Comentários sobre as excelências peculiares da vocação incomparável do escolhido para esposo de Maria e pai adotivo de Jesus, sua altíssima nobreza e a santidade
O mês de março é dedicado na liturgia católica a São José, o esposo castíssimo de Maria, cuja festa se celebra no dia 19. Os teólogos, em grande número, são unânimes em declará-lo o maior de todos os santos depois da Virgem Santíssima. Na Encíclica Quamquam Pluries (agosto de 1899), Leão XIII o proclamou patrono e defensor da Igreja universal e dos cristãos.
Hoje, no auge do processo de autodemolição da Igreja e descristianização do Ocidente, seu auxílio e sua proteção se tornam cada vez mais necessários. Neste sentido, a devoção a ele é mais atual do que nunca. Dentre suas incontáveis qualidades morais, refulge de modo especial a virtude da pureza, tão odiada pela Revolução gnóstica e igualitária. Insondavelmente puro, São José foi escolhido por Deus para esposo e guardião castíssimo de Maria e pai adotivo de Jesus. Privilégios estupendos, que lhe conferem um lugar único na ordem do universo e na história da salvação.
Jacó gerou José, esposo de Maria
Cornélio a Lapide, o famoso exegeta jesuíta do século XVII, analisando o Evangelho de São Mateus (Mt 1, 16 ss), e apoiado no ensinamento de Padres da Igreja, santos e teólogos, comenta a vocação incomparável de São José.
Pode-se perguntar inicialmente por que a geração de Cristo é apresentada no Evangelho de São Mateus por meio da genealogia de José, tendo em vista que Jesus Cristo não era Filho de José, mas da Virgem Maria. Argumenta-se que Ela poderia casar-se com um homem de outra tribo, como ocorreu com sua prima Isabel, que era da tribo de Judá e se casou com o sacerdote Zacarias, da tribo de Levi.
De fato, as mulheres judias podiam se casar em outra tribo. Mas elas mesmas, na falta de herdeiros do sexo masculino, se tornavam herdeiras de seus pais, e nesse caso eram obrigadas a se casar com homens de sua própria tribo e família, para que sua herança não passasse por casamento para outra tribo (cf. último capítulo de Números, vers. 7). São Joaquim, o pai da Santíssima Virgem, não tinha filhos varões, fato que São Mateus omite por ser algo perfeitamente conhecido na época em que escreveu. Era um dever de Maria, portanto, casar-se com um varão de sua própria tribo e família, ou seja, José. Assim a genealogia de São José se tornou a genealogia da Santíssima Virgem, e consequentemente de Cristo Senhor Nosso. Ademais, os Padres ensinam universalmente que José e Maria eram da mesma tribo e família.
São José, legítimo pai de Jesus Cristo
Ademais, São Mateus apresenta a genealogia de Nosso Senhor Jesus Cristo a partir de José, e não de Maria, em primeiro lugar porque entre os judeus e outros povos a genealogia costuma ser traçada a partir de pais e maridos, não de mães e esposas. Em segundo lugar porque José, legítimo pai de Cristo, que era o herdeiro do trono e do cetro de Davi, não o era por meio de Maria, mas de José, de acordo com a promessa de Deus a David (2 Sam. 7, 12; Ps. 88 e 131).
O cetro de Judá repousou, portanto, sobre Jesus Cristo, não apenas pela promessa e dom de Deus, mas pelo direito de sucessão hereditária. Porque, se por direito comum os filhos sucedem à herança de seus pais, bastando para tal serem considerados seus filhos pela reputação comum, tanto mais era Cristo herdeiro de José, seu pai, visto que era Filho de sua Esposa, pelo poder e obra do Espírito Santo! Portanto, José tinha o direito paterno sobre Cristo. Na verdade, tinha todos os direitos que os pais têm sobre os filhos. Por outro lado, Cristo possuía em relação a José todos os direitos que os filhos têm em relação aos pais. Ele detinha, portanto, o direito ao trono de Israel após a morte de José. Daí a pergunta dos Reis Magos (Mt. 2, 2): “Onde está o Rei dos Judeus, que acaba de nascer?”
Restaurador do cetro de Judá
Era o que quis demonstrar São Mateus, que, como diz Santo Agostinho, insiste na realeza de Cristo. E isso explica o porquê de ele traçar a genealogia de José, em vez da progênie de Maria. Ela não poderia ser a herdeira do trono enquanto sobrevivessem os herdeiros do sexo masculino, como José e outros. Como consequência, é preciso afirmar também que o pai e outros ancestrais de José eram primogênitos, ou pelo menos os filhos mais velhos sobreviventes de seus pais, de modo que o direito de reinar recaiu sobre eles.
É isso que o primeiro capítulo de São Lucas explicita com as palavras: “E o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David”. Assim também em Gen. 49, 10: “O cetro não será tirado de Judá, nem o príncipe da sua descendência, até que venha aquele que deve ser enviado”; isto é, Cristo devia restaurar o cetro a Judá, iniquamente tirado por Herodes; e na realidade devia elevar seu reino a uma grandeza muito mais alta, tornando-o espiritual em vez de corporal, celestial em vez de terrestre, e eterno em vez de temporal.
Incomparável dignidade de José e Maria
É preciso notar a expressão José, marido de Maria. O árabe traduz como o esposo de Maria. Disto podemos deduzir que São José tinha todos os direitos de um verdadeiro esposo em relação à Virgem, por conseguinte é justa e verdadeiramente chamado pai de Cristo, segundo comenta Santo Agostinho.
1. Cristo pode ser considerado fruto do casamento de José e Maria, porque nasceu no casamento, embora não do casamento. A filiação pode ser atribuída, portanto, ao pai e à sua mãe.
2. Visto que o homem e sua mulher se tornam um pelo casamento – ou seja, como se fossem apenas uma pessoa aos olhos da lei – eles têm tudo em comum, e assim todos os seus filhos são legítimos. Assim, Cristo era o Filho da Virgem Mãe de Deus e era também Filho de José, que era esposo de Maria, e portanto o companheiro de todas as suas honras e bênçãos. José era mais verdadeiramente pai de Cristo do que alguém, quando adota um filho, é pai desse filho. Ele era pai de Cristo, não por adoção mas por casamento. Portanto, segue-se que José tinha a autoridade de um pai sobre Cristo, portanto a maior solicitude e afeição por Ele. E Cristo, em troca, amou e honrou José como a um pai, e lhe foi obediente, como está claro em Lucas 2, 51. Como diz Gerson, “Esta sujeição marca ao mesmo tempo a indescritível humildade de Cristo e a incomparável dignidade de José e de Maria”.
3. Cristo pertencia propriamente à família de José, pois pertencia à família de sua mãe, como sua própria mãe pertencia à de José. Nesta família nobilíssima, divina e celestial, o pai e governante era José; a mãe, a Virgem Santíssima; o filho, Cristo. Nesta família estavam as três pessoas mais excelentes de todo o mundo: primeiro Cristo, Deus e homem; em segundo lugar a Virgem Mãe de Deus, mais intimamente unida a Cristo; e em terceiro lugar José, o pai de Cristo pelo casamento.
Altíssima nobreza e santidade do esposo de Maria
Muitos dos sábios deste mundo, e mesmo a maior parte dos homens, pensam em José apenas como um carpinteiro pobre e desprezado. Porém é bom ter em mente que ele era ‘Filho de David’, como vimos, e isso não é dizer pouco. Quanto mais desprezado e desconhecido ele foi na Terra, tanto maior é a sua glória no Céu. O Papa Gregório XV decretou que sua festa fosse celebrada por toda a Igreja no dia 19 de março. Esta é uma honra bem merecida, pois grandes eram suas prerrogativas, seu cargo e sua dignidade acima de todos os outros homens.
1. José foi esposo da Santíssima Virgem e pai de Cristo. Foi, portanto, cabeça e superior tanto da Virgem quanto de Cristo enquanto homem.
2. Como conclusão, havia um amor e uma reverência singulares por parte da Santíssima Virgem e de Cristo para com José. Donde Jean Gerson, Chanceler da Universidade de Paris (Serm. de Nativ. BVM), exclamar: “Ó José, quão maravilhosa é a tua exaltação, quão incomparável a tua dignidade, pois a Mãe de Deus, a Rainha do Céu, a Senhora do mundo, não desdenhou chamar-te de senhor!”. São Gregório Nazianzeno (Orat. 11), para enaltecer a excelência do marido de sua irmã Gorgônia, nada de melhor encontra para isso do que mencionar que ele era seu marido: “Deseja que eu descreva o homem? Ele era seu marido, e não sei o que mais acrescentar”. Pode-se dizer o mesmo de São José: ‘Quer saber quem e quão grande ele foi? Ele era o esposo da Mãe de Deus!’
3. O ministério e o ofício de São José foram muito nobres, no que diz respeito à ordem da união hipostática do Verbo com a nossa carne. Pois exerceu todos os seus labores e ações na proximidade imediata da Pessoa de Cristo. Ele nutriu, educou e protegeu Cristo, e Lhe ensinou sua arte de carpinteiro, segundo a opinião comum dos Doutores. Francisco Suárez diz a este respeito: “Existem alguns ofícios que pertencem diretamente à ordem da graça, e nisto os Apóstolos ocupam a posição mais elevada, portanto precisam de maior assistência da graça do que todos os outros. Existem também outros ofícios que pertencem à ordem da união hipostática, a qual em seu gênero é uma ordem superior, como fica claro na maternidade divina na Santíssima Virgem. Nesta ordem São José exerceu seu ministério” (3ª parte. Quæst. 29, disp. 8, seção 1).
4. José, por sua convivência familiar e constante com Cristo e a Santíssima Virgem, tornou-se participante de seus segredos divinos, e diariamente via e imitava suas virtudes sublimes.
5. José era um varão de altíssima santidade, dotado por Deus de dons singulares, tanto da natureza como da graça; de modo que em sua época não havia homem mais santo ou mais digno de esposar a Mãe de Deus. Donde Suárez apresentar como provável que José fosse superior aos apóstolos e a João Batista em graça e glória, porque seu ofício era mais excelente do que o deles: ser pai e governador de Cristo é mais do que ser pregador e precursor. E acrescenta que ele já estava maduro quando desposou a Santíssima Virgem. Tendo morrido antes da crucifixão, por isso na Paixão de Cristo nenhuma menção lhe é feita. Ele ressuscitou com Cristo, juntamente com outros patriarcas, dos quais é feita menção em Mat. 27, 52: “Ressuscitaram muitos corpos de santos que dormiam”.
Essas excelências peculiares do excelso esposo de Maria são bem expressas nos qualificativos que lhe são atribuídos na bela ladainha aprovada pela Igreja: “São José, ilustre filho de Davi, luz dos patriarcas, Esposo da Mãe de Deus, guarda da Virgem pura, nutrício do Filho de Deus, zeloso defensor de Cristo, chefe da Sagrada Família, justíssimo, castíssimo, prudentíssimo, fortíssimo, obedientíssimo, fidelíssimo, espelho de paciência, amador da pobreza, exemplo dos trabalhadores, honra da vida doméstica, custódio das virgens, amparo das famílias, alívio dos miseráveis, esperança dos enfermos, padroeiro dos moribundos, terror dos demônios, protetor da santa Igreja”.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 843, Março/2021.