Ao ler uma notícia no jornal O Estado de São Paulo (28/11/11), lembrei –me daquela cena de laboratório, um tanto mitificada, onde um ratinho corre dentro de uma roda buscando em vão atingir um pedaço de queijo amarrado na sua frente. O animal corre, corre e corre mas não sai do lugar. O movimento da roda, impulsionada pelo desejo do ratinho de atingir seu lanche, é observada atentamente por um cientista vestido com um jaleco branco, usando óculos “fundo de garrafa” e anotando tudo, em linguagem que mistura números e letras, num grosso bloco de papel.
A matéria que me fez lembrar disso intitula-se “Play no dia a dia” e mostra como certos jogos eletrônicos visam alterar o comportamento social. Mas antes de entrar nela, registro outra lembrança para ajudar o leitor a compreender o assunto.
Em 1913, o psicólogo do behaviorismo (do inglês “behavior”, comportamento) John Watson defendia que assim como podíamos estimular animais a fazer determinadas coisas e depois observar sua reação ao estímulo, também era possível aplicar o mesmo método com os seres humanos.
O primeiro psicólogo que utilizou a cibernética para fazer testes em animais foi Frederic Skinner, que condicionava o animal a respostas voluntárias, oferecendo uma recompensa toda vez que uma operação desejada por Skinner era feita pela cobaia.
Com as máquinas que Skinner desenvolvia, chamadas de “Skinner-box”, os animais eram condicionados a fazer tarefas simples e complexas. “Suponhamos que se treine um pombo a acionar um pedal para obter um pouco de grão. Quando uma luz verde estiver acesa, o ato de acionar o pedal será recompensado. Mas quando se acender uma luz vermelha essa resposta de nada servirá, pois o pombo não terá acesso ao alimento. Nestas circunstâncias, a luz verde torna-se um estímulo discriminativo positivo e a luz vermelha um estímulo discriminativo negativo. O pombo vai acionar o pedal na presença do primeiro, mas não na presença do segundo.” (GLEITMAN, Henry (1999). Psicologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 153-155.)
Depois de trabalhar com animais, Skinner formulou então princípios sobre aprendizagem programada que se aplicariam, segundo ele, a todos os organismos.
Bom, agora posso entrar na matéria mencionada no início deste artigo, escrita por Diana Assennato, publicada em duas páginas no caderno Link do referido jornal.
“Gamificação” e transformação social
O artigo mostra que, atualmente, um jovem chega aos 21 anos “tendo vivido 10.800 horas de educação e 10 mil horas de games”. E que essa predisposição psicológica para se envolver em jogos levou empresas, instituições de ensino e governos a abrirem seus olhos para métodos de educação através de jogos.
Só neste ano, já foram investidos mais de US$ 100 milhões na área e até 2016 os investimentos podem atingir US$ 2,8 bilhões. Esses valores nos são informados pelos mesmos jornais que não nos deixam esquecer que o mundo passa por uma crise financeira sem precedentes na História.
O sucesso desses jogos “educativos” é atribuído a quatro “condutores de comportamento”: desafio, resposta instantânea, objetividade e recompensa. Muitos desses games interagem com a vida social do usuário e o estimulam a fazer certos atos para ganhar pontos. Na Filadélfia (EUA), por exemplo, um projeto de educação ambiental troca material reciclado por descontos em compras. Caminhões de coleta possuem sensores que identificam no lixo o código da residência inscrita no programa. Bonito, não? Mas será que essa interação de jogos e vida social irá ficar só nisso? Haverá algo mais profundo por detrás dessa simples troca de lixo por desconto?
Para o autor do livro Fun Inc, Tom Chatfield, entrevistado pelo jornal, “os maiores jogos do mundo produzem mais de um bilhão de dados por dia. Isso faz dos games um grande laboratório sociológico para observar os padrões de comportamento de formas totalmente novas, como motivação, trabalho em equipe e padrões de consumo. Podemos testar coisas antes impossíveis pelo simples fato de poder investigar a natureza humana de uma forma tão próxima” (os negritos são meus).
Ou seja, enquanto o jogador se diverte correndo dentro da roda atrás de um pequeno pedaço de queijo, óculos “fundo de garrafa” o observam para “investigar a natureza humana”.
Ao ser questionado como os jogos poderiam mudar os hábitos das pessoas “em termos de saúde e participação social e política”, Chatfield responde que os “games ajudam a dirigir a ação e estimulam ao gerar recompensas. Isso dá um sentido de pertencer a um grupo engajado. (…) E só quando elas se sentem envolvidas que esses valores começam a se transformar em coisas naturais, que levam a agir sem questionar a razão de estarem fazendo aquilo”.
Sem perceber, ou mesmo inadvertidamente, quando jogadores se inscrevem em games ou aplicativos, ditos gratuitos, acabam por desempenhar o mesmo papel de ratos de laboratórios nos “Skinner-box” da internet… gratuitamente! Não. Minto. Sempre há um pedaço de queijo.