Passara-se apenas um século desde que os discípulos de São Gregório Magno haviam desembarcado na Inglaterra, e já a Ilha dos Piratas se havia convertido na Ilha dos Santos. Nela havia santos reis, virgens inflamadas no amor de Cristo, ascetas que deixavam atrás os solitários da Tebaida, sábios monges, e figuras magníficas de bispos. Havia, sobretudo, apóstolos. O fogo do apostolado consumia os novos convertidos, e os empurrava para longe de sua terra. São Bonifácio foi uma dessas almas de fogo cujo espírito apostólico o levou a deixar a Inglaterra para tornar-se o Apóstolo da Alemanha.

Winfrido, nome que recebeu no batismo, nasceu por volta do ano 680 em Kirton, no Devonshire, Inglaterra. Seus pais eram de origem saxônica, e tinham boa posição social. Não sabemos se tiveram outros filhos.

Quando Winfrido tinha apenas 5 anos, viu na casa paterna alguns religiosos que pregavam na região, e pediu ao pai licença segui-los ao seu mosteiro. Tomando a coisa como fantasia de criança, o pai não deu ouvidos à petição. Acontece que Winfrido levava a coisa a sério, e continuou a insistir com o pai. Finalmente este, atacado por repentina doença que o pôs às portas da morte, viu nisso a mão de Deus que o castigava por sua negativa ao filho. Mandou então Winfrido – que tinha agora 7 anos, o que aliás não era raro na época – como interno para o mosteiro beneditino de Adescancastre, hoje Exeter.

Lá Winfrido passou 13 anos, após o que foi transferido para o mosteiro de Nursling, na diocese de Winchester onde, levando vida austera e estudiosa sob a direção do abade Winbert, fez rapidamente progressos na santidade e no saber. Ele se sobressaía especialmente por um profundo conhecimento das Escrituras, como evidenciam suas cartas. O santo era também bem versado em história, gramática, retórica e poesia. Aos 30 anos foi ordenado sacerdote.

Winfrido tornou-se professor famoso e ótimo monge. Por isso seus irmãos de hábito o escolheram para seu abade. Entretanto, apesar da possibilidade de fazer uma grande carreira angariando as mais altas dignidades em seu próprio país, Winfrido não visava as glórias humanas, mas queria levar a luz da fé aos seus antepassados saxões da Alemanha. Depois de vários pedidos ao Superior, ele obteve finalmente a permissão de seguir esse chamado.

Havia na época duas Alemanhas: a Germânia “bárbara”, formada pela Frísia e pela Saxônia; e a Germânia “romana”, que englobava a Renânia, a Turíngia, a Baviera, a Vestefália, o Vurtemberg e o Hesse. A primeira tinha ficado pagã; a segunda, exceto em alguns locais, tinha-o voltado a ser por falta de missionários que mantivessem acesa a luz da fé.

Foi em 716 que Winfrido chegou a Utrech, na Frísia (agora província de Friesland, na Holanda). Essa região havia sido já evangelizada pelos santos ingleses Wigbert, Willibrord, e outros. Mas o duque Radbod, pagão convicto, estava perseguindo os cristãos, o que dificultava muito e tornava praticamente inúteis os trabalhos de Winfrido. Este voltou então para a Inglaterra.

Três anos depois, munido de cartas de recomendação do bispo de Winchester, o missionário partiu para Roma, onde foi benevolamente recebido pelo papa Gregório II.

No dia 15 de maio de 719 o Papa, depois de ter testado sua fé, virtude e pureza de intenção, o nomeou “missionário apostólico”, e deu-lhe uma carta na qual dizia: “Os piedosos desejos de teu zelo inflamado em Cristo, e as provas que me deste de tua fé, exigem que te chamemos a participar de nosso ministério para a dispensação da palavra divina. Sabendo que, desde a infância, estudaste as Sagradas Letras, te ordenamos que leves o reino de Deus a todas as nações infiéis que aches em teu caminho, e que, no espírito de virtude, de amor e de sobriedade, derrames nas almas incultas a pregação dos dois Testamentos”. O Pontífice deu-lhe também cartas de recomendação para os príncipes cristãos que encontrasse no caminho

De volta à Alemanha passando pela Baviera, Winfrido chegou até a Turíngia, onde trabalhou na reforma de alguns membros do clero que tinham caído em sério desregramento de costumes. Sabendo então que o Duque Radbod tinha morrido, resolveu voltar à Frigia, pondo-se às ordens de São Willibrord. Este, sentindo-se já muito idoso, quis fazer São Bonifácio seu coadjutor. Mas a isto ele se opôs alegando que tinha ido para trabalhar como missionário. Três anos depois ele percorreu de novo a Turíngia e o Hesse, que as armas de Carlos Martel lhe haviam aberto.

Em 723 Winfrido foi novamente a Roma apresentar ao Papa o fruto de seus labores, e consulta-lo sobre dificuldades que haviam surgido em sua missão. Gregório II o consagrou então bispo de todas as terras setentrionais. Foi aí que, segundo a maioria dos historiadores, o Sumo Pontífice mudou seu nome para o de Bonifácio.

Voltando para seu campo de batalha, o santo resolveu dar um golpe de morte no paganismo derrubando um enorme carvalho, o “carvalho de Tor”, que se alçava no meio do campo de Geismar, e que era venerado como deus por todos os pagãos da região. Os idólatras ameaçavam massacrar o missionário se o fizesse. Ele, no entanto, não se atemorizou, e aos primeiros golpes do machado, caiu tão violento vendaval, que arrancou a árvore até as raízes. Muitos dos que presenciaram o fato, se converteram. São Bonifácio fez então construir no local uma capela com a madeira do ídolo abatido, que se tornou na primeira igreja na região.

No ano de 738 São Bonifácio fez sua terceira viagem a Roma para conferir com o papa seus trabalhos. Desta vez foi acompanhado por uma multidão de francos, bávaros e anglo-saxões que não quiseram dele separar-se. Gregório II havia falecido, e subira ao trono pontifício Gregório III, que o acolheu com bondade, dando-lhe amplos poderes e cartas para os príncipes e bispos em seu campo de apostolado. Deu-lhe também faculdade para reformar, organizar e reconstituir a hierarquia nas terras sujeitas aos francos.

São Bonifácio começou então essa nova obra com a mesma atividade que quando tinha 30 anos. Passou da Franconia à Baviera, da Austrásia à Neustria, reuniu concílios em Septines, em Soissons, em Salzburgo. Criou novas províncias eclesiásticas; depôs bispos amasiados, degradou sacerdotes intrusos, proibiu aos clérigos o traje laico, a companhia de mulheres, o uso de armas, das matilhas e dos falcões.

Em 747 o papa Zacarias, que havia sucedido a Gregório III, o nomeou arcebispo de Mains, primaz de toda a Alemanha, e seu legado na Germânia e nas Gálias. Nessa qualidade em 752 ele sagrou rei dos Francos a Pepino o Breve, o que deu origem à dinastia dos Carolíngios, que tomou esse nome do filho deste rei, o grande Carlos Magno.

Finalmente, no ano de 754, São Bonifácio deveria crismar um grande número de conversos perto da cidade de Dockum, nas margens do rio Burda. Haviam construído um pavilhão na campina, onde estava o altar com todo o necessário para aquele Sacramento e a celebração do Santo Sacrifício. Entretanto, além dos catecúmenos, começaram a aparecer guerreiros pagãos armados de lanças e escudos.

Em determinado momento estes se precipitaram sobre os cristãos, que estavam desarmados, matando a muitos sem piedade. São Bonifácio, que foi um deles, tinha na mão um livro dos Evangelhos quando foi martirizado. Embora os infiéis tenham furado o livro com uma lança, não danificaram uma só letra, o que foi considerado milagroso.

São Bonifácio é um apóstolo completo: não lhe faltou nem o heroísmo do mártir, nem a intrepidez do missionário, nem a grandeza do bispo, nem a força dos milagres e da palavra, nem a bela auréola da graça e da bondade, que soube adaptar-se à sua época para dominá-la e torná-la cristã. O bem-aventurado Pio IX estendeu o seu ofício litúrgico para toda a Igreja.

O Martirológio Romano Monástico diz dele neste dia: “Monge beneditino inglês enviado em missão à Germânia, lá organizou a Igreja criando novos bispados e fundando mosteiros. Nomeado arcebispo de Mogúncia (Mains) pela Sé Romana, foi martirizado em pleno trabalho evangelizador na Frísia. Seu corpo foi enterrado na abadia de Fulda, que ele fundara em 744, e onde se tornou objeto de veneração de toda a Alemanha católica”.

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