Santa Luísa de Marillac foi dirigida espiritual e grande cooperadora de São Vicente de Paulo. Desempenhou em relação a ele, papel análogo ao de Santa Joana de Chantal junto a São Francisco de Sales. Hoje comemoramos sua festa litúrgica.
No século XVII já ia adiantada a decadência da Idade Média – época que tão admiráveis frutos produziu outrora para a Cristandade. As guerras de religião na França haviam tornado o país continuamente devastado, o campo sem cultivo, as fortunas arruinadas, um sem-número de famintos e miseráveis refugiando-se em Paris, aumentando de modo assustador a população da capital.
Diz um dos biógrafos de São Vicente: “Os mendigos formavam exércitos que se apresentavam em grupos compactos, arma ao braço e blasfêmia nos lábios, diante das igrejas, exigindo imperiosamente a esmola”.
O que podia fazer o Poder Público ante tão grande mal? Muito pouca e durável coisa.
Foi quando a Providência suscitou esse homem de estatura verdadeiramente profética, São Vicente de Paulo, que – secundado por almas exponenciais e de grande santidade, como Santa Luísa de Marillac – com suas obras de assistência e misericórdia começou a modificar o lúgubre panorama.
A infância e a adolescência de Luísa de Marillac foram uma sucessão de sofrimentos morais e espirituais. Órfã de pai e mãe, foi educada pelo tio, Chanceler do Reino de França. Homem de grande piedade, fê-la progredir nas letras, artes e virtude. Entretanto, de consciência sumamente delicada, Luísa sofria da terrível doença espiritual dos escrúpulos.
Aos 22 anos, sentiu o apelo para a vida religiosa, mas cedeu ao desejo do tio e ao conselho do confessor, casando-se com Antônio Le Gras, oficial a serviço da Rainha. Antônio, porém, trazia consigo os sintomas da doença que o levaria ao túmulo 12 anos depois.
Viúva aos 34 anos, rica e piedosa, Luísa dedicou-se inteiramente aos pobres. Faltava-lhe porém um diretor que a livrasse dos malditos escrúpulos, permitindo-lhe enfim voar para os altos horizontes a que se sentia chamada. São Francisco de Sales tentou essa tarefa, mas os escrúpulos prosseguiram. A São Vicente de Paulo estava destinado o sucesso.
Dois anos após a morte de São Francisco de Sales, Santa Luísa conheceu São Vicente de Paulo. No primeiro encontro, a impressão mútua dos dois santos foi negativa. A bela e elevada educação aristocrática de Luísa de Marillac levava-a a ver no Pe. Vicente um camponês um tanto rústico e tristonho. O sacerdote, por sua vez, não se interessou por aquela grande dama. Ocupado, como vivia, com os pobres, não tinha em vista dirigir espiritualmente pessoas da alta sociedade. Essa primeira impressão mútua contrastante, desvaneceu-se aos poucos quando um foi descobrindo na alma do outro os enormes tesouros que a graça ali depositara.
Formou-se então aquela sociedade espiritual que frutificaria depois em tantos benefícios para a Igreja e a sociedade. E Santa Luísa, livre de seus escrúpulos, tornou-se a maior colaboradora do Santo nas obras de misericórdia que empreendia. São Vicente a conduziu, ademais, aos paramos da santidade.
Santa Luísa, por sua vez, colocou-se inteiramente em suas mãos, fundando com ele as Confrarias da Caridade, a Congregação das Irmãs da Caridade (de São Vicente de Paulo), tornando-se sua grande auxiliar até falecer em 15 de março de 1660, seis meses antes de seu diretor.
A fama dessa grande dama, apóstola da caridade, difundiu-se por vilas e cidades, tornando-se sua entrada e saída em muitas delas um verdadeiro triunfo. Em Beauvais, por exemplo, não podia ter sido maior: “Mesmo os homens, desejosos de escutá-la, entravam furtivamente na casa onde falava às senhoras, esgueiravam-se até perto da sala da conferência, colavam os ouvidos nas paredes de tabique, e se retiravam maravilhados de tanta prudência e sabedoria. O povo de Beauvais despediu-se dela perseguindo-a com vivas e aplausos até os arredores da cidade. A multidão, rodeando sua carruagem, estorvava sua marcha” narra um dos biógrafos da Santa.
Semanalmente São Vicente reunia as Filhas da Caridade em familiares reuniões nas quais lhes fazia perguntas sobre as virtudes cristãs, os votos e as Santas Regras. Ele comentava as respostas confirmando, esclarecendo ou corrigindo algum ponto. Santa Luísa, percebendo o tesouro que aquelas explicitações encerravam, começou, com a ajuda de outras irmãs, a anotá-las com a maior fidelidade. Tais notas foram se difundindo entre as Filhas da Caridade por toda a França, sendo as primeiras coleções impressas em 1825. Graças, portanto, ao tirocínio de Santa Luísa de Marillac, possuímos essas regras de sabedoria e bom senso emanadas de um santo, com toda a vivacidade e até o pitoresco com que as pronunciou São Vicente de Paulo.