Quando o solitário dono da casa se levantou da cama, em decorrência da insônia, o fogo da lareira ainda persistia aceso, apesar da hora avançada naquela noite fria. A cabeça dele doía, ao aproximar-se das últimas brasas fumegantes. Algumas pressões no fole bastariam, para manter o calor por mais alguns minutos; e o sono voltaria logo — pensou ele. E sentou-se na poltrona da sala.
Aquele homem de meia idade costumava sentar-se na macia poltrona da sala, durante a noite, e entregar-se aos seus pensamentos. Realmente entretinha-se enquanto pensava, sobretudo porque o objeto de suas intermináveis reflexões era… ele mesmo! Aliás, nada fazia na vida, além dessa atividade: pensar em si.
Não trabalhava, pois as magras rendas herdadas do pai proporcionavam-lhe alimento suficiente e teto. Servia-lhe muito bem a casa pequena, porém confortável. Desde muito jovem havia rejeitado a ideia de constituir família. Quantas preocupações isso lhe traria… Mudara-se para uma cidadezinha do interior — a menor da região — precisamente para fugir dos vizinhos barulhentos, pedintes e vendedores, que enxameavam na capital. Mas nos últimos dias, uma movimentação anormal nas ruas causava-lhe alguns incômodos de cidade grande, dos quais fugira.
Entretanto, uma vida tão medíocre e vazia não o deixava tranquilo, pois tinha uma ambição intimamente ligada à atração por pensar em si: “Como sair deste apagamento? Como quebrar este anonimato letárgico e me tornar importante, famoso, alguém conhecido no mundo inteiro? Como fazer com que meu nome se torne célebre?” Seus devaneios conduziam-no sempre ao mesmo impasse, todas as noites, durante suas insônias, pois esse vazio lhe causava remorsos.
Havia um paradoxo intrigante entre seu modo de vida, feito de inação preguiçosa, e seus pensamentos dominados por ânsias egocêntricas. Seus sonhos voavam longe nas noites mal dormidas: a fama mundial poderia iluminá-lo depois de um grande feito de armas, ou talvez uma expressiva obra artística ou intelectual… mas não dispunha de talentos para tanto. Chegou mesmo ao delírio de planejar o assassinato de um governante qualquer, mas repelia-o a ideia de entrar para a história como um criminoso. Não queria chegar a tais extremos, e até a preguiça contribuía para não enveredar por aí. Difícil de explicar, mas assim são as paranóias das mentalidades incoerentes.
O homem remoía-se nessas cogitações, quando ouviu batidas na porta. Fingiu que não as escutava, e pensou indignado: Quem poderá ser a esta hora? Como pode alguém me atormentar tão tarde da noite?
As batidas se repetiram. Enraivecido, ergueu-se da poltrona, dirigiu-se à porta, e após destrancá-la abriu-a bruscamente:
— Que é?! — perguntou ao homem parado à entrada. Este, surpreso, explicou-se:
— Desculpe o incômodo, senhor. Vi a luz acesa, e venho lhe pedir ajuda.
— Ajuda?! Sabe que horas são? Está me interrompendo num assunto muito importante, no qual tenho despendido muito tempo.
O homem à porta era um viajante. Pobre, mas digno e alinhado em seu porte; roupas simples, mas limpas. E insistiu:
— Peço perdão, mais uma vez. Temos viajado durante dias, minha esposa e eu. Chegamos tarde à vila, e não há hospedaria disponível onde possamos passar a noite.
Enquanto o viajante falava, o homem apertava os olhos para enxergar através da escuridão. Vendo mais atrás a jovem esposa do viajante, discerniu nela a apreensão no semblante. Tudo nela refletia delicadeza e respeito, e uma luz fugidia revelou sua gestação em estado avançado.
Um movimento de compaixão perpassou a alma daquele homem: esses não são andarilhos inconsequentes. Parece apenas boa gente em dificuldades.
Infelizmente, anos inteiros vivendo sob o jugo da autocontemplação e do ‘voltar-se para si mesmo’ bloqueavam nele a compaixão devida ao desafortunado casal. A gestação da jovem contribuía para a percepção de mais um fardo que lhe cairia nos ombros. Disse então asperamente:
— Irresponsável! Viajar assim com sua mulher gestante, sem previdência alguma! Tenho que resolver um problema, e não posso lhes dar atenção.
— Mas, senhor, apenas por esta noite… — insistiu o viajante, antes de ser interrompido pelo dono da casa.
— É minha última palavra. Se quiserem, procurem uma gruta ali mais adiante. Podem se alojar junto com os animais presos lá. Mas não digam a ninguém que lhes indiquei o local. Não quero me envolver em assuntos dos outros, os meus já me tomam muito tempo.
Vendo aquela resolução impiedosa, o viajante fez um gesto de despedida e caminhou em direção à esposa. Desatou seu burrinho de carga, que estava atrás de alguns arbustos, e caminharam em direção à gruta indicada pelo homem.
O infeliz egoísta fechou-se novamente em sua casa, sentou-se na poltrona, diante da lareira, e voltou à sua obsessão: tornar-se famoso em todo mundo.1
Mal sabia ele que ali perto, na pobre gruta que indicou, ocorreria o fato mais extraordinário de toda a História: o nascimento de Jesus Cristo Nosso Senhor. Quanta glória para esse homem, se ele tivesse recebido São José e a Santíssima Virgem em sua casa. Hoje seria reverenciado em todo o mundo nas festividades do Natal. Seu nome estaria gravado na eternidade, vinculado ao de quem recebeu em sua casa o Menino Deus que iria nascer.
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira comentou, durante as festividades de um Natal, como Nosso Senhor procura atrair os homens para si nesse período abençoado: “Ele vai atrás de todos, meninos ou velhos, grandes ou pequenos, sábios ou ignorantes. Seja quem for, Ele vai atrás de todos. Pecadores, e às vezes pecadores imundos, Ele vai atrás deles e toca-lhes o coração, dizendo: ‘Meu filho, não queres vir a Mim? Nem agora queres vir a Mim? Pelo menos desta vez, pelo menos neste instante, deixa-te comover um pouco. Aqui estou Eu à tua procura, no interior de tua alma’”.2
Não sejamos como o egocêntrico do conto, que rejeitou o maior dos presentes de Natal. Abramos a morada de nosso coração ao Menino Jesus e à sua Mãe. Sobretudo, evitemos o pecado e estejamos atentos ao triste abandono por que passa a Santa Igreja Católica em nossos dias. Eis um símbolo cogente do abandono sofrido pela Sagrada Família.
Durante a noite sombria deste nosso século, temos obrigação, como católicos, de fazer atos de reparação e amor à Esposa Mística de Cristo — a Santa Igreja. Não deixemos que um exagerado ‘voltarmo-nos para nós mesmos’ provoque eventualmente nossa rejeição a Jesus, Maria e José, que batem à nossa porta.
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Notas
- Anos atrás, o autor deste artigo ouviu este conto de um professor durante uma aula na faculdade. A história foi ligeiramente adaptada.
- Trecho de conferência em 22 de dezembro de 1984. Sem revisão do autor.
- Fonte: Revista Catolicismo, Nº 840, Dezembro/2020.