No livro Casa Grande e Senzala, Gilberto Freire expõe com precisão e acerto um dos elementos fundamentais da nacionalidade brasileira, quando na Batalha de Guararapes se uniram três etnias — branca, índia e negra — contra os hereges holandeses. Ele descendia de índios, mas não discorreu muito sobre a questão indígena, pois trabalhava com a hipótese de os silvícolas se inserirem paulatinamente na sociedade brasileira. Lembra, a propósito, que a filha do Cacique Arco Verde, saída do sertão, foi criada quase como uma princesa na mais alta aristocracia portuguesa.
Gilberto Freire preconizava uma urbanização aquática para as nossas regiões quentes, como as que existem em cidades amazonenses, inclusive Manaus, onde muitas casas flutuam sobre as águas. Ao discorrer sobre o seu ideal de desenvolvimento, ele queria que a hidrovia fosse o meio principal de escoamento dos produtos da região, nomeadamente os óleos essenciais para medicina, farmacopeia e cosméticos.
Posição equivalente, a propósito da mesma gama de atividades, é a do livro Amazônia do mundo verde, sonho da humanidade, em que Gilberto Mestrinho — ex-governador do Amazonas, um político com visão de Estado — alerta para a cobiça internacional sobre a Amazônia. Qual a razão dessa cobiça? O seu grande potencial de riquezas, que abrange vários setores da economia. Nosso espaço não nos permite abordar assunto tão vasto, por isso nos limitamos ao aproveitamento das várzeas dos grandes rios e lagos para o cultivo e a agropecuária.
Segundo Mestrinho, em decorrência do degelo nos Andes e das chuvas torrenciais, que caem na região num determinado período do ano, o Rio Amazonas sobe 20 metros ou mais, alcançando em alguns pontos até 200 quilômetros de largura. Com a estiagem e o inverno dos Andes, os rios voltam à calha principal, deixando ao longo de milhares de quilômetros das suas margens uma larga várzea que, num cálculo preliminar, ultrapassa 20 milhões de hectares. Alagam-se nas cheias, e na estiagem refluem as águas dessas terras descampadas e sem árvores, deixando-as altamente adubadas pelos sedimentos trazidos pelas águas; sobretudo o calcário, que os pecuaristas usam para terminar a engorda do gado.
Quando a água diminui, imensas barcaças/currais transportam para esses locais centenas de garrotes, que ao cabo de seis meses já estão prontos para o abate. Quinze dias após baixarem as águas, nasce o capim nativo, o arroz selvagem (“arroz de marreca”), altamente nutritivo e saudável para o gado.
Mestrinho mostra o incremento significativo de nossa agricultura intensiva e especializada, ao serem assim incorporados mais de 20 milhões de hectares durante seis meses do ano. Se não podem ser aproveitados nos 365 dias, em razão da inundação, seu benefício é fartamente compensado pelos nutrientes abundantes — um presente das águas, como acontece nas férteis margens do rio Nilo, no Egito.
Ao abordar esse assunto, não estamos imaginando a Amazônia habitada pelos muitos varões de Plutarco. Falamos de brasileiros como nós, dos quais vale a pena saber o que dizem e pensam, especialmente sobre essas áreas que lhes pertencem, e que eles conhecem muito melhor que qualquer burocrata. O próprio Mestrinho, aliás, descende de cearenses e índios tikuna, e se incorporou à sociedade amazonense.
Somos partidários da preservação da floresta, mas é bom contar aos jornalistas desinformados (ou informados, sim, mas mal intencionados) que basicamente foram destinadas à produção as áreas de cerrado, cerradinho e cerradão, e apenas uma parte pequena da floresta úmida (rain forest). Gostaríamos que nos próximos anos as queimadas diminuam. No entanto, se progredirem no ritmo deste ano, as florestas úmidas só serão consumidas dentro de uns 500 anos, segundo cálculos seguros.
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A máquina midiática revolucionária cria e destrói ídolos da noite para o dia, de acordo com seus próprios interesses. Se prosseguir nesse rumo e nesse sistema, certamente projetará ainda muitos desses mitos fabricados, enquanto omitirá quem de fato merece elogios. Quem consegue obter na mídia, por exemplo, informações abundantes e seguras sobre os produtores brasileiros? No entanto, esses heróis anônimos já alimentam um bilhão e meio de pessoas em todo o mundo.
Até mesmo governantes estrangeiros nos açoitam, alegando uma mal fundamentada defesa do meio-ambiente. E as tubas de papel ou digitais preferem vergastar nossos produtores de alimentos, que vêm sustentando a humanidade. Como poderão conciliar toda essa má vontade em relação a esses produtores, quando é previsto para os próximos cinquenta anos o aumento da população mundial para nove bilhões de pessoas? De onde tirar alimentos para mais dois bilhões?
Um exemplo muito característico desses ídolos mitificados, criado para a finalidade específica de condenar o “aquecimento global”, é a menina Greta Thunberg. A mídia mundial tirou do nada uma “pirralha” e a guindou ao topo da bajulação internacional, a ponto de transformá-la em “personagem do ano” da revista Time. Conseguiram que ela memorizasse alguns chavões ambientalistas, para depois soltá-los a todos os ventos nos microfones que essa mesma mídia lhe disponibiliza sem restrições nem limites. Depois de muito ensaio, parece que ela consegue interpretar bem o papel que lhe confiaram, a ponto de afrontar chefes de Estado, personalidades e cientistas. Não causa surpresa que até o Papa Francisco, autor de um documento de caráter ecologista, faça eco às palavras dela.
Em se tratando de uma menor de idade, a exploração que se faz de Greta deveria gerar protestos mundiais, além de um processo no alto-comissariado dos Direitos Humanos da ONU, por crime de uso indevido de menores. Mas protestos e processos, quando existem, geralmente têm os mesmos centros de autoria e divulgação…
Ao que tudo indica, o personal trainer de Greta se esqueceu de avisá-la sobre os incêndios na Austrália. No entanto, eles já devastaram uma área quase equivalente à de Portugal, matando dezenas de pessoas e mais de um milhão de animais típicos da região. Isso representa muito mais do que a área realmente desflorestada na nossa Amazônia em 2019.
Esqueceram-se de informá-la também de que em 2019 a indústria automobilística do Brasil produziu apenas 2,8 milhões de veículos, enquanto a China fabricou 28 milhões (dez vezes mais). Juntando esses dados com muitos outros, amplamente conhecidos, a China ostenta o título de país mais poluído e mais poluidor do planeta. Mas a China goza do privilégio de ser intocável…
Ambientalistas do mundo inteiro, acordem! Prestem atenção na realidade tal qual ela é, e deixem de sustentar mitos e mentiras.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 830, Fevereiro/2020.