Festa do Sagrado Coração de Jesus
O calvinismo no século XVI, e o jansenismo no XVII, pregaram um cristianismo desfigurado. Em vez do amor universal de Deus, que entrega o seu Filho para salvação dos homens, semearam o temor e a angústia, resultantes do pensamento duma exclusão inexorável, a aplicar a uma grande parte da humanidade. A Igreja contrapôs sempre a estas afirmações o amor infinito do Salvador que morre na cruz pelos homens. A instituição da festa do Sagrado Coração de Jesus contribuiu para criar rapidamente entre os fiéis, uma poderosa corrente de devoção que, desde então, grandemente se tem desenvolvido. Foi São João Eudes o primeiro a compor um ofício e missa em honra do Sagrado Coração de Jesus. Mas só depois da aparição de Nosso Senhor a Santa Margarida Maria, em 1675, é que foi instituída sua festa. Pio IX estendeu-a em 1856 à Igreja Universal, e Pio XI, em 1928, elevou-a à categoria de festa de 1ª. classe com oitava própria”. (D. Gaspar Lefebvre, Missal Romano Quotidiano, Bruges, Bélgica, 1963).
Aparecendo a Santa Margarida no dia 27 de dezembro de 1673, disse-lhe Nosso Senhor: “O meu divino Coração está tão abrasado de amor para com os homens, e em particular para contigo que, não podendo já conter em si as chamas de sua ardente caridade, precisa derramá-las por teu meio, e manifestar-se-lhes para os enriquecer de seus preciosos tesouros, que eu te mostro, os quais contêm a graça santificante e as graças salutares indispensáveis para os apartar do abismo da perdição; e escolhi-te a ti, como abismo de indignidade e ignorância, para a realização deste grande desígnio, para que tudo seja feito por mim”.
Foi na aparição de junho de 1675, que Nosso Senhor comunicou a Santa Margarida Maria a que é chamada “A grande Promessa”, tão terna e esperançosa: “Eis o Coração que tanto amou os homens, que a nada se poupou até se esgotar e consumir para lhes testemunhar o seu amor. E em reconhecimento não recebo da maior parte deles senão ingratidões pelos desprezos, irreverências, sacrilégios, e friezas que têm para comigo neste Sacramento de amor. Mas o que é ainda mais doloroso, é que os que assim me tratam são corações que Me são consagrados. Por isso te peço que a primeira Sexta-feira depois da oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para honrar o meu Coração, reparando a sua honra por meio dum acto público de desagravo, e comungando nesse dia para reparar as injúrias que recebeu durante o tempo que esteve exposto nos altares. E Eu te prometo que o meu Coração se dilatará para derramar com abundância o influxo do seu divino amor sobre aqueles que Lhe renderem esta homenagem”.
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São Romualdo Abade, Confessor
O Papa Clemente VIII, na bula de 9 de julho de 1595 fixando a festa de São Romualdo, afirma: “Parece-nos que o glorioso anacoreta Romualdo, por tantos títulos ilustre, deve ser tido entre os mais avantajados santos: por sua pátria, por sua linhagem, por sua virtude, pela contemplação tão alta que teve das coisas divinas, e por haver fundado a Ordem dos Camaldulenses. (…) Pôde tanto a força de seu exemplo, que a muitos príncipes, reis e a pessoas insignes fez deixar as cortes e as galas por penitências e ásperos vestidos” na Ordem que fundara.
Descendente da família ducal dos Honesti, Romualdo nasceu em Ravena, na Itália, provavelmente pelo ano 950. Como seus pais eram mais amigos do mundo que de Deus, sua infância e juventude foram sem preocupação religiosa, com as distrações de um rapaz nobre de seu tempo, vivendo em meio a festas e torneios. Entretanto, quando se dedicava à caça – o esporte predileto da nobreza – a contemplação da imensidão dos campos e do firmamento despertavam nele um profundo desejo das coisas eternas e da solidão, e de só pensar em Deus.
Um trágico episódio veio de encontro a esse anseio. Seu pai, o duque Sérgio, por questões de terras, havia desafiado um parente ao duelo. E obrigou o filho, sob pena de deserdá-lo, a assisti-lo como testemunha. Romualdo, então com vinte anos, encheu-se de horror quando viu o pai matar seu adversário. Julgando-se também culpado pelo crime, quis expiá-lo por meio de rigorosa penitência, durante quarenta dias no mosteiro do mártir Santo Apolinário, perto de Ravena. Quando se findava esse período, ele teve duas visões do mártir, que o levaram à resolução de ingressar em seu mosteiro.
De Santo Apolinário, diz o Martirológio Romano em 23 de julho: “Em Ravena, o natalício [para o céu] de Santo Apolinário, bispo, que o apóstolo Pedro sagrou em Roma, e enviou para Ravena. Ali sofreu várias e múltiplas provações pela fé de Cristo. Mais tarde pregou o Evangelho na Emília, e demoveu muitos do culto dos ídolos. De volta a Ravena, consumou gloriosamente o martírio sob o imperador Vespasiano”.
Em seu desejo insaciável de perfeição, Romualdo começou uma vida de penitência tão austera, que monges mais antigos não podiam sofrer seu exemplo. Pelo que, depois de dois anos de estar nesse convento, o Santo o abandonou, indo viver com um eremita de nome Marino. Com ele podia partilhar uma existência de espantosa austeridade.
Dois anos depois, os dois solitários acompanharam até a França o ex-doge de Veneza, Pedro Urseolo – também canonizado – que, despojando-se de sua dignidade ducal, entrava como simples religioso no mosteiro de São Miguel de Cusan, na diocese de Perpignam. Os monges desse mosteiro tanto insistiram, que Romualdo ficou entre eles.
Nos quatro anos que lá passou, o abade Guarino ensinou-o a ler e escrever, deu-lhe a conhecer os escritos dos Santos Padres, e o pôs em contacto com a observância religiosa do mosteiro de Cluny, então uma das glórias da Idade Média em seu apogeu.
Deus inspirou a Romualdo o pensamento de reformar os mosteiros relaxados da Ordem de São Bento. Durante anos o fez em Veneza e na Toscana, na Itália, e muitos na França. Construiu também cem novos mosteiros dessa Ordem. Ao mesmo tempo, povoou muitos lugares solitários com eremitérios.
Por esse tempo o Duque Sérgio, pai do santo, arrependendo-se de sua vida tão mundana, e incentivado pelo exemplo do filho, quis também expiar suas faltas em um mosteiro no qual acabou, segundo consta, morrendo também em odor de santidade.
Quando Romualdo tinha já 80 anos, ocorreu que, na abadia de Classe, perto de Ravena, faleceu o abade. O Imperador Oto III, que devia indicar o sucessor, deixou a critério dos monges fazê-lo, e eles escolheram o Santo para substituí-lo. Oto ficou tão satisfeito com a escolha, que foi visitar Romualdo em sua ermida, apesar do lugar ermo em ele morava, para convencê-lo a aceitar o cargo. E ficou como que hipnotizado ao vê-lo.
Sucedeu então um fato que só era possível na Idade Média: O Imperador esteve tão cativado com a conversa com o contemplativo, que não se deu conta do tempo. Ficou então muito tarde para voltar à cidade. Romualdo singelamente lhe ofereceu sua pobre enxerga, que Oto aceitou com muita devoção, e foi dormir no chão.
Segundo alguns, Romualdo teria já por volta de 102 anos – o que os modernos historiadores contestam – quando um dia, querendo retirar-se em lugar mais solitário para melhor entreter-se com Deus, foi para junto dos Apeninos. Ali recostou-se perto de uma fonte, e adormeceu. Teve então um sonho misterioso, no qual via nesse local uma escada, como a de Jacó, na qual subiam monges de hábito branco indo para o céu. Obteve então do proprietário dessa terra, que era um conde chamado Maldulo, que lhe doasse aquele terreno para nele erguer ermidas. Como o local era conhecido por Campo de Maldulo, daí a Ordem ali fundada passou a chamar-se, por corruptela, “Camáldula”.
Muitos grandes personagens seculares, eclesiásticos e regulares, abraçaram esse instituto, e se tornaram filhos de São Romualdo. O Santo adotou a Regra de São Bento, mas juntou-lhe outras observâncias, e quis que seus discípulos fossem ao mesmo tempo eremitas e cenobitas, isto é, que vivessem isolados, mas com alguns atos em comunidade.
O Santo entregou sua alma a Deus no dia 19 de junho do ano de 1027. Imediatamente após sua morte começaram a ocorrer inúmeros milagres em seu túmulo, de maneira que, apenas cinco anos depois, seus monges obtiveram da Santa Sé permissão de erguer um altar sobre seus restos mortais, o que equivalia, na época, a uma canonização.
Quando Clemente VIII fixou sua festa em 1595, seu corpo estava ainda incorrupto. Entretanto, tendo sido roubado por mãos sacrílegas, reduziu-se a pó.