São Francisco de Assis, santo de todas as épocas e situações

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Presépios estão sendo montados aos milhões mundo afora; nas casas de família, em praças, nos caminhos, nos bares e restaurantes, nas lojas, nos museus e escolas. Existem para todos os gostos, simples, suntuosos, artísticos, famosos, feito por mãos anônimas de grande talento ou sem nenhum.

Lá estão sempre a manjedoura, Nossa Senhora, o Menino Jesus, são José, o Anjo mensageiro, os pastores, os animais. E já bastam. Mesmo presépios modestos têm a estrela de Belém a orientar os Reis Magos. Ali se colocam os mencionados três reis, Belchior, Gaspar e Baltazar, que chegam do Oriente para adorar o Menino Deus. Também de forma estilizada se veem os presentes dos três reis, representando o ouro, incenso e mirra, a realeza, a divindade e o sofrimento, respectivamente. Mas as figuras e cenas (laguinhos, morros, ruas, animais, pessoas) podem ser multiplicadas indefinidamente. O presépio animado da Cavalinho, no distrito português de Aveiro, chegou a ter mais de sete mil figuras, quase quatro mil metros quadrados, foi visitado por milhões ao longo dos anos. Via de regra, montado no 1º domingo do Advento, é desmontado em 6 de janeiro. Tornou-se ocasião de reencontro das famílias, maravilhamento de crianças, recurso catequético. Muitos pais se aproveitam da ocasião e do maravilhamento para ensinar o catecismo aos filhos.

Vamos às origens do costume piedoso que marca o Ocidente. Foi montado (e criado) em 1223 pela primeira vez por São Francisco de Assis em uma gruta em Greccio, convidado pelo senhor da região para ali reviver o ambiente do nascimento de Cristo em Belém. Seu amigo Giovani preparou o local conforme as instruções do santo. O pobrezinho de Assis celebrou o Natal entre o boi e o jumento para destacar a simplicidade do local escolhido por Jesus para nascer. Reviveu o ambiente.

Por momentos retiremos o olhar do presépio e o fixemos na origem. Fosse outro o criador do presépio, teria ele tido essa ressonância universal? Sei não, pode até ser que sim. Sei outra coisa, a enorme capacidade de irradiação de tudo o que São Francisco tocava. Por quê?

Filho de um comerciante, moço mundano, abandonou tudo para servir aos pobres, em especial aos mais pobres entre os pobres, os leprosos, modo em que melhor amava a Deus. Aos poucos, por disposição providencial, como um novo rei Midas das vias da graça, tudo o que tocou virou ouro sobrenatural, fontes da salvação. Revivia, restaurava, animava.

Nada parecia lhe destinar tal missão histórica; mais que simplesmente histórica de fato, ocupa lugar central na história da salvação, acontecimentos de raiz sobrenatural. Não teve estudos, quis vida apagada, morreu cedo, antes dos 45 anos (1181 ou 1182 – 3 de outubro de 1226). Giovanni di Pegro di Bernardone foi o nome secular de são Francisco. A origem do nome Francisco é incerta; era João. Para alguns, depois de uma viagem à França, onde o menino teria ficado encantado pela vida francesa, poesia, música, povo, o pai passou a chamá-lo Francesco (francês). Pouco importa, o certo é que ficou Francisco para os pósteros.

Foi monge doente, olhos e intestinos atingidos por enfermidade dolorosa, que lhe acometeu nos meses em que serviu como militar. Com efeito, em 1202 se alistou como soldado de Assis na guerra que a cidade empreendia contra a Perugia. Foi capturado, esteve preso por cerca de um ano. Ficou doente. A partir daí sempre teve problemas de visão e no aparelho digestivo. Em 1205 se alistou outra vez, agora no exército do Papa, cujas tropas lutavam contra Frederico II. As sequelas na saúde se agravaram e o acompanharam a vida inteira.

Deu início a uma espiritualidade que marcou não apenas a ordem que fundou, mas todo o mundo desde então. Amor à pobreza (casou-se com a “dama Pobreza”), despretensão exterior e interior, obediência, austeridade, pureza, dedicação aos pobres, pregação sobretudo pelo exemplo. E dava o bom exemplo no meio de nações infiéis, pagãs, zelo missionário imitado pelos seguidores até hoje. Em especial, sua espiritualidade olhou de forma nova a natureza, se quisermos, a Criação, adorando a Deus pela sua contemplação, a animada e a inanimada, considerada parceira no louvor ao Criador. Irmão Sol, irmã Lua, irmã Água:

Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,

especialmente o senhor irmão Sol,

que clareia o dia e que, com a sua luz, nos ilumina.

E ele é belo e radiante, com grande esplendor:

de ti, Altíssimo, é a imagem.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Lua e pelas Estrelas,

que no céu formaste, claras, preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Vento,

e pelo ar, e nuvens, e sereno e todo o tempo

em que dás às tuas criaturas o sustento.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Água.

que é tão útil e humilde, preciosa e casta.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Fogo,

com o qual iluminas a noite,

E ele é belo e alegre, vigoroso e forte.

São Francisco é o iniciador da poesia vernacular italiana. Escreveu poesias em outros idiomas. Comentando o impacto de sua vida e personalidade, Jackson de Figueiredo observou: “Não há figura histórica em todo o Ocidente, que tenha conseguido interessar tanto a inteligência contemporânea, como a do criador dos frades menores”. Compara-o com São Domingos de Gusmão e pondera: “Mas São Domingos não fez o cântico do sol”. Na mesma direção, não são poucos os estudiosos que o consideram a maior figura do Cristianismo desde Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por que tanta influência? Por que tanta irradiação? Estão ligadas de forma preponderante à vocação providencial, sem dúvida. Deus assim o quis. Mas a escolha providencial tem relação próxima com o exemplo de vida, despretensão, humildade, simplicidade, pureza, a espiritualidade franciscana cria uma atmosfera natalina que não se detém em dezembro; perpassa e perfuma o ano inteiro e todos os ambientes. Revive, restaura, anima.

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