Entrevista do Prof. Plinio sobre PUC, USP, Largo de São Francisco

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Entrevista concedida à Profª Nádia Dumara Ruiz Silveira para tese de doutorado pela Universidade São Paulo (USP)

13 de junho de 1990, Sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, Rua Maranhão 341 – São Paulo (SP)

Esta entrevista foi feita pela pesquisadora como parte de sua tese de doutorado no programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da USP, obtido em 1996 com o título: Universidade, Igreja e Modernidade: Restauração e Inovação.

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         Plinio Corrêa de Oliveira (PCO) – A Sra. está preparando tese, é?

Profª Nádia Silveira (PNS): É, eu estou…

PCO – Tese de formatura, ou…

P.N.S. – É o desenvolvimento de um trabalho de doutorado.

PCO – Ah, de doutorado. Em que faculdade?

P.N.S. – Eu já tenho o meu mestrado, defendido pela PUC aqui de São Paulo, e agora eu estou desenvolvendo o doutorado pela USP. Eu estou matriculada no Pós da USP, para fazer o doutorado. Eu sou formada pela PUC, eu fiz Sedes Sapientiae.

PCO – Ah, do Sedes Sapientiae. Eu lecionei muitos anos lá na Sedes Sapientiae.

P.N.S. – É, eu sei um pouco da sua história.

PCO – Ah, ah, ah! Eu estou à sua disposição. A Sra. quer fazer perguntas? Eu mandei gravar, porque podia ser mais prático para a Sra.

P.N.S. – É, inclusive eu trouxe também o meu gravador. Eu posso utilizar?

PCO – Pois não.

P.N.S. – A gente sempre usa, porque essas conversas envolvem muitos dados, informações, e fica difícil para a gente anotar tudo na hora.

PCO – Pois não.

P.N.S. – Eu sei que algumas pessoas não gostam, a gente sempre consulta antes… Eu tenho um roteiro que é mais ou menos geral, a respeito das questões que me interessam.

PCO – Mas qual é o tema da…?

P.N.S. – O objetivo básico é analisar a própria criação da Universidade Católica aqui em São Paulo. O meu objetivo é fazer uma análise de como a Universidade surgiu. Quer dizer, nós temos uma USP criada por volta de 1934, temos uma faculdade anterior, a Sociologia e Política. Então o ensino superior veio se desenvolvendo. Na década de 40 surge a Universidade Católica. Como eu estava dizendo ao Sr., eu estudei na Universidade, e sou professora lá há quase 20 anos.

PCO – A Sra. é professora aonde?

P.N.S. – Na PUC mesmo.

PCO – Mas em que faculdade da PUC?

P.N.S. – No Centro de Educação, a Faculdade de Pedagogia. O meu interesse em estudar é porque sempre estive vinculada à Universidade, e trabalho lá. Então há um interesse pela questão em si, e pela viabilidade do estudo, que se tornaria mais fácil pertencendo. E o interesse seria verificar exatamente em que condições surgiu a Universidade, por que ela foi criada, quais os fatos, as intenções que justificaram a criação da Universidade. É muito importante para mim a caracterização do ambiente daquela época, que infelizmente a gente não teve a oportunidade de viver de perto.

Daí então o levantamento desses depoimentos em relação às pessoas que estiveram presentes no panorama social da época, e particularmente da Universidade. Então, para levantar todas essas características, como essas pessoas que foram importantes para a criação da Universidade sentiram a criação dela, perceberam a criação dela, como explicariam a criação dela. Também nesses depoimentos eu acho importante que os entrevistados apontem outras pessoas conhecidas que poderiam dar os seus depoimentos e levantar questões ou fatos que sejam interessantes.

Então o roteiro segue mais ou menos por aí. E aí algumas especificidades, como o seu caso, a sua participação no Sedes, no momento da união do Sedes com a Universidade. Eu acho no caso do Sr. particularmente importante a sua atuação no meio social de um modo geral, que me parece significativa pelos dados que eu tenho.

PCO – Então a Sra. faça as perguntas, que eu respondo.

P.N.S. – Então acho que a gente poderia começar o Sr. colocando um pouco sobre a criação mesmo. Quer dizer, por que foi criada a Universidade Católica, o que justificou a criação dela?

PCO – Eu me lembro que eu era deputado pela Chapa Única por São Paulo Unido, deputado federal, na Constituinte Federal no ano de 1934, quando foi introduzido nessa Constituição, pela primeira vez, o princípio do ensino universitário privado. Até aquele momento todas as escolas superiores eram pertencentes ao Estado, ou à União, e eram dirigidas pelo Estado ou pela União. O público não tinha o espírito habituado à idéia de uma faculdade particular. Se bem que as faculdades particulares fossem numerosas em outros países, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, e algumas delas com muito grande brilho, como por exemplo a Universidade do Sacro Cuore de Milão, e tantas outras universidades.

E nós estávamos numa reunião da bancada paulista, que era liderada naquele tempo pelo Prof. Alcântara Machado, que era um deputado também, naturalmente, e advogado de grande nomeada, e também literato de grande nomeada. Acabava não há muito tempo de ser recebido membro da Academia Brasileira de Letras, e era catedrático de Medicina Legal da Faculdade de Direito de São Paulo – hoje da USP de São Paulo – a famosa Faculdade do Largo São Francisco. E a bancada paulista tinha uma secretaria na Avenida Rio Branco, no Rio, a capital federal ainda era o Rio de Janeiro, tinha então uma secretaria lá. E estávamos em pleno verão, verão escaldante do Rio, janelas todas abertas, etc.

E o sistema era esse: a bancada votava sempre unida, tinha um voto único no plenário. Acontece que para fixar esse voto único havia reuniões prévias, plenárias, de todos os deputados sob a liderança do Presidente. E aquilo ia andando, numa espécie de modorra, aquela reunião em concreto – outras eram muito vivas – mas aquela reunião ia andando em concreto numa modorra, quando eu vejo o Prof. Alcântara Machado, que tinha um timbre de voz um tanto mortiço, dizer: “Agora vai entrar na apreciação dos Srs. deputados um ponto de muita importância na futura Constituição, para ver se aprovam ou não, etc.: se o ensino universitário pode ser privado, ou deve ser privilégio do Estado”.

Depois voltou-se brincando para comigo, eu era muito moço naquele tempo, eu tinha 25 anos, ele me disse: “O Sr. é dos grandes beneficiados por essa medida, porque fica aberta a possibilidade de fundação de [uma] universidade católica, e não é compreensível quase uma universidade católica em São Paulo sem que o Sr. seja professor. De maneira que o Sr. é dos grandes beneficiados”.

E eu, que estava prestando uma atenção vaga no que se passava, deitei especial atenção, porque eu era o deputado da Liga Eleitoral Católica, e incumbido de defender os interesses católicos na bancada paulista e na Constituinte em geral. Então deitei a atenção, e vi que se tratava realmente disso: a fundação de universidades particulares. Entre as entidades particulares no Brasil, em que a Igreja é separada do Estado, figura a Igreja. Figura a Igreja porque a personalidade jurídica é constituída pelas dioceses e paróquias, depois pelas ordens religiosas. Todas elas constituem pessoas jurídicas, de Direito privado, civil.

E nessas condições eu acompanhei, tomei parte, falando lá, etc. Os deputados todos estavam de acordo, não houve a menor dificuldade. E quando chegou no plenário da Constituinte eu notei também que a coisa passaria com a maior facilidade, porque todo o mundo estava de acordo com o princípio da fundação de universidades particulares.

Não propriamente porque o ensino público de caráter universitário fosse mau, de caráter superior – não se falava propriamente em universidade, falava-se em faculdades avulsas – o ensino de caráter superior fosse mau, fosse deficiente. Havia escolas melhores, outras piores, algumas célebres. A Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde eu tinha me formado há pouco, era uma Faculdade célebre no Brasil, e com professores de grande notoriedade, etc. A Escola de Medicina aqui na Av. Vieira de Carvalho, também a Escola Politécnica…

P.N.S. – A criação da Faculdade do Largo São Francisco data de quando?

PCO – A data da fundação não me lembro, mas ela tinha celebrado algum tempo antes o seu centenário. Eu acho que deve ter sido lá por… certamente depois da independência, e lá por 1828, 1830, suponho. Era uma Faculdade já antiga, portanto, em 1934. Tinha um longo passado histórico muito importante.

O princípio aqui que prevaleceu na Constituinte, entre o conjunto dos deputados com quem eu conversei, era propriamente o seguinte: de que a população estava crescendo muito, o País estava se desenvolvendo, e era necessário que os estabelecimentos de ensino superior se tornassem muito mais numerosos, e de qualidade muito alta, correspondendo ao progresso geral que o País estava tendo naquele período. E que era necessário, portanto, que o ônus do ensino superior não ficasse apenas por conta do Estado, mas que organizações privadas importantes também se lançassem na luta, e entrassem com seus capitais particulares, com seu prestígio, com sua influência, com a sua capacidade de arrecadação de fundos junto à população para constituir faculdades de ensinos superiores, para completar assim o progresso do País.

E, naturalmente, as atenções gerais se voltaram antes de tudo para aquilo que se pode considerar a maior instituição privada do Brasil, que era e é a Igreja Católica vista no seu conjunto. E daí a idéia de interessar o mais largamente possível a Igreja Católica na promoção do ensino superior.

Esta era a idéia de momento, que prevalecia naquele momento. Agora, por que razão a Igreja haveria de se atirar nesse empreendimento?

É porque evidentemente o ensino em todos os seus graus interessa altamente à Igreja Católica, mesmo quando não se trata do ensino específico da religião. Mas é que são numerosas as matérias que têm conexão com a religião, e na exposição das quais se pode afirmar ou negar a religião católica, atacá-la ou fazer apologia dela. E a Igreja, naturalmente, no cumprimento de sua missão, ela é empenhada em que os católicos ouçam a voz dela e os não-católicos também, e atrair o maior número possível de pessoas, obedecendo às palavras de Nosso Senhor: “Ide e ensinai a todos os povos”. Quer dizer, essa função docente da Igreja interessava altamente no ensino superior, do qual pendem, aliás, depois os outros graus de ensino. Porque o ensino secundário é ministrado por pessoas que foram formadas no ensino superior. E o ensino primário idem com o secundário. De maneira que a Igreja se empenhou desde logo nisso.

Agora, havia em São Paulo um estabelecimento privado de ensino, que era de ensino superior, que era chamada a Faculdade de São Bento, prévia a todos esses fatos que estou falando à Sra. Essa faculdade foi fundada pelo Abade beneditino D. Miguel Kreuse. E dispondo de São Bento aqui em São Paulo de muito prestígio, e também de muitos recursos, ela tinha constituído uma escola, essa Faculdade de Filosofia do São Bento, e que tinha como os dois pivots da Faculdade o Prof. Leonardo Vanhaekert, um belga-flamengo, formado na Universidade de Louvain, na famosa Universidade Católica da Bélgica, e o Prof. Alexandre Correia, este último brasileiro, paulista até, se eu não engano. Eu creio que sim, que era paulista de Ribeirão Preto até, se não me engano, também formado por Louvain. E ambos homens muito inteligentes, muito competentes, que eram dois dos mais insignes professores superiores de São Paulo, e que dispensavam o ensino da Filosofia de São Tomás de Aquino nesse estabelecimento de São Bento.

Prevaleceu então a idéia de transformar esse estabelecimento, que dava um ensino de grau superior mas não era reconhecido oficialmente – ia lá lecionar quem quisesse conhecer a Filosofia de São Tomás, comparativamente e analiticamente em si mesma e em relação a outras filosofias – que se fizesse então a transformação dessa Faculdade numa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, segundo o padrão oficial de Faculdade de Filosofia, publicado pelo Governo Federal, depois que a Constituição lançou os fundamentos legais para o ensino superior particular.

Fizeram entre intelectuais católicos convite para serem catedráticos, e eu fui convidado para ser professor de História da Civilização, mais especificamente da História da Civilização Moderna e Contemporânea.

Como eu era deputado nesse tempo, eu aceitei a cátedra mas não pude aceitar a docência imediata. E a Faculdade se fundou, começou a funcionar, sendo eu apenas professor titular. Pouco tempo depois as Cônegas Regulares de Santo Agostinho, que tinham um colégio secundário de grande fama, chamado Colégio Des Oiseaux, aqui em São Paulo, à Rua Caio Prado. Depois mudou-se. E depois com o terreno que dava até os fundos da Rua Paranaguá, onde funcionou o Sedes Sapientiae. A Sra. provavelmente chegou a conhecer esse prédio.

As Cônegas Regulares resolveram fundar uma faculdade só para moças, e era uma faculdade de Filosofia também. No São Bento aceitavam rapazes e moças. No Sedes Sapientiae – era o nome da nova Faculdade – aceitavam só moças.

P.N.S. – O São Bento sempre aceitou rapazes e moças ou a partir de um determinado momento?

PCO – Não, sempre. E a Igreja Católica, que não via com bons olhos o estabelecimento de ensino mistos, secundários sobretudo, de algum modo também primário, mas aí com mais elasticidade, sempre foi mais aberta para o ensino superior com os dois sexos. Têm mais responsabilidade, e sabem melhor conduzir-se, etc. Mas no Sedes Sepientiae pareceu mais prudente fazer só de moças, porque era um instituto feminino que ia tomar conta, já especializado na formação de meninas, estaria melhor para a formação de moças. E fundou o Sedes Sapientiae.

A grande propulsora da fundação dessa Faculdade foi uma pessoa de grande valor também, uma belga aliás também, disseram-me que de uma família rica, distinta da Bélgica, Mère Sainte Ambroise, que eu conheci pessoalmente e que tinha um valor, uma pessoa inteligente, culta, e depois muito realizadora, capaz de fazer o que queria, sabendo bem o que entendia, etc. E a quem as superioras deram uma liberdade muito grande na direção da Faculdade.

Para lá me convidaram também para professor da História Medieval, Moderna e Contemporâneo. Outro catedrático era professor de História da Antigüidade. E eu lecionei lá anos também.

Em 1935 encerrou-se a Constituinte, e eu voltei para a vida privada, saí da política e voltei para a vida privada. E aí assumi essas duas cátedras. E fiquei no exercício da docência eu creio que mais ou menos uns 20 anos. E depois eu fundei a TFP. A TFP foi fundada em 60…

P.N.S. – Quer dizer que o Sr. já tinha parado de lecionar quando fundou a TFP?

PCO – Esta correlação de datas eu não me lembro bem, mas eu creio que quando a TFP foi fundada, eu já tinha parado de lecionar. Porque para fundar a TFP foi necessário um trabalho de preparação prévio, muito absorvente. E esse trabalho já era incompatível, quanto a horários, etc., com o ensino. Eu então deixei. E de lá para cá não tenho freqüentado mais a Faculdade. Tenho estado ausente dela, e tenho estado na TFP.

Isso é o que eu podia dizer à Sra.

Agora, quanto à fundação, porque é que se fundou a Universidade Católica de São Paulo, eu já disse, são essas razões gerais. Uma razão de conveniência do País, e outra razão de conveniência da Igreja, que coincidiram fazer com que o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, que era naquele tempo o Arcebispo de São Paulo, vendo que já havia alguns institutos superiores oficiais e reconhecidos existentes em São Paulo, resolveu agregá-los, formando uma universidade. A universidade abrangia duas espécies de faculdades: uma delas eu não me lembro a terminologia dos estatutos, mas eram as faculdades propriamente e diretamente dependentes da Reitoria, e outras eram umas faculdades agregadas, mas com uma certa autonomia. São Bento era diretamente dependente da Reitoria…

P.N.S. – Incorporadas?

PCO – Talvez fosse esse o termo do estatuto. E outras eram faculdades agregadas, como o Sedes Sapientiae. O Reitor era também um eclesiástico de muito valor, D. Paulo de Tarso Campos, Arcebispo de Campinas, que foi muitos anos, não me lembro quantos, Reitor da Universidade Católica. Ele tinha feito estudos na Europa, eu não me lembro bem se em Louvain ou em Roma, talvez um pouco em cada, e era dos eclesiásticos mais inteligentes e mais cultos do Brasil.

Isso é o que eu posso dizer à Sra. de essencial. Agora, nesta fundação da Universidade eu não tomei parte. Eu era um professor que quando o D. Carmelo resolveu constituir a Universidade, como toda a Faculdade, entrei para ela. E quando ele resolveu agregar o Sedes Sapientiae, deixei-me agregar também como elemento do corpo docente do Sedes Sapientiae.

Como a Sra. vê, eu não tenho muita coisa para dizer a respeito disso.

P.N.S. – Por esse histórico que o Sr. colocou, me parece que a intencionalidade da fundação, do desenvolvimento do ensino superior abrangendo lideranças católicas e a própria Igreja, tem um toque do lado do cenário político, e propriamente o outro lado da Igreja. Se nós fôssemos colocar uma ordem nisso, daria para colocar? Dá para se identificar no contexto desse momento da sociedade? Por exemplo, se a idéia partiu originariamente no momento da Constituinte, pelos constituintes, e depois foi abraçada pela Igreja, ou foi uma idéia que surgiu concomitante, ou surgiu primeiro na Igreja e buscaram o apoio dos políticos? Existiria alguma…

PCO – Eu não posso dizer à Sra., eu não tenho dados para isso. A impressão que eu tenho é que antes de ser lançada a idéia dos institutos particulares, deve ter havido um entendimento entre o Governo Federal, as lideranças da Constituinte e a Igreja. Porque a influência, o prestígio da Igreja era e são tão grandes, ainda mais naquele tempo era tão grande, que não era possível lançar uma coisa que se apresentasse com o volume, com o vulto necessário aos olhos da população e do exterior, se a Igreja não estivesse presente nesse esforço, formando as suas próprias faculdades.

Não se tratava nenhum pouco de fazer um monopólio a favor da Igreja, monopólio do ensino superior. A Sra. está vendo bem que há outras religiões que têm faculdades, etc. Não se tratava disso. Mas tratava de ter o auxílio dela, para que o ensino superior particular se desenvolvesse como era desejado.

P.N.S. – Parece-me que a liderança da Igreja Católica era muito grande, não é? Em termos de um grupo religioso…

PCO – É colossal.

P.N.S. – O Mackenzie, o Sr. tem notícia de mais ou menos de quando data?

PCO – O Mackenzie tornou-se uma Universidade também. Era uma faculdade bem antiga, mas ela tornou-se Universidade mais tarde. Naturalmente depois de permitida a fundação dessas universidades. Mas eu não acompanhei…

P.N.S. – Porque o Mackenzie não se destacou tanto quanto a PUC, me parece. O Sr. está mencionando que vários grupos religiosos mantêm um ensino de nível superior, inclusive, mas me parece que o grupo católico se destacou nesse cenário, não é?

PCO – Que a PUC se destacou muito, é fora de dúvida. Agora, qual foi o destaque do Mackenzie? Eu acho que o Mackenzie formou uma boa Universidade. Depois teve o critério de laicizar-se. Ela era uma Faculdade de ensino de um sabor nitidamente protestante. Isso a mantinha, a justo título, distante de uma boa parte da população. Ela se laicizou, a tal ponto que hoje eu tenho impressão que o Mackenzie não tem mais nada de protestante. É uma faculdade leiga, pertencente a uma instituição privada. Com isso também a Universidade se abriu mais para a população, e também a população para ela. E vejo que há profissionais de muito valor formados no Mackenzie, e em várias faculdades.

O que eu acho é que os alunos da Universidade Mackenzie têm tido uma influência na política, na vida pública, menor do que os da PUC. E que nesse sentido, esse tipo especial de destaque talvez no Mackenzie tenha sido menor. Em parte porque o Mackenzie não tem participado desses movimentos esquerdistas, enquanto – infelizmente – o corpo docente da Universidade Católica em numerosos episódios participou de movimentos esquerdistas. E alunos da Universidade Católica tiveram uma participação também ativa na formação dos elementos da chamada “esquerda católica”, e depois até do Partido Comunista, do movimento especificamente comunista.

E os jornais, muito infiltrados pela propaganda comunista, deram a isso muito relevo. Enquanto a linha do Mackenzie muito mais ordeira, no campo político, essa linha por causa disso teve menos realce. O que eu não acho que redunde necessariamente num louvor da Universidade Católica, e muito menos numa crítica ao Mackenzie. Eu estou fazendo uma constatação de fatos.

P.N.S. – Agora, voltando àquela questão que eu fiz anteriormente, me parece que a Igreja nessa época, como continua sendo até hoje, ela tinha uma proximidade dos grupos políticos muito grande. Inclusive, em relação à PUC, Mons. Salim, que foi uma figura também de grande destaque, que trabalhou conjuntamente com o D. Paulo de Tarso, ele me parece, por alguns dados que eu levantei, que tinha uma proximidade grande com políticos, e particularmente com o próprio Ministro da Educação na época, que era o Dr. Ernesto Souza Campos. Inclusive foi quem homologou e oficializou a criação da própria Universidade. O Sr. teria algum dado particular relacionado a essa…

PCO – Eu estava na minha função docente, e não me aproximava quase disso.

P.N.S. – Os clérigos, os padres, os Bispos, freqüentavam muito o congresso, freqüentavam a…

PCO – Não. A Liga Eleitoral Católica, da qual eu fui um dos fundadores, a Liga Eleitoral Católica elegeu para a Constituinte um bom número de deputados. Não como deputados próprios, mas atendendo a pedidos de partidos políticos, propôs estes ou aqueles nomes para figurarem nas chapas desses ou aqueles partidos.

São Paulo estava dividido naquele tempo entre getulistas e anti-getulistas. A eleição realizou-se em 33, para a Constituinte, e a reunião da Constituinte deu-se em 34. A promulgação da Constituição foi em 34. E a Constituinte dissolveu-se em 35. De maneira que tudo isso ainda estava muito próximo de 32, que é a famosa revolução constitucionalista de São Paulo, que tinha obrigado o Getúlio a convocar uma Assembléia Constituinte. Para a eleição de 33 havia duas correntes: uma corrente getulista, e uma corrente anti-getulista.

  1. Duarte Leopoldo e Silva, que era naquele tempo Arcebispo de São Paulo – aliás, um grande arcebispo, que eu acho que São Paulo esqueceu muito prematuramente – ele era anti-getulista. E ele considerava, a meu ver com fundamento, que o comunismo tinha entrado em São Paulo – foi expressão dele, num famoso discurso – na mochila dos soldados que tinham vindo com o Getúlio do Sul. E por causa disso ele se punha numa posição anti-getulista. E por causa disso ele aprovou uma chapa feita pelos partidos tradicionais paulistas, onde a Liga Eleitoral Católica indicou então quatro candidatos. Um desses candidatos era eu, que era um dos fundadores da Liga.

Mas, na Constituinte tudo foi ordenado de tal maneira entre a maioria parlamentar, o Governo e o D. Leme – D. Sebastião Leme da Silveira Cintra, um paulista, que era Cardeal-Arcebispo do Rio naquele tempo, homem de muito senso político – que estava nos bastidores mais ou menos tudo combinado. E os deputados eleitos pela Liga tiveram uma missão apenas de examinar, de acompanhar os fatos para ver se apareciam surpresas, e não levantar debates sobre as reivindicações católicas, porque essas reivindicações viriam por si. E foi o que se deu. Foram aprovadas com maiorias fortes e quase sem discussão, etc., etc. Essa era a posição da Igreja.

Pouco depois, lá por mais ou menos 1940, essa posição foi matizada, porque começou a entrar uma série de influências da Europa, tendentes a transformações na Liturgia e na Teologia, que deram origem ao chamado progressismo de hoje. E transformações também no modo de ver a posição da Igreja perante problemas econômicos, sobretudo transformações de caráter estratégico, tático: como agir em função do esquerdismo, combatê-lo ou aproximar-se dele, etc.

E eu me tinha empenhado muito, anteriomente a essa data, numa posição de direita, e de direita muito categórica, muito marcada, de combate portanto aberto, declarado ao comunismo, considerado por mim como a única tática eficaz para combater o comunismo. E muito afeiçoado à Teologia da doutrina católica propriamente religiosa, como era unanimemente ensinada na Igreja naquele tempo. Quando apareceram as transformações, eu me coloquei contra as transformações. E essa posição muito marcada, tornava embaraçosa para o D. Carmelo a minha participação propriamente como um dos mentores da Universidade. Então eu simplesmente lecionei, mas não tive parte ativa na formação da Universidade.

P.N.S. – Mas acompanhou todinho o processo, e bastante de perto.

PCO – Eu tive muita liberdade de ensino como professor, embora muitos professores não concordassem, portanto, com a orientação que fora da Universidade eu mantinha como homem público, dentro da Universidade tínhamos relações cordiais. E eu ensinei sempre o que eu julgava que devia ensinar. Nem aceitaria o curso em outras condições.

Por exemplo, o meu ensino era um ensino muito contrário à Revolução Francesa, muito contrário à Revolução Russa de 1917. A nova orientação, da qual haveria de sair a “esquerda católica”, etc., era diversa dessa. E a Sra. compreenderá bem que, portanto, havia uma divergência tocada com muita cortesia de parte a parte, quase até o fim. No fim de minha estadia na Universidade a pressão da esquerda era tão forte, que eu já começava a me sentir mal nela. E também pensava em deixar o ensino para me colocar numa situação de homem público, intervindo oficialmente nos debates públicos do País, numa organização que eu fundaria com um grupo de amigos católicos, e em cuja sede a Sra. se encontra no momento…

P.N.S. – Hã, hã… Interessante. Uma vida bastante coerente.

PCO – A minha vida foi e é, e enquanto eu viver creio que será, uma vida de muita luta, naturalmente. Eu estou habituado a lutar desde menino. De maneira que conduzo a luta com bom humor.

P.N.S. – Como todo bom líder.

PCO – Conduzo a luta com bom humor.

P.N.S. – Porque lutar e liderar sempre implicam em desajustes, em conflitos, não é? E o bom líder sabe lidar-se com tudo isso.

PCO – Liderar não é fácil. Mas eu posso dar de mim o testemunho que eu creio que o C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP) não desmentirá: é que eu nunca fui um líder que faltasse com o respeito a um liderado.

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): Exatamente!

PCO – Em nada.

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): Em nada!

PCO – Mas meticulosamente em nada. Nem uma palavra grosseira, nem um gesto de mau humor… eu creio que vocês nunca notaram em mim.

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): Absolutamente.

PCO – Sempre eu timbrei em conservar nas relações minhas com os liderados, como também em favorecer as relações deles entre si, de máximo respeito mútuo. E um pouco a atmosfera geral do prédio indica à Sra. essa preocupação de respeito, de cortesia, de boa ordenação das coisas. Não é um prédio, não é uma decoração interna que suscite pendores esquerdistas de nenhum modo!

 

P.N.S. – Sugere muita sobriedade…

PCO – Sobriedade, seriedade, bom humor…

P.N.S. – Tradição.

PCO – Tradição! TFP – Tradição, Família, Propriedade. Tradição viva. A tradição, na linguagem católica, não é propriamente o que está nos livros. É o que está na vida. E nós procuramos fomentar essa tradição.

Bom, mas daí nós já saímos para outro campo, que não é o campo da sua entrevista… É a TFP.

P.N.S. – Não deixa de ser interessante. Eu estou gostando tanto que não dá nem vontade de fazer outras perguntas…

PCO – Eu estou à sua disposição… [Vira a Fita]

P.N.S. – …como no meio político. Mas enquanto a sua atividade docente, propriamente, o Sr. sentia, por parte dos elementos que impulsionaram a criação da Universidade, ou por parte da Igreja, algum tipo de exigência em relação ao desempenho dos professores?

PCO – Não, não.

P.N.S. – O Sr. sentia um clima de liberdade de atuação, onde cada um se colocava…

PCO – Ao menos no meu caso, que… [ND: ruído que impede de ouvir a voz do prof. Plinio] … um caso extremo, eu tive quase até o fim uma liberdade muito grande. Eu volto a dizer, no fim eu senti uma certa pressão. Mas foi uma pressão episódica, pequena, no fim do fim, quando eu já estava resolvido a sair.

P.N.S. – Essa pressão dava para o Sr. localizar? Vinha por parte de dirigentes, era por parte de colegas?

PCO – Não, colegas nenhum pouco. Alunos também não. As minhas relações com o corpo docente foram sempre muito boas, muito agradáveis. Eu estou certo que haveria alunos que não estariam de acordo comigo. Eu sempre dei a eles a liberdade de objetarem, de dizer o que quisessem, etc., etc. As objeções que eu tive mais freqüentes não foram na Universidade Católica. Foram na Faculdade de Direito da USP. Havia um estabelecimento chamado “Colégio Universitário”, que era uma espécie de ensino secundário ministrado no próprio ensino superior, para elevar o curso do ensino superior. E eu era professor catedrático de História da Civilização no Colégio Universitário.

Mas, eu tinha naquele tempo 25 anos. Eu, há cinco anos antes disso, era aluno na Faculdade. De maneira que os meus alunos eram de uma idade muito próxima da minha. E, naturalmente, eles julgavam que tinham com isso muito mais liberdade do que com um professor de uma idade provecta. E eu ensinava no duro a História, com a concepção das relações de causa e efeito como eu as via como professor de História. E tinham alunos que se levantavam, que pediam licença para objetar, faziam discursos dentro da aula… Eu dava toda liberdade, mas depois dava a minha resposta. E não tolerava greves.

Mas isso não é a Universidade Católica. É a Universidade do Estado.

P.N.S. – Mas envolve a sua concepção em termos de ensino, em termos de educação…

PCO – Sim. Eu não teria tolerado certa coisas… Eu me lembro, na Faculdade de Direito, um aluno me perguntou: “Professor, é permitido fumar?” Eu disse: “É proibido perguntar se é permitido fumar!” Ele se sentou e acabou-se. Também numa outra ocasião havia uma rodinha de desordeiros, na Faculdade de Direito – da qual eu guardo muito boa recordação, mas tudo isso na Faculdade de Direito – uma rodinha de esquerdistas, que ficavam fazendo zunzum dentro da aula. E eu percebia que a intenção deles era de difundir o zunzum. Então, quando um começava a conversar, eu punha fora da aula. Aliás, o zunzum não se difundiu.

Um dia, estavam no zunzum, e um dos promotores mais ativos do zunzum passou da conta, e começou a falar quase alto dentro da aula. Eu parei e disse: “O Sr., fora!” E continuei a dar aula. Ele tinha preparado o show dele. Levantou-se, colocou-se diante de mim, e disse: “Professor, posso dizer uma palavra?”

– Pode!

– Eu queria saber por que é que eu estou sendo posto fora da aula.

– O Sr. saia e no fim da aula venha me perguntar por que, que eu lhe respondo.

Ele saiu triunfante, porque eu sabia bem onde é que ele queria chegar. Quando terminou a aula, ele entrou depressa, e se reuniu com os “zunzunreiros” dele, e vieram todos falar comigo, numa roda. E ele me disse, cortesmente:

– Professor, eu queria saber por que é que o Sr. me pôs fora da aula.

– O Sr. estava conversando.

Ele me disse, com as “testemunhas” dele ao lado: – Professor, eu não estava conversando!

Eu disse: – O Sr. quer uma prova?

– Quero!

Porque eu estaria pondo o pé na arapuca, porque os outros iam dizer que ele não estava, eram os comparsas dele, e os outros colegas não iam depor contra ele. Eu estava a pé. E ele disse: “Quero, quero!”

– Está bem, eu vou lhe dar a prova: é minha palavra de professor. Fora!

A Sra. não deve estar achando isso nada simpático… ah, ah, ah!

P.N.S. – Não, mas realmente se contrasta muito com certas situações que a gente tem hoje. O meio universitário hoje eu acho que carece um pouco de certas linhas.

PCO – No total, o relacionamento era muito cordial. Mas muito cordial, durante o tempo em que eu lecionei. Depois foi fechado o estabelecimento, e eu tomei outro rumo.

P.N.S. – Hoje a situação também é bem diferente. Quer dizer, o papel do professor é outro, a figura do professor é muito diferente da época do Sr.

PCO – O professor hoje deve tomar o ar de um “amigão” dos alunos. E o melhor modo de ser amigo não é ser “amigão”. Daqui parte toda uma diferença de concepção.

P.N.S. – Muitas vezes o ser “amigão” é compactuar com certas coisas que não levam a uma formação desejada.

PCO – Bem, qual é a outra pergunta que a Sra. tem?

P.N.S. – Eu acho que a gente poderia prosseguir um pouquinho por aí, e analisar outras figuras, outras pessoas que o Sr. tenha notado naquela época, e que tenha se destacado no mesmo momento, com pessoas que o Sr. já citou algumas, além dessas, outras pessoas que o Sr. julgue que tenham tido uma participação relevante em relação à criação da Universidade, e as discussões do ensino superior como se davam naquela época.

PCO – Da criação da Universidade eu só soube o que deram os jornais, e o que se comunicou aos professores, nas reuniões de congregação. Exatamente pela razão que eu falei à Sra., eu estava inteiramente afastado disso. Eu me lembro que quando eu assumi a cátedra de São Bento, depois de ter sido deputado, o D. Paulo de Tarso Campos, que era muito meu amigo, me perguntou isso, ele disse: “Você vai assumir a cátedra de História da Civilização. É uma cátedra que dá uma visão da História, conforme for o professor, que justifica ou não justifica uma série de atitudes que você tomou, e que vejo que vai tomar como homem público. De maneira que há uma permeação entre a sua situação de homem público e a sua situação de professor. Eu vou investir você na cátedra, você está registrado no Ministério da Educação, você está querendo assumir, eu vou investir. Mas, eu quero de você uma palavra de honra de que os temas polêmicos, concretos, em que você toma parte como homem público, você não mencionará como professor”.

Eu achei que ele tinha toda razão. Um professor de História ensina o passado, não ensina o presente. E portanto, o que eu estava fazendo no presente não tinha nada que ver com isso. E assumi o compromisso, que cumpri religiosamente.

Cumprindo religiosamente esse compromisso, nunca tive dificuldade com a direção da Universidade.

P.N.S. – D. Paulo então, com isso, seria o caso de concluir que ele procurava evitar uma tendência de polemização na Universidade, de polêmica?

PCO – Ao menos no que me diz respeito, porque eu estava no vértice de uma polêmica muito aguda. Naquele tempo a polêmica colocava-se em termos mais concretos em torno da questão Maritain, não-Maritain; politique de la main tendue – dizia-se em francês, porque a fórmula foi proposta por Maritain, ele era francês, foi proposta em francês – então era la politique de la main tendue com os comunistas, ou, pelo contrário, a continuação da guerra fria.

Depois, temas de caráter aí já mais teológicos, etc., que entravam menos em função, mas eu dirigia naquele tempo um semanário aqui da Arquidiocese, era oficioso da Arquidiocese, chamado “O Legionário”…

P.N.S. – O Sr. é que dirigia?

PCO – Eu era o diretor do “Legionário”. O “Legionário” era um órgão anti-fascista, anti-nazista, e ao mesmo tempo contrário à “esquerda católica”. De maneira que a polêmica era contínua. E os dois vértices da polêmica pública no tempo, entre a direita e a esquerda, eu estava ao mesmo tempo contra os dois vértices. Estava nascendo no corpo de redatores do “Legionário” aquilo que deveria ser de futuro a TFP. Porque a TFP é formada de antigos redatores do “Legionário”.

O C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP) é muito moço, não alcançou nada disso. Mas vários outros, dos quais alguns têm morrido, outros ainda vivem, são diretores hoje da TFP, e eram redatores do “Legionário”. Por exemplo, um muito conhecido é o engenheiro Adolpho Lindenberg, diretor da CAL. Ele era o que redigia, muito mocinho ainda, a nota internacional do “Legionário”. Outro faleceu há algum tempo, uns dois, três anos, o Professor Fernando Furquim…

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): Uns cinco anos.

P.N.S. – O Prof. Furquim é falecido já há cinco anos?

PCO – Fernando Furquim de Almeida.

P.N.S. – Foi professor inclusive.

PCO – Ele era Vice-presidente da TFP, era meu amigo, muito amigo. Era o que redigia várias das notas do “Legionário”, eram redigidas por ele. Depois veio tornar-se Vice-presidente da TFP.

José Carlos Castilho de Andrade foi diretor durante muitos anos do “Legionário”, morreu há dois anos atrás, depois veio tornar-se diretor de um outro mensário católico chamado “Catolicismo”, e depois membro da diretoria da TFP. E assim por diante.

Quer dizer, a TFP nasceu deste jornal católico “Legionário”. E a TFP hoje, o fascismo e o nazismo morreram, os inimigos dela querem dizer que ela foi fascista e nazista. Nós apresentamos as coleções do “Legionário” daquele tempo, que temos naturalmente, para verem a polêmica contínua entre a TFP e os fascistas e os nazistas do tempo. Também os comunistas. Nós nunca aceitamos que, porque se era contra um lado, tinha que ser de outro. Não. Nós éramos contra os dois lados.

Agora, tudo isso tinha muita repercussão pública. O “Legionário” tinha muita saída, era um órgão de congregados marianos, e eu era um dos líderes mais conhecidos das congregações marianas. Tudo isso trazia um remelexo muito grande. Mas, quando eu entrava na Faculdade eu era outro homem. Eu dizia o que eu dizia, mas sem referência nenhuma concreta a nada da situação do Brasil.

P.N.S. – O Sr. era intelectual…

PCO – Intelectual e professor de História. Acabou-se. Sem nenhuma referência ao que eu dizia do Brasil. Mas os alunos percebiam que havia relação, que o que eu dizia em matéria de História tinha relação com o que eu fazia como homem público. Não político, nunca fui político, mas eu sempre fui homem público. São coisas distintas.

P.N.S. – O Sr. distingue? Qual a distinção que o Sr. faz?

PCO – O homem político pertence ao partido político. Eu nunca pertenci. O homem público é o homem que toma posições sobre temas políticos e temas culturais também, posição pública. Que tem uma corrente que o apoia e que combate outras, mas não tem partido político.

P.N.S. – Esse “Legionário” foi substituído depois pelo atual “O São Paulo”.

PCO – Pelo atual “O São Paulo”, por D. Carlos Carmelo. No “O São Paulo” não tivemos nenhuma colaboração. O “São Paulo” cuida dos problemas do tempo dele, nós cuidamos do nosso tempo. Mas são orientações diametralmente opostas.

P.N.S. – Agora, foi um jornal sustentado pela Arquidiocese, não é?

PCO – É oficial. O “São Paulo” é o órgão oficial da Arquidiocese.

P.N.S. – Não, o “Legionário”.

PCO – Era órgão oficioso da Arquidiocese, não oficial.

P.N.S. – E quem o mantinha?

PCO – Ele era mantido pelas suas próprias assinaturas, etc., tinha uma manutenção gerencial.

P.N.S. – E com a participação desse grupo de intelectuais e lideranças católicas.

PCO – Que não ganhavam nada para escrever.

P.N.S. – Esse grupo se sediava aonde?

PCO – Numa ruazinha que fica aqui entre a Rua Martim Francisco e a Rua Barão de Tatuí, num velho prédio de três andares, que se chamava “Legião de São Pedro”…

P.N.S. – Que era mantido pela Igreja?

PCO – Era da Paróquia de Santa Cecília. Ali funcionava a Congregação Mariana de Santa Cecília, e o andar térreo era todo ocupado pelo “Legionário”, que foi no começo órgão da Paróquia de Santa Cecília. Depois, quando eu me tornei diretor do “Legionário”, ele começou a se difundir muito, e passou a ser um órgão oficioso da Arquidiocese.

P.N.S. – O Sr. tem lembrança se nos artigos desse “Legionário”, nas matérias que ele divulgava, se discutia alguma coisa em torno do ensino, do ensino superior, do ensino católico?

PCO – Não, isso é uma coisa pacífica, não era matéria tratada no “Legionário”. Deve ter sido noticiada a fundação da Universidade Católica. Isso sim. Deve ter havido referências simpáticas à Faculdade de São Bento, à Faculdade Sedes Sapientiae, etc. Isso é provável.

P.N.S. – Mas nenhum tipo de análise.

PCO – Não era nada de analítico.

P.N.S. – Mais uma constatação.

PCO – É. Constatação simpática.

P.N.S. – Bem, eu tenho aqui a questão de facilidades ou dificuldades na criação da PUC, que me parece que por tudo o que o Sr. colocou essas dificuldades não existiram de nenhuma parte.

PCO – Eu não as conheci. Não chegaram ao meu conhecimento se existiram.

P.N.S. – Outra coisa: se o Sr. identificaria na Universidade alguma tendência em relação a um tipo de perfil que pudesse se pretender para essa Universidade na época. Digamos que fosse uma Universidade mais humanista, mas ao mesmo tempo mais tecnicista, ou se essa pretensão de uma formação tecnicista não existia? Como é que o Sr. analisa isso?

PCO – No tempo em que eu estava lá, eu notava que existia de modo não polêmico, entre os meus colegas, um certo matiz, ou dois matizes distintos: uns achavam que a Universidade deveria acentuar muito o quilate do ensino, tornando portanto esse ensino muito mais estrito, muito mais severo, e também de muito mais alto quilate. Uma coisa não vai sem a outra. Outros achavam que, sendo o Brasil um País enorme, e muito carente de instrução, havia necessidade de preparar professores universitários e secundários suficientes, em grande número, sem ter a preocupação de desde já criar um ambiente para o florescimento de grande número de sábios e de personalidades de repercussão internacional.

Mas isso se notava um pouco em conversa, nos intervalos de sala de aula, uma coisa assim, e muito cordialmente. Mesmo porque, quem ia resolver isso não eram os professores. Quem ia resolver isso era a Fundação São Paulo, que é a que dirige a Universidade. De maneira que era um matiz assim muito esmaecido. Ao menos na minha presença não notei diversidade.

P.N.S. – Outra questão seria referente ao papel da Igreja como poder local, ou em relação a um poder mais ligado a Roma, na fase de discussão e elaboração do projeto da Universidade, mas acho que também já está incluído nas colocações que o Sr. fez. A atuação da Igreja junto à sociedade brasileira, a sociedade paulistana particularmente, também acho que já está incluído. O Sr. acrescentaria alguma coisa nesse sentido?

PCO – A influência da Igreja era naquele tempo muito maior do que hoje. Hoje ela ainda tem uma influência enorme, mas naquele tempo era muito maior, por uma razão muito simples. É que não havia divisões internas na Igreja. Isto fazia com que a confiança de um certo filão enorme de católicos que não tem tempo para estudar a matéria que está objeto da polêmica, e que aspira a receber um ensino unido, no qual possa confiar inteiramente, que esse filão foi com o tempo se desarticulando. E aparecem dúvidas de um lado, dúvidas de outro lado, no centro, esse filão de centro fica sem saber muito para onde se virar. E daí um certo enfraquecimento da segurança, do ardor da ação dos católicos.

A Sra. tome o exemplo da Reforma Agrária. A Sra. vê muitos católicos – hoje em dia a maioria do Episcopado é favorável à Reforma Agrária – mas há católicos também contrários à Reforma Agrária. A Sra. está numa casa onde se combate a Reforma Agrária. Mas se combate porque julgamos que ela contraria a doutrina católica.

Agora, uma pessoa, suponho, como a Sra., se a Sra. não é filha ou parente de fazendeiros, etc., não tem uma razão mais imediata para estar se interessando por esse assunto. Se o assunto também não tem relação mais imediata com seus estudos e com sua vida intelectual, a Sra. precisaria operar todo um desvio nas suas atenções, nas suas atividades, para estudar por que se forma uma e outra corrente de opinião a respeito de um ponto tão importante. E não tendo tempo para isto, é natural que a Sra. como católica fique vacilante. Essa vacilação não beneficia a Igreja. Ora, o número de pessoas que estão nesse caso é enorme.

Mas isso está fora do seu tema… A gente está saindo do seu tema continuamente…

P.N.S. – Não tem importância! Eu acho que o Sr. está registrando depoimentos, visões suas sobre elementos significativos da realidade brasileira, que num todo acabam tendo uma ligação com o que a gente está vendo…

PCO – O seu tema não é propriamente TFP…

P.N.S. – Voltando então a dados mais restritos aqui, o destaque a personagens e pessoas. O Sr. faria mais algum destaque, lembraria de algum nome assim especialmente importante para conversar sobre as questões da Universidade?

PCO – Eu acho que está havendo no mundo inteiro um achatamento de personalidades. E que as personalidades, por exemplo, falando em nível internacional, porque não quero polemizar mencionando em nível nacional, mas a Sra. tomando personalidades da Segunda Guerra Mundial, e dos post-Guerra, são personalidades que tinham muito prestígio individual. A Sra. tome, por exemplo, o De Gaulle. É todo um poema. Churchill outro. Adenauer, o reerguedor da Alemanha, outro. O MacArthur, outro. E daí para fora. Mesmo em torno do Stalin se constituiu uma legenda bem maior do que a personalidade, mas para o povo valia a legenda.

E houve fatores inúmeros que chegaram à situação concreta de que hoje pessoas dessa estatura são muito raras no cenário internacional. Agora, isso que se dá no plano internacional, se dá no plano nacional. E nós temos um achatamento de personalidades. De maneira que o pessoal marcante daquele tempo tinha condições para ser marcante. Eu não quero dizer que nós não tenhamos valores. Mas o modo de focalizar as pessoas quase que lhes tira o meio de ter a projeção que tinham antigamente.

E, por causa disso, é muito fácil por exemplo falar de um ou de outro grande personagem eclesiástico ou civil, militar, etc., diplomático. Hoje em dia é muito mais difícil. A pessoa poderá ter valor, mas o modo de manipular as notícias, de apresentar, etc., etc., tende a uma espécie de como que anonimato.

P.N.S. – O sentido das lideranças e dos destaques eram muito mais individualistas anteriormente.

PCO – É, a Sra. há pouco falou de liderança aqui, e eu também empreguei a palavra. E eu estava sentindo o tonus um pouco defasado da expressão. Porque já não há mais quase líderes.

P.N.S. – Em termos de grupos religiosos, existiam várias congregações, vários agrupamentos de pessoas em torno de um princípio comum, mas com alguns enfoques diferentes de interpretação da própria religião…

PCO – A Sra. diz dentro da Igreja?

P.N.S. – É, dentro da Igreja.

PCO – Existiam quando?

P.N.S. – Nessa época da criação. Eu me refiro particularmente nesse sentido a ordens religiosas. Então, os dominicanos, os beneditinos, os jesuítas. O Sr. acha que havia naquele momento, no contexto, predomínio de alguma delas? O Sr. observava algum tipo de confronto entre elas, mesmo que fosse uma coisa atenuada, uma coisa… Como é que o Sr. avalia?

PCO – Confronto entre elas, não. Havia jesuítas que tomavam atitudes que eram diferentes, às vezes opostas a atitudes de dominicanos. E Àassim por diante. Mas isso eram atitudes individuais. Às vezes dentro da mesma ordem, diferença de posições. Não eram as ordens como tais, eram personalidades no clero secular, ou nas ordens religiosas, que se destacavam numa posição ou noutra, mas não eram as ordens religiosas como tais, nem o clero secular com tal – nesse período.

P.N.S. – Não se poderia dizer que houvesse uma confrontação entre ordens e congregações.

PCO – Não, não.

P.N.S. – O Sr. teria alguma apreciação em relação à ordem dos beneditinos, se o Sr. identificaria uma marca central nos beneditinos?

PCO – Eles tiveram sempre muita influência na história do Brasil, e continuam a ter. Mas essa influência no que diz respeito aos temas que nós estamos tratando, era uma tomada de posição de alguns beneditinos, talvez com a solidariedade da generalidade deles, mas não posso afirmar bem. Mas, não era pelo menos uma solidariedade militante, como alguns tomavam. Como também não era entre os jesuítas nem nada. Isso era entre as figuras militantes, isto se destacava muito mais. Entre os outros essa coisa ia, e não tinha o caráter que seria reputado escandaloso de uma atitude belicosa de uma ordem contra outra.

P.N.S. – É, essa pergunta é mais porque na participação da constituição da Universidade me parece que, ao contrário do que aconteceu no Rio de Janeiro, onde maciçamente houve a presença do jesuíta, aqui em São Paulo houve uma mescla. Quer dizer, existiam pessoas de diferentes congregações participando da movimentação.

PCO – Por isso mesmo que eu disse à Sra.

P.N.S. – Eu acho que de um modo geral seriam esses os aspectos que eu gostaria de ouvir. Se o Sr. tivesse mais algum outro dado que fosse interessante acrescentar…

PCO – Não, não tenho. A Sra. vê, aliás, que a Sra. bateu numa porta onde encontrou boa vontade, mas não encontrou muitos dados, porque eu estive afastado dos acontecimentos centrais.

P.N.S. – É, o Sr. pode ter estado afastado…

PCO – Se a Sra. fizesse um inquérito, ou uma tese sobre o debate público desses assuntos, eu teria muito mais para dizer do meu papel como professor.

P.N.S. – Sobre o debate público o Sr. colocou algumas coisas no começo.

PCO – Bom, mas que a Sra. não vai aproveitar, não é? Porque tem pouco a ver com a sua tese, não é?

P.N.S. – Eu acho que num certo sentido não. Porque é importante se verificar a origem das coisas. Quer dizer, pelo que o Sr. colocou, a origem não estava só na Igreja. A origem se relacionava também a movimentos e discussões se localizavam na sociedade civil, na sociedade política.

PCO – Sim, mas …………. da Universidade Católica, não.

P.N.S. – Sim, mas a discussão em torno da escola superior particular, como o Sr. havia colocado no começo, quer dizer…

PCO – Isso sim. Não havia discussão. O nosso ambiente, como brasileiros – a Sra. me dá impressão de ser de origem brasileira, não sei se me engano?

P.N.S. – Minha origem é espanhola.

PCO – Espanhola, é?! Bem, então não está bem no caso, porque o espanhol é muito mais caliente do que o brasileiro. Mas nós brasileiros, quando não discutimos apaixonadamente, somos muito bonachões. E não é na Espanha, em que o povo todo toma parte nas discussões. A Sra. então, se é filha de espanhóis, deve saber isso. E por causa disso é preciso não fazer a história do Brasil como se fosse uma história da Espanha. Uma coisa é a história dos intelectuais que discutem, ou dos políticos. Outra é a história da atitude do povo diante da discussão.

P.N.S. – Mas eu acho que foi interessantíssimo o contato, conhecer o Sr., ouvir as suas colocações…

PCO – Isso é amabilidade da parte da Sra.

P.N.S. – É uma realidade! Pelo menos para mim é uma realidade.

PCO – É muito gentil.

P.N.S. – É muito interessante, porque o Sr. é uma figura de destaque na História do Brasil. Quer dizer, o seu nome, pelo menos no meio intelectual, eu acho que a maior parte das pessoas não chega a desconhecer. Podem desconhecer detalhes da sua atuação, da sua vida, mas não chegam a desconhecer como personagem. Para mim foi muito interessante e muito bom.

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): Os livros do Sr. são muito conhecidos também, são uns dez livros publicados.

PCO – A TFP tem uma particularidade – está fora da sua entrevista – a TFP tem uma particularidade que é um, como se diz em francês, um tour de force, que é o seguinte. Com exceção da “Folha”, que às vezes publica coisas minhas, a imprensa brasileira total e maciçamente boicota a TFP. Também o rádio e a televisão. Mas a Sra. não vai a um ninho de rato do Brasil onde não tem gente que já ouviu falar da TFP.

P.N.S. – É, é uma entidade conhecida.

PCO – Agora, como é que a midia, que é considerada indispensável para a notoriedade, e a TFP alcançou essa notoriedade sem a midia?

P.N.S. – É uma questão a se pensar.

PCO – Nossas campanhas de rua, como a Sra. deve ter visto agora que estamos fazendo pela Lituânia, e pelas caravanas itinerantes que temos rodando pelo Brasil inteiro… Como é aquela estatística?

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): Sete vezes o percurso de ida e volta à lua.

P.N.S. – É? Que incrível! Quantos militantes possuem a TFP?

PCO – Bem, isso, naturalmente, a Sra. pode imaginar uma cidade grande ou pequena do interior, onde entram os rapazes com estandartes, com capas vermelhas, e vendendo impressos, etc., etc., conversando e discutindo, etc., o efeito que isso faz. E para a Sra. ter idéia desse efeito, basta pensar o seguinte: eles quase não gastam, porque a população dá tudo! Até roupa lavada! Isso vale muito mais como prova de popularidade do que eleger-se como deputados. Nós, para nos tornarmos notórios, recebemos. Eles, para se tornarem notórios, pagam.

Sr. C. (assessor do Serviço de Imprensa da TFP): E as reuniões, as conferências que o Dr. Plinio dá para nós são aulas universitárias, são de muita profundidade. Ele como que leciona para toda a TFP…

P.N.S. – A gente pode lecionar em vários lugares!

PCO – O C. está falando de livros, mas é uma alegria que eu tenho: é que os membros da TFP, com o correr do tempo, foram se transformando em escritores. E vários já têm obras publicadas, boas, importantes… sabotadas! A Sra. vai à livraria e não encontra. Se nós não vendermos na rua, em livraria não sai. Mas nas ruas saem às torrentes.

Um livro que eu publiquei por ocasião da Constituinte – Projeto de Constituição angustia o País – um livro a respeito da Constituinte, desta última, chegaram a vender na rua mil exemplares por dia. É um número muito grande para… A Sra. não terá ouvido falar de livro no Brasil que tenha mil exemplares de difusão por dia. Mas é uma notoriedade não notória, porque a midia boicota.

Agora, que desse trabalho saia escritores, que nós tenhamos uma escola de escritores, é uma coisa altamente confortadora.

P.N.S. – E com uma bagagem de cultura, um lastro de visão sobre a realidade.

PCO – Enfim, vamos tocando para frente.

P.N.S. – Eu agradeço muito, mais uma vez, a sua contribuição…

PCO – Eu tive muita satisfação em conhecê-la, e desejo um bom êxito para a sua tese.

P.N.S. – Muito obrigada.

 

 

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