Responde o Pe. David Francisquini nas páginas da revista Catolicismo, em sua edição deste mês.
Pergunta — Em nosso grupo de oração foi exibido um vídeo de apresentação do livro Olhar para Maria e ver a Igreja, do jesuíta português Pe. Vasco Pinto Magalhães. O autor defende a existência de um sacerdócio feminino que não é mera cópia do sacerdócio masculino. Para ativá-lo, seria necessário procurar aquilo que a mulher pode fazer na Igreja e ainda não faz, segundo a dimensão feminina de Deus, uma vez que Deus é pai e mãe. Confesso que fiquei confusa, e gostaria de saber se há algo de verdadeiro nisso; e, em todo caso, qual é o papel da mulher na Igreja. Obrigada.
Resposta — A pergunta de nossa missivista é muito oportuna, porque a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia e o mal chamado “caminho sinodal” da Igreja alemã reabriram o debate sobre a possibilidade de existir na Igreja um ministério exercido por mulheres.
O debate começou logo após o Concílio Vaticano II, como um derivado do diálogo ecumênico, e fazendo eco às iniciativas feministas de “emancipação da mulher”. Dizia-se que, de um lado, a mulher participa hoje de modo ativo em todas as esferas da vida social, e também no seio das paróquias (por vezes, até mais do que o elemento masculino); e de outro lado, que nas comunidades protestantes as mulheres de há muito têm acesso à condição de pastoras.
A primeira resposta concisa e abrangente da Santa Sé a essa problemática foi a Inter Insigniores, uma declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial, publicada em 15 de outubro de 1976 e assinada pelo seu Prefeito, o cardeal croata Franjo Seper.
Após reconhecer o papel decisivo de algumas mulheres na vida da Igreja ao longo de sua história — basta pensar em Santa Catarina de Siena, Santa Teresa d’Ávila e tantas fundadoras de congregações religiosas (às quais poderíamos acrescentar a grande Isabel a Católica, na esfera temporal) —, a declaração enumera as gravíssimas razões de fé que impossibilitam o acesso de mulheres às ordens sagradas.
Gostaria de ressaltar desde já algo que a declaração coloca somente no final. Trata-se do fato de que a Igreja, por ter sido fundada diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo, “é uma sociedade diferente das outras sociedades, original pela sua natureza e por suas estruturas”. De onde resulta que, por mais que as sociedades nascidas da sociabilidade natural ou do engenho do homem possam adaptar-se às evoluções do espírito humano, a Igreja não pode mudar, e deve resolver seus problemas de eclesiologia à luz da Revelação e da Tradição que os Apóstolos deixaram, não dos postulados das ciências humanas.
No caso em questão, o ministério pastoral e o governo na Igreja são ligados ao sacramento da Ordem, o qual não foi instituído por homens, mas pelo próprio Jesus Cristo, e é conferido pela imposição das mãos e pela oração dos sucessores dos Apóstolos, que garantem a escolha do candidato da parte de Deus. De onde os ordinandos serem chamados de “clérigos” (do grego “kléros” — tirado por sorte, porção, herança), como consta da eleição de São Matias para substituir Judas no Colégio Apostólico (At 1, 26).
Acontece que “Jesus Cristo não chamou mulher alguma para fazer parte do grupo dos Doze”; e não se pode dizer que Ele agiu assim para Se conformar aos usos da época, como pretendem as feministas, “porque a atitude de Jesus em relação às mulheres contrasta singularmente com aquela que existia no seu meio ambiente”, como afirma o documento da Sagrada Congregação. Ele conversa publicamente com a Samaritana (Jo 4, 27); não leva em consideração o estado de impureza legal da mulher atormentada por um fluxo de sangue (Mt 9, 20-22); permite que uma pecadora se aproxime d’Ele na casa do fariseu Simão (Lc 7, 3 e ss.); perdoa a mulher adúltera (Jo 8, 11); e rejeita o repúdio à mulher, restaurando a indissolubilidade do matrimônio (Mt 19, 3-9). Mais ainda, fez-se acompanhar no seu ministério itinerante não somente dos doze Apóstolos, mas também de um grupo de mulheres. E contrariando a mentalidade judaica e o direito hebraico, que não reconhecia grande valor ao testemunho das mulheres, faz delas as primeiras testemunhas de sua Ressurreição e lhes confia o encargo de levar a primeira mensagem pascal aos Apóstolos.
As chaves do Reino dos Céus confiadas aos Apóstolos
Portanto, como afirma a Congregação, existe “um conjunto de indícios convergentes que acentuam o fato notável de que Jesus não confiou a mulheres o encargo dado aos Doze”. Acima de tudo, é expressivo que nem sua própria Mãe foi investida do ministério apostólico, embora tão intimamente associada ao apostolado de seu Filho e ter desempenhado um papel ímpar em Sua vida e na da primeira comunidade cristã.
Sobre isto escreveu o Papa Inocêncio III no início do século XIII: “Conquanto a Bem-aventurada Virgem Maria superasse em dignidade e excelência todos os Apóstolos, não foi a Ela, contudo, e sim a estes, que o Senhor confiou as chaves do Reino dos Céus” (Carta de 11 de dezembro de 1210 aos Bispos de Palência e Burgos).
A comunidade apostólica se manteve fiel ao exemplo de Nosso Senhor. Embora Nossa Senhora estivesse depois da Ascensão no Cenáculo, ao se tratar de eleger um substituto para o traidor Judas, seu nome nem foi apresentado, mas sim os de dois discípulos aos quais os Evangelhos não fazem menção. Igualmente, ao expandir-se o cristianismo fora dos limites do mundo judaico, penetrando na área helenística (onde eram confiados a sacerdotisas vários cultos idolátricos), nem sequer foi aventada a possibilidade de conferir a Ordenação a mulheres, mesmo que algumas delas colaborassem tão estreitamente com São Paulo, a ponto de serem mencionadas em suas Epístolas e nos Atos dos Apóstolos. Aliás, São Paulo se referiu aos homens e mulheres que o ajudaram com a expressão “meus colaboradores”, mas reservou a designação de “colaboradores de Deus” para si mesmo, para Timóteo e para Apolo, por estarem consagrados diretamente ao ministério apostólico.
O sacerdote deve representar Nosso Senhor Jesus Cristo
Eis por que a Igreja nunca admitiu que as mulheres pudessem receber validamente a Ordenação ministerial. “Algumas seitas heréticas dos primeiros séculos, sobretudo as gnósticas, pretenderam fazer exercer o ministério sacerdotal por mulheres: tal inovação foi imediatamente observada e censurada pelos Padres, que a consideraram inaceitável na Igreja”. É o que afirma a declaração do Cardeal Seper, citando Santo Irineu, Firmiliano de Cesareia, Orígenes e Santo Epifânio, a Didascalia Apostolorum e São João Crisóstomo. O principal argumento das condenações de tal novidade é precisamente o da obrigação de fidelidade ao tipo de ministério ordenado por Nosso Senhor e escrupulosamente mantido pelos Apóstolos.
Continua o documento do Vaticano: “A tradição da Igreja nesta matéria, ao longo dos séculos, foi de tal maneira firme, que o Magistério não se sentiu na necessidade de intervir para formular um princípio que não constituía objeto de controvérsias, ou para defender uma lei que não era contestada”.
Soma-se a todo o anterior uma profundíssima razão teológica ligada à própria natureza do sacramento da Ordem. No exercício da sua função, o ministro sagrado não age em seu nome próprio. Ele representa Cristo, o qual age por meio dele, como afirma a S. Congregação para a Doutrina da Fé: “‘O sacerdote faz realmente as vezes de Cristo’, escrevia, já no século III, São Cipriano. Tal valor de representação atinge sua expressão mais alta na celebração da Santa Missa, durante a qual se renova de maneira incruenta o sacrifício de Cristo no Calvário: ‘O sacerdote, que é o único que tem o poder de realizá-lo, age então não somente em virtude da eficácia que Cristo lhe confere, mas in persona Christi, fazendo o papel de Cristo, até ao ponto de ser a sua própria imagem, quando pronuncia as palavras da consagração’”.
Impossibilidade da ordenação sacerdotal de mulheres
Portanto, o sacerdócio cristão é de natureza sacramental: “O sacerdote é um sinal cuja eficácia sobrenatural lhe advém da Ordenação recebida; mas um sinal que deve ser perceptível, e que os fiéis devem poder reconhecer sem dificuldade”. Ora, como diz Santo Tomás de Aquino, “os sinais sacramentais representam aquilo que eles significam por uma semelhança natural” (In IV Sent., dist. 25, q. 2, art. 2, quaestiuncula 1ª ad 4um).
Mas é patente que “tal ‘semelhança natural’, que deve existir entre Cristo e o seu ministro, não existiria se a função de Cristo não fosse desempenhada por um homem: caso contrário, dificilmente se veria no mesmo ministro a imagem de Cristo. Com efeito, o próprio Cristo foi e continua a ser um homem” — frisa a declaração Inter Insigniores.
Com efeito, a Encarnação do Verbo se realizou segundo o sexo masculino, fato que não pode ser dissociado da economia da salvação, porque “a Aliança acha-se descrita, já desde o Antigo Testamento e no modo de expressar-se dos Profetas, sob a forma preferida de um mistério nupcial: o povo escolhido torna-se para Deus uma esposa ardentemente amada. […] O Verbo, Filho de Deus, assumiu a carne para inaugurar e selar a nova e eterna Aliança com o seu sangue, que será derramado por muitos para a remissão dos pecados: a sua morte congregará os filhos de Deus que andavam dispersos; do seu lado traspassado nascerá a Igreja, assim como Eva nasceu do lado de Adão. É então que se realiza plena e definitivamente o mistério nupcial anunciado e cantado no Antigo Testamento: Cristo é o Esposo; a Igreja é a sua esposa, que Ele ama por isso mesmo que a remiu com o seu sangue e a tornou resplandecente de glória, santa e sem mancha, e doravante Ele é inseparável dela”.
Isso obriga a admitir que “naquelas ações que exigem o caráter da Ordenação, e em que é representado o próprio Cristo, autor da Aliança, Esposo e Chefe da Igreja exercendo o seu ministério da Salvação — como sucede no mais alto grau no caso da Eucaristia —, seu papel há de ser desempenhado (é este o significado primigênio da palavra ‘persona’) por um homem”.
Confirmando todo o anterior, o Papa João Paulo II declarou solenemente em sua Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 22 de maio de 1994: “Para que não haja mais dúvidas sobre esta questão de grande importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, declaramos, em virtude do nosso ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser mantida definitivamente” (nº 4).
Impossibilidade contida na Revelação e confirmada pelo Magistério
Em resposta a declarações de Dom Erwin Kräutler, bispo emérito da Prelazia de Xingu, no sentido de que a impossibilidade da ordenação de mulheres “não é um dogma”, o antigo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard Müller, retrucou:
“É fora de dúvida que a decisão definitiva de João Paulo II é realmente um dogma da Fé da Igreja Católica, e que esse era obviamente o caso já antes que dito Papa, no ano de 1994, definisse essa verdade como estando contida na Revelação. A impossibilidade de uma mulher receber validamente o Sacramento da Ordem Sagrada em cada um dos três graus [diaconato, sacerdócio e episcopado] é uma verdade contida na Revelação e, portanto, é infalivelmente confirmada pelo Magistério da Igreja e apresentada por Ela como devendo ser crida pelos fiéis”.
Em uma declaração posterior, o purpurado reiterou que a exclusão da ordenação de mulheres inclui o diaconato, uma vez que o Papa e os bispos não têm autoridade sobre a substância dos sacramentos. Ora, o Concílio de Trento declarou solenemente que “bispo, sacerdote e diácono são apenas graus do único sacramento da ordem sagrada” (Decreto sobre o Sacramento da Ordem Sagrada: DH 1766; 1773).
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Nossa Senhora é o modelo sublime da vocação da mulher na Igreja. Não recebeu qualquer missão oficial nela, mas, devido à sua íntima união de Mãe, é o liame que une a Cabeça ao Corpo Místico, é a Medianeira de todas as graças. Peçamos a Ela que obtenha para todas as religiosas, catequistas, coadjuvantes em qualquer área ou simples mães de família, uma grande participação na sua própria fecundidade espiritual. E proteja a Santa Igreja da atual arremetida herética e gnóstica contra a sua estrutura hierárquica instituída pelo seu Divino Filho.