Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo
A instituição da Eucaristia, já celebrada na Quinta-feira Santa, é hoje festejada com a honra que merece tão grande mistério. Essa comemoração remonta ao século XIII. Com efeito, instituiu-a em 1246 o bispo de Liège, a pedido instante de Santa Joana, priora do convento sito às portas da cidade, no Monte Cornillon. Preparada pela florescente piedade eucarística do século XI, foi posteriormente introduzida na Igreja universal pelo papa Urbano IV, em 11 de agosto de 1264.
São Barnabé, Mártir
Nos primeiros dias da Igreja o fervor dos cristãos era tão grande, que renunciavam a seus bens, colocando-os à disposição dos Apóstolos, para que os utilizassem em proveito de toda a comunidade: “Repartia-se então a cada um deles conforme a sua necessidade” (Atos 4, 35).
Entre esses generosos cristãos, um se destacava, pelo que é nomeado especificamente por São Lucas: “Assim José (a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer Filho da Consolação), levita natural de Chipre, possuía um campo. Vendeu-o e trouxe o valor dele e depositou aos pés dos apóstolos” (At 4, 36-37).
Segundo uma tradição oriental José ou Barnabé, filho de judeus cipriotas, era levita e, tendo se radicado em Jerusalém, ouviu Nosso Senhor pregar no Templo, ficando seduzido por sua doutrina. Teria também presenciado o milagre da piscina probática, que o confirmou na fé. Segundo São Clemente de Alexandria e Eusébio, ele era um dos Setenta Discípulos.
Esse que, por seu zelo, provavelmente pelo seu sucesso como pregador (At 13, 1) bem como por seus conselhos, mereceu ser chamado “Apóstolo” apesar de não ser dos Doze, era grave, afável, de porte tranquilo, juízo sereno e são, com amplidão de vistas e chama profética, e sobretudo, como diz São Lucas,“era homem bom e cheio do Espírito Santo” (At 11, 24). Por isso era tido em muita consideração nos tempos apostólicos.
Seu porte devia ser imponente, pois mais tarde os pagãos o tomariam por Zeus, o pai dos deuses entre os gregos (At 14, 12).
Quando São Paulo, depois de convertido, procurou os Apóstolos em Jerusalém, estes evitaram sua presença, pois ninguém podia crer que esse furioso perseguidor dos cristãos, fosse agora um deles.
Acontece que Barnabé, segundo a tradição, conhecera Saulo na escola de Gamaliel. Encontrando-o então, o futuro Apóstolo dos Gentios deve ter contado a ele todos os pormenores de sua conversão. Convencido da sinceridade de seu ex-condiscípulo, Barnabé serviu-lhe de “anjo da guarda” junto aos Apóstolos, que assim o receberam em seu meio.
Ocorreu então que os fiéis disseminados pela perseguição que se seguiu ao martírio de Santo Estevão, iam espalhando por toda parte a semente da palavra divina. Desse modo alguns deles, “de Chipre e de Cirene”, foram para Antioquia, onde pregaram a boa nova da salvação: “A mão do Senhor estava com eles, e grande foi o número dos que receberam a fé e se converteram ao Senhor” (At 11, 21). Notícias desse sucesso chegaram aos ouvidos dos Apóstolos, que enviaram para lá Barnabé, para verificar o espírito que presidia a essa nova cristandade.
Lá chegando ele “alegrou-se, vendo a graça de Deus, e a todos exortava a perseverar no Senhor com firmeza de coração, pois era um homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé” (At 11, 23).
Modesto, esse apóstolo não se julgou apto para orientar os novos cristãos sozinho. Lembrando-se de como ficara impressionado com o fogo que animava seu antigo condiscípulo, foi buscá-lo na distante Tarso, e convenceu-o a ser seu companheiro de apostolado. Concordando Saulo, os dois permaneceram em Antioquia um ano inteiro.
É de se ressaltar que foi nessa cidade que pela primeira vez os discípulos do Nazareno começaram a ser conhecidos por “cristãos”. Essa foi também a primeira igreja a desligar-se do solo materno do Judaísmo.
Quando houve grande fome na Judeia, os discípulos antioquenhos resolveram enviar socorro aos irmãos da Palestina, dando cada um segundo suas posses, “e o fizeram enviando-o aos anciãos por meio de Barnabé e de Saulo” (At 11, 29-30).
O progresso dessa cristandade com os dois apóstolos mostrava que o tempo estava maduro para empresas mais ousadas, conforme parecia orientar o Espírito Santo. Assim, um dia,“enquanto celebravam a liturgia em honra do Senhor e guardavam os jejuns, disse o Espírito Santo: ‘Segregai-me Barnabé e Saulo para a obra que chamo’”. Essa obra era a primeiraviagem apostólica (At 13,2).
Os dois Apóstolos tomaram consigo João Marcos – que era primo de Barnabé, e também natural da ilha de Chipre, e provavelmente um dos 72 Discípulos, pertencente à colônia cipriota de Jerusalém –, e partiram para a grande aventura apostólica descrita nos Atos dos Apóstolos. Entretanto, quando os missionários chegaram a Perge de Panfília, João Marcos, aparentemente sem motivo, separou-se deles e retornou a Jerusalém. O que desagradou muito a São Paulo.
Nessa primeira viagem apostólica os dois apóstolos pregaram em Antioquia de Pisidia, Icone, Lystra, Derge e outras cidades. Em cada lugar encontravam oposição e mesmo violenta perseguição dos judeus, que ademais incitavam os pagãos contra eles. Apesar disso, Paulo e Barnabé fizeram muitas conversões nessa viagem, e retornaram pelo mesmo caminho a Perge, organizando igrejas, ordenando presbíteros, e colocando-os para dirigir os novos fiéis.
Depois de terem assim “aberto aos pagãos a porta da fé” (At. 14,27), os dois apóstolos retornaram a Antioquia da Síria, depois de quatro anos de ausência (At 14, 23-26).
Aconteceu então que “alguns que haviam descido da Judeia ensinavam aos irmãos: ‘Se não vos circuncidardes conforme a Lei de Moisés, não podeis ser salvos’”. Como isso provocou muita seleuma entre os pagãos convertidos, São Paulo e São Barnabé se levantaram contra esses judaizantes. Para solucionar o impasse, os dois foram enviados a Jerusalém para consultar os Apóstolos sobre o caso.
Na Cidade Santa os Apóstolos convocaram um concílio para examinar o assunto, no qual foi resolvido que “não se molestem aqueles dos gentios que se converteram a Deus” induzindo-os às práticas judaicas. Apenas com algumas reservas secundárias foi assim resolvido o caso, sendo enviado por eles com Paulo e Barnabé “Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens influentes entre os irmãos”, para transmitirem em Antioquia o decidido pelo concílio (At 15).
São Paulo e São Barnabé permaneceram em Antioquia“com muitos outros”, pregando o Evangelho, até o dia em que o primeiro propôs ao segundo que voltassem a visitar as cristandades por eles fundadas (At 15,36).
Surgiu aí uma divergência entre os dois santos: São Barnabé queria levar de novo João Marcos. São Paulo opôs-se a isso, pois o rapaz os havia abandonado sem explicações na Panfília. “Produziu-se certo dissentimento de sorte que eles se separaram um do outro” diz São Lucas(At 15,19). Pelo que acrescenta São Jerônimo: “Paulo, mais severo, Barnabé, mais clemente. Cada um insiste no seu parecer. Seja como for, a discussão tem algo da humana fragilidade”.
São Barnabé partiu só com João Marcos para Selêucia, e São Paulo, levando consigo Silas (também chamado Silvano), da igreja de Jerusalém (cf. 1Ped 5, 12), percorreu a Síria e a Cilícia nessa segunda viagem apostólica (At 15, 41).
Esse incidente foi rapidamente esquecido tanto por São Paulo quanto por São Marcos. De tal modo que, mais adiante, os dois estão novamente juntos, pois o Apóstolo escreveu a Timóteo: “Traze-me Marcos contigo, pois ele me é muito útil para o ministério” (2 Tim, 2,11).
A partir desse momento São Barnabé desaparece dos Livros Santos, dando lugar a São Paulo, e por isso pouco se sabe de sua subsequente carreira. Segundo diz o Apóstolos dos Gentios em sua primeira epístola aos coríntios (9, 5-6), São Barnabé estava ainda entregue ao apostolado pelo ano 56 ou 57, ganhando também a vida, como ele, com o trabalho das próprias mãos. Essa referência indica também que a amizade entre os dois não sofrera dano.
Mais tarde, quando São Paulo estava prisioneiro em Roma ele pediu, como vimos, que São João Marcos fosse ter com ele, o que parece uma indicação de que São Barnabé já tinha falecido.
Segundo tradição antiga, São Barnabé morreu em Chipre, sua terra natal, e foi em Salamina, sua capital que, em 488, encontraram seu corpo. Sua festa comemora-se neste dia.
Com exceção de São Paulo e certamente dos Doze, Barnabé parece ter sido o homem mais estimado da primeira geração cristã. São Lucas, rompendo seu hábito de reserva, fala dele com afeição.
Em fins do século I, um cristão de Alexandria publicou um comentário de textos bíblicos, que a tradição conhece como “Epístola de São Barnabé”. Mas que não foi adotado pela Igreja.
A glória de São Barnabé está em ter descoberto o mérito extraordinário de São Paulo, e tê-lo apresentado à Igreja Mãe de Jerusalém. Só por isso merece a veneração e o reconhecimento de todos os cristãos.
O Martirológio Romano traz no dia de hoje a seguinte entrada: “Em Salamina, em Chipre, o natalício de São Barnabé, apóstolo, natural de Chipre, ordenado pelos Discípulos como apóstolo dos gentios juntamente com Paulo, em cuja companhia percorreu muitas regiões, a exercer o ofício da pregação apostólica, que lhe fora imposto. Afinal, partiu para Chipre, onde coroou seu apostolado com um glorioso martírio. Por revelação dele próprio, seu corpo foi descoberto no tempo do imperador Zeno; com ele se achava um exemplar do Evangelho de São Mateus, copiado por Barnabé”.