Idade Média I – Família e estirpes dão origem ao feudalismo

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Teoria de Funck-Brentano sobre a origem do Estado francês

Conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira

“Os séculos mais aflitivos da História foram, certamente, quando ruiu o Império Romano do Ocidente e a Europa viu-se invadida pelas primeiras hordas bárbaras. Os francos eram de um barbarismo o mais rude que se possa conceber. Mas com o passar do tempo foram sendo civilizados, embora precariamente. Nos séculos VII e VIII as hordas representavam apenas pouco menos que a barbárie. Fora este, tão somente, e após tremenda luta, o modestíssimo fruto conseguido pela Igreja Católica. Alguns ela arrancara ao arianismo, convertera outros, e ia conseguindo um lento processo de mitigação e dulcificação dos costumes.”

Representação esquemática da “motte” medieval, primitivas “fortalezas” para proteção dos agrupamentos familiares iniciais

“Do norte, pelo mar, vieram os normandos, de igual rudeza. Em determinado momento, tomados de um furor navegatório, famílias, tribos, nações, o reino inteiro meteu-se em barcos e pôs-se a viajar. Iam em cascas de nozes, beliscando o litoral, saqueando, comendo, arrasando. Alguns de seus chefes intitulavam-se “reis do mar”. Nesta sanha chegaram até Constantinopla e invadiram Bizâncio, sempre assolando tudo, fazendo por vezes incursões profundas e deixando alguns pelas terras onde passavam, que continuavam a obra de destruição.

 Sobre esta imensa obra, ainda em começo, sopraram então, de modo verdadeiramente trágico, os tufões da adversidade. As torneiras do mundo não cristão se abrem, e catadupas de pagãos invadem a Europa. Da Rússia e da Prússia, regiões ainda desconhecidas, desceram bárbaros, ainda mais primitivos que os da primeira invasão, assolando, saqueando, reproduzindo os horrores antes perpetrados no Império Romano do Ocidente.

 De outro lado, vindos da Espanha e invadindo até o coração da França, surgiram os sarracenos. Atravessaram o Mediterrâneo, atacando alguns o sul da França e outros a Itália.

 Todas as forças infernais desencadeadas abateram-se sobre a Cristandade ocidental. O desastre foi imenso. Uma civilização que mal começa a se construir, nascida de um milagre – a conversão dos arianos e dos francos fora simplesmente milagrosa – e no momento em que inicia sua consolidação, sopram ventos tais que a tudo desconjuntam.

 O fato é histórico, e Funck-Brentano a ele se reporta, sem contudo poder ver, naturalista que é, o que se passou além da ordem da natureza. É um dos mais belos episódios da história da Igreja. Uma civilização que não tivesse os seus recursos sobrenaturais teria sucumbido. Teríamos visto o seu desabamento e o fim da obra. É fora de dúvida, contudo, que foi este desastre, em grande parte, a causa do nascimento do mais extraordinário regime político e social havido na história do mundo, o feudalismo.

 A família na origem do feudalismo

 Com efeito, os homens mais civilizados, horrorizados com o que sucedia, começaram a galgar os montes e montanhas, fixando-se nos pontos menos acessíveis. De tal modo que os normandos, passando, não tivessem vontade de atingi-los. Começaram, por outro lado, a fixar culturas e a construir casas por detrás dos pântanos, nos lugares chamados marécage, zonas pantanosas atrás das quais há regiões férteis. Os bárbaros, que percorriam os caminhos das grandes cidades, não os encontravam, por estarem escondidos por detrás dos pântanos, nas montanhas, nas regiões as mais inóspitas.

 Eram fugas desordenadas, levadas a efeito pelo pavor. Por isso fugiam, não cidades inteiras, mas grupos de famílias. E cada qual para onde podia.

 Em presença da rudeza da natureza e dos adversários que os atacavam de todos os lados, não tendo mais um Estado que os governasse – pois que os reis, fracos e sem nenhum poder, não podiam fazer chegar suas ordens a esses lugares absolutamente recônditos – ficaram reduzidos à célula inicial da sociedade, a família.

 Esta foi a organização natural primeira que lhes permitiu sobreviver. Apareceu então o paterfamilias desta célula que era ao mesmo tempo um pequeno exército, uma pequena unidade religiosa, um pequeno núcleo de produção, constituindo em cada ponto do território um pequeno país. Em cada um destes grupos sociais, um homem, em geral de envergadura maior, tomava a direção. Ele era o suporte natural daquela coletividade em debandada. Era um homem de personalidade muito ampla, dotado do poder de chefiar, da perspectiva dos perigos, da capacidade de organizar, e no qual todos encontravam ponto de apoio. Ele organizava a vida. Sua prole herdava suas qualidades e herdava suas funções.

 Em torno deste homem e desta família princeps começaram então a se aglutinar as famílias dos fugitivos, constituindo pequenas unidades sociais, que eram naturalmente monárquicas e familiares. Monárquicas pela presença de uma autoridade única inquestionável; familiares porque, em essência, o que havia era o chefe com sua grei, e depois os agregados que ali entravam como pessoas admitidas, toleradas, semi-assimiladas, mas que não constituíam propriamente a essência daquela unidade, que se consubstanciava no chefe e na sua família.

Funck-Brentano dá-nos uma descrição em extremo pitoresca – no que ele é exímio – de uma dessas pequenas aldeias de tipo fundamentalmente familiar, que vai se formando. Ele descreve o pitoresco dos primeiros trabalhos, a derrubada das árvores centenárias, a construção das primeiras choupanas, o primeiro aproveitamento do solo, as primeiras colheitas, as primeiras batalhas, o pequeno exército familiar que sai à luta, em defesa de uma família vizinha ou contra uma horda bárbara que se aproxima, a pequena indústria que vai nascendo das mãos da família. Começa a produção das armas, as mulheres tecem, aparecem certas criações, como a das abelhas. Tudo isto faz de cada família um pequeno mundo, e no centro está o chefe.”

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Pretendemos, em próximo artigo, fazer uma aplicação das considerações de Funck Brentano ao Brasil de 2021.

https://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_660601_As_Estirpes_nas_origens_da_Idade_Media.htm

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