No século XIX Buganda era um reino independente ao norte do Lago Vitória, no centro da África. Ele se tornaria depois uma das quatro províncias que compreenderia o protetorado inglês de Uganda. Monarquia hereditária de tipo africano, seu soberano tinha direito de vida e morte sobre seus súditos. Com um governo muito bem administrado, o que era raro naquele continente, Buganda surpreendia mesmo os europeus.
Cerca de três mil pessoas viviam no conjunto do palácio real, incluindo 400 pajens encarregados dos ofícios mais diversos ligados ao monarca. Estes eram escolhidos pelos chefes locais entre os mais inteligentes e bem apessoados meninos de 12 anos das diversas vilas do reino. Quando atingiam os 20 anos, passavam para a guarda pessoal do rei. A elite de Buganda tinha assim, à testa, esses jovens formados no palácio real.
Os primeiros missionários católicos, os “Missionários da África” ou “Padres Brancos” franceses, chegaram ao reino em 1878, sendo cortesmente recebidos pelo rei Mutesa I, que assim também recebeu protestantes e muçulmanos. Depois de certo tempo, entretanto, não sabemos por que motivo, os missionários católicos foram expulsos do reino.
Quando este rei faleceu em 1884, subiu ao trono seu filho Muanga II, de 18 anos, que não só não tinha o senso político do pai, mas era dado às práticas homossexuais, utilizando para suas torpes ações os pajens da corte.
Apesar disso, Muanga pediu que os missionários, a quem tinha admirado em sua infância, voltassem ao reino. Estes chegaram somente dois anos depois, tendo a alegria de encontrar um núcleo de duzentos conversos, entre rapazes e moças do palácio real, conhecidos como os “os rezadores”.
José Mukasa, de 26 anos, um deles, era um dos braços direitos de Muanga. De temperamento tranquilo, merecera do rei Mutesa o apelido de Balikuddembe, ou “homem de paz”. Estava à testa dos pajens do rei e, depois que se converteu, os defendia contra a tara do monarca, a quem invectivava por suas ações antinaturais, mostrando-lhe como as Sagradas Escrituras condenam esse vício infame.
Por isso o rei, irritado diante dessas repreensões tão justas, mandou executar José no dia 15 de novembro de 1885. No momento da execução, o confessor da fé pediu que informassem ao rei que “eu o perdoo por matar-me; mas ele precisa mudar de vida. Do contrário, eu o acusarei diante do tribunal de Deus”.
Em maio do ano seguinte, Muanga tentou seduzir um dos pajens, Muafa, que se recusou ao gravíssimo pecado da prática homossexual, dizendo que seu corpo era templo do Espírito Santo. Muanga soube que o rapaz estava sendo catequizado por outro pajem, Denis Sebuggwawo, de 17 anos, recém batizado. Mandou então que este viesse à sua presença, e o interrogou sobre o que estava ensinando ao prosélito. Denis respondeu corajosamente que lhe ensinava a única e verdadeira religião. Enfurecido, Muanga matou-o com uma lançada no pescoço. Denis foi, assim, o segundo mártir de Buganda.
Durante a noite que se seguiu a esse martírio, Carlos Luanga, que tinha ficado encarregado dos pajens cristãos desde a morte de José, viu que as coisas tomavam um rumo muito sério, e resolveu batizar quatro pajens ainda catecúmenos– inclusive Kizito, menino de apenas 13 anos – e recomendar-lhes perseverança na fé.
Muanga, querendo exterminar de vez uma religião que lhe era muito molesta, chamou os 100 carrascos reais, e convocou todos os pajens para comparecer à sua presença, dizendo-lhes: “Os que rezam, vão para aquele lado. Os que não rezam, fiquem aqui junto a mim”.
Carlos Luanga levantou-se, tomou Kizito pela mão, e foi se colocar no local indicado para “os rezadores”. Seguiram-no mais doze jovens, todos com menos de 25 anos de idade.
Muanga lhes perguntou se pretendiam permanecer cristãos. Como todos responderam corajosamente que sim, foram condenados à morte.
A execução seria em Namungongo, a 60 km de distância. Durante o caminho, em cada encruzilhada era imolado um cristão aos deuses locais. Ocorreu então que os condenados passaram perto da casa dos “Padres Brancos”. O Pe. Lourdel, que tinha batizado vários deles, ficou pasmo diante da tranquilidade e alegria com que os confessores da fé se dirigiam ao local do suplício, inclusive o menino Kizito. Quando o sacerdote ergueu a mão para dar-lhes a absolvição, Tiago Buzabaliawo ergueu as suas manietadas apontando para o céu, como que a dizer que lá esperaria o sacerdote.
Sem prantos nem gritos, mas rezando em voz alta, os mártires entregaram às chamas seus corpos, e sua alma a Deus, dizendo aos seus carrascos: “Vocês podem matar nossos corpos, mas não nossa alma, que a Deus pertence”.
Entretanto, para Carlos Luanga fora preparada uma morte ainda mais terrível: ser assado vivo a fogo lento! Um dos pajens católicos, dos três que por motivos ignorados foram poupados, declarou que um dos carrascos separou Carlos Luanga dos outros, dizendo: “Ele será minha vítima”.
Carlos foi deitado numa pira em que o fogo foi mantido bem baixo para o ir queimando lentamente. O fogo porém consumiu-lhe só as pernas, sem tocar no resto do corpo. E assim esse valoroso católico entregou sua alma ao seu Criador.
O último mártir foi um pajem de nome João Maria, decapitado no dia 27 de janeiro de 1887, perfazendo o total de 22 mártires.
Este acontecimento teve grande repercussão no mundo inteiro. São Pio X introduziu a causa de beatificação dos servos de Deus Carlos Lwanga, Matias Kalemba e companheiros; Bento XV os beatificou a 6 de junho de 1920, e Paulo VI os canonizou em 18 de outubro de 1964.
Esse triste episódio devia ser estudado nas escolas e até transformado em peça de teatro, como um modelo de coragem cristã no continente africano.