Se é verdade que o ambiente no qual se vive molda a pessoa, o mesmo se pode dizer do ambiente em que se reza. Era por isso que nos bons tempos quando havia fé, as igrejas eram os edifícios mais belos e elevados das cidades, onde as pessoas encontravam um ambiente propício para a oração, isto é, elevavam suas mentes a Deus.
Poder-se-ia dar mil exemplos disso, mas hoje nos ocuparemos em mostrar como a arquitetura religiosa marcou o catolicismo num país onde hoje ele é minoria: Inglaterra. Antes de entrarmos na matéria, vejamos como o catolicismo foi praticado naquele país nos primeiros séculos do Cristianismo e principalmente durante a Idade Média.
Com efeito, foi tão florescente que lhe deu o epíteto de “Ilha dos Santos”. Mas, no século XVI, o lúbrico rei Henrique VIII [quadro ao lado] rompeu com a verdadeira Igreja para se casar com Ana Bolena, declarando-se, pelo Ato de Supremacia, o “novo e supremo chefe da Igreja na Inglaterra”, dando origem à chamada Igreja Anglicana.
Em consequência, a religião católica foi banida e perseguida por quase dois séculos. E por um decreto de 1701, nenhum “papista” poderia suceder ao trono inglês. Mesmo depois de ser criado o Reino da Grã-Bretanha em 1707, os católicos continuaram excluídos das votações, de concorrer ao Parlamento, e de exercer algumas profissões liberais.
Essa situação foi um pouco atenuada em 1778, com chamados Atos Papistas, que passaram a permitir aos católicos o possuir propriedade privada, herdar terras, e mesmo a servir no exército. Essas medidas provocaram vários distúrbios por parte dos anglicanos, o que mostra a profundidade do sentimento anticatólico no país.
Um fator externo veio concorrer para uma mudança nesse sentimento. Por ocasião da Revolução Francesa, milhares de católicos franceses foram se estabelecer na Grã Bretanha. Esta, por sua vez, se aliou às nações católicas por ocasião das guerras napoleônicas, sobretudo Espanha, Portugal e a Santa Sé.
Isso concorreu para que lentamente surgisse novo ânimo em relação aos filhos da verdadeira Igreja. Tanto é verdade que em 1829 o Parlamento aprovou o Ato de Ajuda Católica, que concedia aos católicos direitos civis quase iguais aos dos protestantes, incluindo o de votar e de trabalhar em repartições públicas.
Embora ainda não reconhecida oficialmente pelo Governo, a Igreja Católica contava já com um bom número de fiéis. Dela já faziam parte cerca de 50 mil membros das famílias católicas tradicionais — recusantes — acrescidos por um grande fluxo de imigrantes católicos irlandeses que fugiam da Grande Fome Irlandesa.
De maneira que, de 224 mil católicos em 1841, eles passaram para 419 mil em 1851. A esses dois grupos se somou um terceiro composto de convertidos da Igreja Anglicana, notadamente do Movimento de Oxford, entre os quais os futuros Cardeais Newman e Manning, segundo arcebispo de Westminster, e os emigrados franceses.
Na Idade Média foram construídas na Inglaterra várias e muito belas catedrais em estilo gótico, que até hoje são testemunhas da fé daqueles verdadeiros católicos. Com a revolta de Henrique VIII no século XVI, a Igreja ficou, como vimos, totalmente proscrita. Depois do Ato de 1829, a arquitetura católica se desenvolveu de modo considerável.
Uma figura exponencial surgiu entre os arquitetos católicos, Augusto Pugin (1812-1852) [quadro ao lado]. Sua curta e dinâmica vida, transformou a forma como os ingleses — católicos e anglicanos —, viam a arquitetura eclesiástica. Herdou do pai as habilidades de desenhista, decorador e crítico de arte, tornando-se pioneiro do neogótico na Inglaterra.
Infelizmente o pai, como muitos emigrados franceses oportunistas, para terem mais facilidade no trabalho e na vida social, perverteram-se para o anglicanismo. Sua esposa, também protestante, levava o pequeno Augusto para assistir aos serviços religiosos da igreja presbiteriana escocesa.
O menino não se sentia à vontade nela pois sempre manifestou desagradado com as formas frias e estéreis da igreja escocesa; e no momento em que se libertou dos obstáculos impostos a ele por sua mãe, correu para os braços de uma igreja católica que, pomposa por suas cerimônias, era atraente para sua mente imaginativa.
Aos 22 anos, Pugin se converteu à Igreja Católica. A propósito, ele escreveu a um amigo: “Posso assegurar-lhe que, após investigação mais próxima e imparcial, estou convencido de que a Igreja Católica Romana é a única verdadeira e a única em que o estilo grandioso e sublime da arquitetura da Igreja [o gótico] pode ser restaurado”.
Em 1836 Pugin publicou seu livro Contrastes, no qual defendia “a maravilhosa superioridade” da arquitetura medieval sobre a moderna. Nesse polêmico livro ele propugnava não só o renascimento do estilo gótico medieval, como também “um retorno à fé e às estruturas sociais da Idade Média”.
Construiu ele a sua primeira igreja gótica, a de Santa Maria, em 1839, em Derby, para o 16º Conde de Shrewsbury. O futuro Cardeal Wiseman observou: “Isso marcou a verdadeira transição da arquitetura de capela para igreja entre nós”. Depois disso, ele construiu ou projetou muitas obras na Inglaterra, Irlanda, e inclusive Austrália, entre as quais quatro catedrais.
Esse convertido católico se impôs como gênio decorador sempre lastreado na arte gótica. Seu trabalho culminante nesse ramo, e que até hoje é a admiração do mundo, foi o interior do Palácio de Westminster, onde funciona as casas do Parlamento britânico, e sua icônica Torre do Relógio, que abriga o conhecido Big Ben.
Em 1840, esse arquiteto infatigável construiu sua igreja favorita, a de Saint Giles Cheadle [foto ao lado e abaixo], da qual afirmou que era “a primeira coisa realmente boa que fiz”. Augusto Pugin, o renomado arquiteto genuinamente católico faleceu prematuramente no dia 14 de setembro de 1852, com apenas 40 anos de idade, deixando entretanto vários discípulos.
Na década de 1950, os construtores, influenciados pelo movimento litúrgico que surgia, escolheram construir igrejas brutalmente modernas. Tanto a catedral de Liverpool quanto a igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Harlow, apesar de construídas antes do Concílio Vaticano II, já têm uma forma circular.
O modernismo alentado pelo Concílio provocou um tremendo impulso com as reformas litúrgicas exigidas pela nova mentalidade. Muitos arquitetos católicos passaram a construir igrejas seguindo estas novas ideias. É preciso dizer que a maior delas com o tempo perderam sua capacidade de atrair mesmo os católicos.
Seja como for, depois de 1975, com a drástica diminuição dos fiéis, praticamente cessou a construção de novas igrejas na Inglaterra. O único arquiteto católico atual com prática eclesiástica é Antônio Delarue, que se dedica a restaurar as igrejas que, em consequência do Concílio, foram vandalizadas por sacerdotes modernizados.
Hoje, com a debandada quase generalizada dos fiéis as igrejas se esvaziaram, e é pouco provável que se construam novas igrejas na Inglaterra, como vem acontecendo em quase todo o mundo. Assim, vemos uma tradição de arquitetura católica de mais de 200 anos chegar drasticamente ao fim. Que Nossa Senhora tenha pena da Igreja.