São Jerônimo assim nos descreve o Evangelista São Lucas, cuja festa comemoramos hoje: “Era  discípulo e companheiro inseparável de São Paulo; nasceu em Antioquia, exercia a profissão de médico; ao mesmo tempo, cultivava as letras e chegou a ser muito versado em língua e literatura gregas. Seu gosto literário ressalta nessa preciosa História [Atos dos Apóstolos] que nos deixou da origem do cristianismo, mais completa em muitíssimos pontos que a dos demais evangelistas, melhor ordenada e de mais agradável leitura”.

No século I da Era Cristã, Antioquia da Síria era muito celebrada pela sua agradável situação, esplendor de seus monumentos, riqueza de seu comércio, progresso de sua civilização e, infelizmente, também por causa dos seus depravados costumes pagãos.

Nela ocorreu que, segundo São Lucas narra nos Atos dos Apóstolos, “Os que, por motivo da perseguição suscitada por causa de Estevão, se haviam dispersado, chegaram até à Fenícia, Chipre e Antioquia … havia entre estes alguns homens de Chipre e de Cirene que, chegando a Antioquia, pregaram também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e um grande número creu, e se converteu ao Senhor” (11, 19-21).

A igreja de Antioquia cresceu de tal maneira, que foi nela que, pela primeira vez, os seguidores de Jesus Cristo receberam o nome de “cristãos”. De maneira que os Apóstolos enviaram para lá São Barnabé para organizar os cristãos, e este chamou São Paulo para ajudá-lo.

Essa borbulhante cidade foi depois a primeira Sé de São Pedro antes de ele se mudar para Roma. E foi nela que nasceu e estudou o que seria o evangelista Lucas, autor do 3º. Evangelho (o 1º. é o de São Mateus, o 2º. o de São Marcos, e o 4º. de São João) e dos Atos dos Apóstolos.

Não parece que Lucas era judeu de religião, se bem que mostre um conhecimento detalhado do judaísmo, de seus ritos e cerimônias. É mais provável que tenha sido pagão e depois prosélito do judaísmo, mas não chegou a ser circuncidado. Pois São Paulo, em sua Epístola aos Colossences, depois de citar “todos os da circuncisão”, passa aos demais, entre os quais cita “o muito amado Lucas, médico” (4, 10-14). O que leva a supor que ele tenha sido pagão, grego de estirpe, e que, ao conhecer o cristianismo, o tenha abraçado com fervor.

 Crê-se que, segundo costume na época, depois de estudar em Antioquia, Lucas foi se aperfeiçoar na Grécia e no Egito, pois ressaltam os estudiosos que seu estilo é puro, exato, elegante.

Em geral aponta-se sua conversão à época em que São Paulo e São Barnabé pregaram na nascente Igreja de Antioquia (At 11, 22 e ss.).

São Lucas afirma que escreveu o seu Evangelho com os fatos que “nos referiram os que, desde o princípio, os viram e foram ministros da palavra” (1, 2). Quer dizer, com base em testemunhas oculares daquilo que narra.

Entre essas testemunhas ele pôde consultar São Pedro e os demais Apóstolos e Discípulos, as Santas Mulheres, e há quem avente mesmo a hipótese de ele ter recebido informações preciosas da própria Mãe de Deus. Daí ter sido ele o único Evangelista a falar da Anunciação, da visita a Santa Isabel com o excelso cântico do Magnificat, do nascimento do Menino Jesus em Belém, da adoração dos pastores, da Circuncisão, Apresentação no Templo e purificação de Maria Santíssima, e da perda e encontro do Menino Jesus entre os Doutores da Lei. Para tudo isso, a melhor ou única fonte fidedigna era a própria Santíssima Virgem. Pelo que seu Evangelho mereceu ser chamado por alguns de O Evangelho de Maria Santíssima. Com efeito, alguém disse com propriedade que “dentre esses informantes, sobretudo nos primeiros capítulos do seu Evangelho, pode-se ouvir ainda a voz suave da própria mãe de Jesus”.

É mais provável que São Lucas tenha se unido a São Paulo, como defende Santo Irineu, quando este embarcou para Troade, na Macedônia, em sua segunda viagem missionária, no ano 51. É quando os vemos pela primeira vez juntos. A partir daí os dois apóstolos não se separarão mais, a não ser por intervalos e quando as necessidades das novas cristandades o pediam. Lucas aparece sempre como discípulo afeiçoado e colaborador zeloso do Apóstolo das Gentes.

O evangelista foi chamado também “o escritor da mansidão de Cristo”, porque em seu Evangelho ressalta muito a bondade misericordiosa e a paternal benignidade do Filho de Deus, como se expressam em suas parábolas. O que se nota principalmente nas da ovelha perdida, do filho pródigo, do bom samaritano, e sobretudo no dolorido olhar de Jesus a Pedro depois de suas negações.

Por outro lado, em seu Evangelho de uma simplicidade encantadora, como diz o hagiógrafo Pe. Giry em sua Vies des Saints, “as ações e a doutrina do Salvador nele são apresentados da maneira mais tocante; cada palavra encerra mistérios ocultos, oferece riquezas infindas”, além do que “a dignidade com a qual nos são apresentados os mistérios mais sublimes, que estão acima de toda expressão e de nossa maneira de conceber as coisas criadas, essa dignidade na qual não se encontra nenhuma palavra pomposa, tem qualquer coisa de divino”.

         São Lucas, acrescenta Frei Justo Perez de Urbel, “possui ademais o sentido da história, e da história considerada como auxiliar da fé. Ele quer fazer um relato ‘seguido e ordenado’; para isso, como não esteve presente nos acontecimentos da vida do Senhor, ‘examinou cuidadosamente as coisas desde sua origem’, e consultou ‘os que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra’; tudo, a fim de que Teófilo [a quem dirige seus livros] ‘reconheça a solidez dos ensinamentos dos que o catequizaram’ (Cfr Luc 1, 1-4”.

Tudo indica que o autor do terceiro Evangelho permaneceu virgem. Segundo Santo Epifânio, após o martírio de São Paulo São Lucas pregou na Itália, na Gália, na Dalmácia e na Macedônia. Embora alguns afirmem que ele sofreu o martírio, a opinião mais aceita é a de que ele faleceu de morte natural aos 84 anos de idade, na Bitínia. Mas como enfrentou muitos perigos pela fé de Cristo, é considerado por muitos como mártir.

         Suas relíquias, que no século IV se achavam em Tebas da Beocia (Grécia), foram trasladadas para Constantinopla em 357 a pedido do Imperador Constâncio, filho de Constantino, sendo depositadas na igreja dos Santos Apóstolos com as de Santo André e São Timóteo. O Cardeal Barônio diz que São Gregório Magno levou para Roma a cabeça de São Lucas quando voltou de sua nunciatura em Constantinopla, e a depositou na igreja do mosteiro de Santo André, que ele tinha fundado, no Monte Célio. Atualmente o corpo desse Evangelista é venerado em Pavia, na Itália.

Se se aplica aos quatro evangelistas as representações simbólicas mencionadas pelo profeta Ezequiel, São Lucas é representado pelo boi, como emblema dos sacrifícios, pois ele é o evangelista que mais insiste no sacerdócio de Jesus Cristo.

O Martirológio Romano Monástico diz dele neste dia: “Grego, originário de Antioquia, é chamado pelo Apóstolo Paulo de ‘médico bem amado’. Foi seu fiel companheiro durante parte de suas viagens missionárias e na prisão. Escritor cultivado, é o autor do terceiro Evangelho, no qual se faz arauto da misericórdia divina, assim como dos Atos dos Apóstolos, onde mostra a difusão universal da mensagem cristã”.

Já o Martirológio Romano diz dele: “Na Bitínia, o natalício [para o céu] do bem-aventurado evangelista Lucas, que muito sofreu pelo nome de Cristo, e morreu cheio do Espírito Santo. Seus ossos foram mais tarde levados para Constantinopla, e de lá trasladados para Pádua”.

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