundana oferecido pela “Big Apple” americana.
No entanto, onde a ilusão corre sem freios, aí mesmo o homem extasiado por ela terá cedo ou tarde algum sobressalto, que o obrigará a abrir os olhos para a realidade. E foi o que ali aconteceu. De repente, o barulho de estampidos se propagou pela Times Square, seguindo-se diversos outros estouros. Bombas? Atentado terrorista? O pânico se alastrou, e a multidão correu desvairada pelas ruas cuja alegria tinha ares de imperturbável1… A morte parecia surgir a dois passos de todos. Era o fim da ilusão.
O súbito pânico suscitado por esses estampidos faz certo sentido, tendo em vista alguns fatos que os precederam. Poucos dias antes, houve o atentado2 de El Paso, no Texas, que deixou 20 mortos; outro ataque em Dayton, Ohio, resultou em nove vítimas fatais e 27 feridos; um atirador matou três pessoas na Califórnia, uma semana antes. Quais os motivos de tais brutalidades? As notícias nos trazem a resposta estarrecedora: não há razões! Pelo contrário, mostram motivos banais, ridículos, irracionais.
A loucura, que pode conduzir a atentados como esses, dá sinais de ter-se instalado definitivamente no mundo contemporâneo. Não longe de nós, basta lembrar o atentado de Suzano, SP, no início deste ano. Tudo indica que um dos “motivos” dos atiradores era simplesmente superar o número de mortes do massacre em Columbine, ocorrido em 1999 nos Estados Unidos. Ou seja, os assassinos quiseram realizar, na vida real, o que se faz numa disputa de videogame. Difícil imaginar insanidade maior.
A opinião pública e as defecções vergonhosas
Diante de tanta loucura, o que faz o homem imerso na enganadora felicidade que o mundo apresenta? Continua divertindo-se nas “Times Squares” espalhadas por todo o mundo.
Essa situação pouco difere de inúmeros exemplos históricos. Nos últimos dias do Império Romano, quando os bárbaros já saqueavam Roma, muitos habitantes da cidade sequer se preocupavam com a destruição iminente. Continuavam crendo que algo aconteceria para impedir o desmoronamento definitivo do antigo império dos Césares. “Roma nunca cairá”, diziam. Dedicavam suas existências aos prazeres e à irreflexão, e daí a pouco seriam deglutidos pela avalanche bárbara.
Exemplo recente é o do Camboja, em 1975. Enquanto os comunistas do Khmer Vermelho iam conquistando paulatinamente o país, e mesmo quando já entravam com os tanques na capital Phnom Penh, muitos despreocupados dormitavam ou se espreguiçavam à beira das piscinas. Não lhes preocupava o fato de um regime brutal estar batendo às suas portas, e do qual eles mesmos, os despreocupados, se tornariam as primeiras vítimas.
O episódio da Times Square é emblemático. Não houve atentando algum! As explosões ouvidas vieram dos escapamentos de motocicletas. Mas a histeria generalizada que se seguiu mostra bem que a tranquilidade e despreocupação eram apenas aparentes. Cenas filmadas apresentaram alguns chorando, mesmo após a polícia avisar que não havia perigo algum.
Num artigo de Catolicismo,3 em 1955, Plinio Corrêa de Oliveira alertou os leitores para a ameaça comunista: “A continuação deste pandemônio por mais alguns anos não poderá deixar de levar a um grau imprevisível o embrutecimento geral, a decadência do padrão humano, o declínio da capacidade de resistir, de lutar, de vencer, de todo o Ocidente, quer no plano ideológico, quer no plano militar. Como sob um vento pestífero, vão minguando todas as nossas energias vitais. Dentro de mais alguns anos, estaremos talvez maduros para aceitar, sem resistência, alguma imensa surpresa, alguma defecção vergonhosa, súbita, completa”.
Os perigos atuais, embora muito maiores que os daquela época, vêm sendo acobertados sob amplas camadas de propaganda pacifista, que contribui para a apatia e adormecimento da população. Mas a preocupação com algum perigo pouco explicitado, mas de grandes proporções, está evidente no episódio da Times Square. Haverá utilidade para o despertar da opinião pública, em advertências como a que acima transcrevemos? Não seria mais uma vox clamantis in deserto?
Irracionalidade X sabedoria católica
Atentados ou explosões, caso se generalizem, podem provocar a fuga em massa das cidades, consideradas não mais habitáveis. E o resultado, queiramos ou não, será a volta à vida selvagem, neo-bárbara, longe da civilização que vai desaparecendo e enlouquecendo. Se lembrarmos que esse é o sonho das correntes estruturalistas e indigenistas atuais, algumas das quais infiltradas na Igreja Católica, esta hipótese não parece tão distante.
Nossa época vive na fantasia de um mundo repleto de deleites e entretenimentos infindos. Finge não perceber a corrosão, o desfazimento inoculado nas suas entranhas. Sem princípios morais, sem famílias estruturadas, sem religião, sem Deus. A irracionalidade passou a ser a única regra do homem do século XXI. A multiplicação dos atiradores tresloucados revela-se apenas como mais um sintoma da última doença do paciente em estado terminal. Não há como escapar dessa dura realidade: estamos no fim de uma era. Quando pessoas se matam sem razão, quando entram em estado de histeria sem motivos, ou por motivos ridículos, eis os presságios da desagregação derradeira que se aproxima.
O pânico coletivo da Times Square nos fornece mais uma lição: o homem moderno não está preparado para enfrentar a tragédia. Quando esta se apresenta, ele entra em desespero, desaba. Isso porque deseja repousar na eterna ilusão de uma vida sem dor, sem sofrimento.
Bem outra é a mentalidade católica. A Igreja nos ensina que vivemos num vale de lágrimas. Por mais que alguém tenha uma existência tranquila, e até com alguns prazeres legítimos, um dia a tragédia virá. A Santa Igreja nos diz: prepare-se, tenha confiança na Providência Divina. Encare a dor com resignação. Lá está a Cruz no topo das igrejas e nos altares, indicando que o Homem-Deus sofreu e morreu, mas ao mesmo tempo venceu, abrindo para nós as portas do Céu, esperança de nossas almas.
Eis o que a Igreja Católica sempre ensinou, mas o neo-paganismo nega e esconde.
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Notas
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 827, Novembro/2019.
- Cfr. https://time.com/5646051/broadway-times-square-shooting-panic-stampede/
- Cfr. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/08/publico-na-times-square-entra-em-panico-ao-confundir-barulho-de-exaustao-de-moto-com-tiros-veja.shtml
- Cfr. https://www.pliniocorreadeoliveira.info/1955_049_CAT_Ha_metodo_na_loucura.htm