Neste mês se comemora o bicentenário desse grande santo, falecido em 15 de março de 1820 e considerado “coluna da Igreja”, razão pela qual foi muito perseguido pelo clero progressista de sua época.
- Plinio Maria Solimeo
No dia 26 de dezembro de 1751 nascia em Tasswitz, na Morávia (então pertencente ao Império Austríaco), São Clemente Hofbauer. A riqueza de seus pais — os camponeses Pedro Paulo e Maria Steer — consistia em ser uma grande família com muita fé em Deus. Quinto dos 12 filhos do casal, Clemente perdeu seu pai aos seis anos de idade. Diante de um Crucifixo, sua mãe então lhe disse: “De agora em diante, este será teu único pai; procura seguir seus passos e levar uma vida conforme sua vontade santíssima”.
Deus o dotara de um coração extraordinariamente propenso ao bem, reto e sincero. Tinha um amor entranhado ao Sacramento da Eucaristia e à Santíssima Virgem, sendo o Rosário sua oração predileta. Completou o curso primário na escola local, enquanto ajudava a mãe no campo. Embora sentisse verdadeira vocação para o sacerdócio, a pobreza da mãe não permitiu que continuasse os estudos.
Dificuldades para a ordenação sacerdotal
Até ordenar-se sacerdote sua vida foi como a dos “rios chineses”, que normalmente só chegam ao mar depois de darem muitas voltas. Aos catorze anos tornou-se aprendiz de padeiro. Depois disso, sempre à espera de uma oportunidade para estudar, foi encarregado do refeitório dos padres premonstratenses de Bruck, onde concluiu o curso ginasial. Tornou-se eremita perto de Mulfrauen, voltando depois à profissão de padeiro, para retornar à vida eremítica, desta vez em Tivoli (Itália). Aos 32 anos, quando parecia que seu sonho nunca mais se realizaria, benfeitoras pagaram o seus estudos na Universidade de Viena. Mas como as leis anticatólicas do Imperador José II, “déspota esclarecido”, criavam obstáculo à sua ordenação na Áustria, voltou para a Itália, onde ingressou na recém-fundada Congregação do Santíssimo Redentor (redentoristas), nela recebendo a ordenação sacerdotal em 1786.
Na Polônia, corrupção e decadência religiosa
São Clemente deveria introduzir a Ordem Redentorista nos países de língua alemã, entretanto não podia exercer seu apostolado na Áustria, pois o imperador José II, instigado por alguns ministros, baixara vários decretos em detrimento da Igreja Católica: suprimiu conventos, perseguiu religiosos e impediu o exercício livre do culto divino. Por isso, a pedido do Núncio Apostólico em Varsóvia, ele foi para a Polônia.
A situação social e religiosa desse país, afligido por contínuas guerras, era desastrosa. Abalada a fé, os costumes estavam dissolutos e a pobreza reinava. O santo escreveu nessa ocasião: “Escândalos e vícios atingiram seu auge, sendo difícil encontrar o caminho mais seguro e o modo mais eficaz de melhorar a situação. Desde o clero até o mais miserável mendigo, tudo se encontra corrompido. Temo muito que Deus descarregue algum golpe terrível sobre esta nação, que assim despreza suas graças e favores. Roguemos para que meus temores não se cumpram”. Mas eles se cumpriram à risca: em 1795 a Rússia, a Áustria e a Prússia repartiram entre si a desventurada Polônia. Em meio ao caos reinante, a Religião quase desapareceu.
O santo recebeu o encargo de cuidar da igreja de São Beno, dos alemães. A pobreza em que vivia a população era tão grande, que às vezes faltava o necessário para a própria subsistência. Nessas horas ele se dirigia à igreja e batia na porta do sacrário, dizendo: “Senhor, agora é tempo de nos socorrer”. Depois desse ato de confiança, geralmente vinha o auxílio desejado.
Grande conhecedor da psicologia humana, para atrair os fiéis ele se empenhava sobretudo em exercer as funções litúrgicas com muita pompa. E esclarecia: “As solenidades públicas atraem por seu esplendor, e aos poucos cativam o povo, que ouve mais com os olhos do que com os ouvidos”. Apesar da dificuldade financeira, encomendou paramentos belos e ricos. Recorria muito frequentemente à exposição solene do Santíssimo Sacramento, às procissões, novenas e tríduos. Ressuscitou associações tradicionais de piedade e criou outras, tanto para homens quanto para mulheres e crianças. Fundou uma espécie de Ordem Terceira dos redentoristas, os “oblatos”, entre os quais figuravam sacerdotes e pessoas de ambos os sexos, de todas as classes sociais. Tinha como finalidade promover e secundar o apostolado leigo e defender a Igreja, a Fé e a moralidade, com nota tônica na santificação pessoal de seus membros.
Detração em meio a grandes perseguições
Em pouco tempo as funções religiosas se tornaram concorridas, a ponto de nos domingos os fiéis não mais caberem na igreja. Postavam-se então no cemitério e ao longo das ruas, de onde assistiam com piedade ao Santo Sacrifício da Missa.
Fundou também escolas para crianças, confiando-as a hábeis e virtuosos mestres formados sob sua vigilância. Difundia principalmente as obras de Santo Afonso de Ligório, contando para isso com a ajuda dos congregados marianos. Seus fogosos sermões exaltavam a beleza da religião verdadeira, combatiam o jansenismo, o protestantismo e os franco-maçons.
Seu exemplo começou a ser imitado em outras igrejas de Varsóvia, e mais tarde se pôde afirmar que a cidade se transformara completamente por seu influxo. As pessoas que frequentavam a igreja de São Beno pareciam viver num convento: faziam diariamente o exame de consciência e a meditação, e durante a Quaresma e o Advento se recolhiam na solidão para o retiro espiritual.
Mas os maus — tanto nas fileiras do clero como na sociedade civil — não suportam que o bem se expanda, e os redentoristas foram atingidos por uma campanha orquestrada de detração, cujo auge foi em 1800. Sobre isso ele escreveu: “Os jacobinos espalham contra nós toda sorte de invencionices. Somos escarnecidos nos teatros públicos, o próprio clero está contra nós, exceto o Bispo e alguns cônegos. Somos publicamente ameaçados com a forca. Uns prostravam-se diante de mim para me beijar os pés, outros me cobriam de lama; aqueles exageravam na honra, e estes no desprezo. Sofri na Polônia coisas que só serão manifestadas no dia do Juízo Final”.
Ao saber que os redentoristas haviam sido expulsos da Baviera sob a falsa alegação de “terem conspirado contra a paz e a tranquilidade públicas, fanatizando o povo, indispondo-o com o governo e o clero”, o comandante militar de Varsóvia enviou a Napoleão essas mesmas acusações contra os padres de São Beno. O Imperador mandou então expulsá-los da Polônia, “por serem eles o renascimento dos jesuítas”, tidos como os religiosos mais contra-revolucionários do tempo.
Promoção do culto divino em Viena
A campanha de difamação foi bem sucedida, e redundou na expulsão dos redentoristas. Procurando lugar seguro para fundar o ramo alemão de sua Ordem, São Clemente peregrinou incansavelmente de cidade em cidade, sendo expulso de todas elas até chegar a Viena, sua última tentativa. Aí lhe foi imposto o mais rigoroso silêncio, tanto no púlpito quanto no confessionário. Só uma coisa podia fazer, e o fez com fervor: rezar!
O ímpio Napoleão, em sua marcha vitoriosa, havia conquistado a própria capital do império austríaco. Mas não se demorou ali, pois o arquiduque Carlos surgiu em socorro de Viena. Sabendo São Clemente que a sorte de sua pátria dependia daquela batalha, correu para junto do tabernáculo e rezou fervorosamente pela vitória do arquiduque. Sua oração foi ouvida. Animados com o valor de seu comandante, os soldados austríacos o seguiram entusiasmados, e em pouco tempo o campo de batalha estava em poder dos austríacos. No último ataque de Napoleão, o desespero apoderou-se da sua tropa, tendo sido esta sua primeira derrota.
Os feridos das batalhas chegavam em massa à capital, alastrando-se a febre tifoide. O Arcebispo de Viena convocou o clero para o cuidado espiritual e material dos enfermos e pediu a São Clemente que atendesse principalmente os soldados franceses e italianos. Quando o ambiente voltou à normalidade, o santo foi nomeado coadjutor da igreja dos italianos, onde pôde exercer plenamente suas funções religiosas. Um número crescente de vienenses começou então a agrupar-se em torno de seu confessionário e púlpito. Ele pregava esporadicamente em outras igrejas de Viena, e seu nome começou a ser pronunciado com admiração e amor também nas altas rodas da sociedade. Isso ficou ainda mais saliente em 1813, quando ele se tornou diretor espiritual das Irmãs Ursulinas de Viena e responsável pela igreja de Santa Úrsula.
Os católicos de Viena foram aos poucos se edificando com o seu procedimento, sobretudo nos momentos de oração, quando nele resplandecia algo de extraordinário e divino. Enalteciam com admiração seu porte e sua santidade incomum, admiração que não se limitava ao povo simples, mas atingia as pessoas altamente colocadas.
A beleza das cerimônias
Como em Varsóvia, ele cercou de esplendor o culto divino: muitas velas, flores, incenso, cânticos e tudo que podia contribuir para o esplendor das funções. Não conhecia economia, quando se tratava de honrar Deus Nosso Senhor, a Virgem ou os santos. Convidava outros sacerdotes para aumentar o brilho das cerimônias de Santa Úrsula, e assim o templo tornou-se pequeno para multidão cada vez maior. Havia muitos anos não se viam cerimônias como aquelas.
Para São Clemente, a devoção a Nossa Senhora unia-se à do Santíssimo Sacramento. Em uma época em que até teólogos pré-progressistas julgavam válido impugnar o culto “excessivo” a Maria Santíssima, ele se destacou como o “padre que benze terços”. Considerava o Rosário a sua “biblioteca” através da qual conseguia tudo que pedia a Deus. Impôs aos Oblatos o dever de defender sempre o Rosário, sobretudo quando esse fosse escarnecido pelos hereges ou assemelhados.
Sem importar-se com as proibições do josefismo — mesmo porque o próprio irmão do Imperador frequentava a igreja e participava das cerimônias — o exemplo de Santa Úrsula contagiou outras igrejas da cidade, que passaram a emular-se no esplendor do culto divino. O apostolado do belo se fazia de modo exímio. Atraídos pela beleza da música na liturgia, os protestantes também passaram a frequentá-la, e não poucos se converteram ouvindo aqueles sermões cheios de unção e erudição. Numerosos judeus também se apresentaram, pedindo o batismo. Até mesmo libertinos, que para lá se dirigiam com o intuito de zombar, terminavam sendo conquistados. Pediam-lhe que os confessasse, e não raro o próprio ingresso na Congregação.
Influenciando o Congresso de Viena
Os sermões de São Clemente eram simples. Lia o Evangelho, e entre uma sentença e outra ia explicando um dogma da fé ou um mandamento. Confrontava então os costumes em voga e as ideias do tempo com os princípios do Evangelho. Exortava todos, sempre com palavras eloquentes e convincentes, a se converterem e praticarem a virtude. Embora não fosse orador, empolgava como nenhum outro pregador em Viena, pois a verdadeira santidade atrai.
Realizava-se nessa ocasião o Congresso de Viena, convocado para reparar as calamidades provocadas pelas guerras napoleônicas e traçar o futuro da Europa. São Clemente esperava muito desse congresso, porque de seu resultado dependia a prosperidade da Religião no Velho Mundo. Exercia muita influência sobre alguns de seus participantes, com os quais confabulava e discutia diariamente as propostas que iriam apresentar. Até o Príncipe da Baviera pedia seus conselhos, tendo em certa ocasião conferenciado com ele das oito da noite às duas da madrugada. Enquanto isso, outros discípulos de São Clemente preparavam a opinião pública por meio de artigos nos principais jornais de Viena, expondo com clareza o que ouviam dele.
Ao mesmo tempo, alguns dos sacerdotes que o seguiam foram incumbidos de no decurso do Congresso pregar nas igrejas de Viena sobre os pontos religiosos em discussão, orientando o povo e preparando os ânimos. Seu hagiógrafo afirma: “Se São Clemente não conseguiu tudo o que desejava do Congresso, teve a glória de salvar a Áustria do cisma que a ameaçava, e de destruir por completo os planos de separação excogitados e defendidos pelo poderoso Wessenberg. Essa vitória foi uma das mais gloriosas que São Clemente alcançou em vida”.*
São Clemente faleceu no dia 15 de março de 1820, há exatos 200 anos, no momento em que os sinos tocavam o Angelus. Nesse mesmo dia o Imperador Francisco I assinou o decreto permitindo e aprovando a Congregação dos Redentoristas para a Áustria. Realizava-se assim a profecia do santo: “É preciso primeiro que eu morra, só depois a Congregação se expandirá”. Ao receber a notícia do passamento de São Clemente, o Imperador exclamou: “Isto é duplamente doloroso para mim e meu povo, bem como para toda a Cristandade, porque ele era a coluna da Igreja”.
Foi beatificado por Leão XIII e canonizado por São Pio X em 20 de maio de 1909.
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* Utilizamos como fonte bibliográfica para este artigo principalmente o excelente livro do Pe. Oscar Chagas Azeredo, São Clemente Maria Hofbauer. Edição da Livraria Nossa Senhora Aparecida, Oficinas Gráficas Santuário de Aparecida, 1928, do qual extraímos as citações transcritas entre aspas.