O Mensalão ou “de novo os pacatos?” ou…

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De um trecho da entrevista de André Singer concedida a Paulo Werneck, editor do caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo (19/8/2012), – veja o box no final – pode-se inferir que o “lulismo” aparentemente desbastou arestas ideológicas na tentativa de obter um consenso entre os conservadores e a esquerda radical. A fórmula consistia em esconder as garras das medidas sócio-políticas mais esquerdizantes e apresentar um certo sorriso para medidas de ordem econômica mais liberal.

Entretanto, essa formulação pseudo-anódina se ressentia da oposição cada vez mais insatisfeita dos radicais de esquerda que queriam implantar uma república socialista já que haviam conquistado o poder. Urgiam por medidas de teor mais esquerdista como a reforma agrária e políticas de deterioração moral da sociedade como a imposição da aceitação do homossexualismo, o que redundou no PNDH-3.

A reação da classe média e pobre mais conservadora e mais sensível a questões morais impulsionaram movimentos verdadeiramente populares contra a tendência cada vez mais anticonservadora do lulismo e nas eleições de 2010 aquelas questões vieram à baila: o aborto, homossexualismo.

Os candidatos à presidência da era pós-Lula foram obrigados a utilizar do artifício de serem, eles também, religiosos para apaziguar a crescente onda de insatisfação. A então candidata Dilma nessa tentativa foi ao santuário de Aparecida e assistiu à missa, mas na hora de persignar-se inverteu o sentido da cruz.

A denúncia do mensalão exerceu o papel de catalisador que produziu a cristalização de duas posições antagônicas: o lulismo e o conservadorismo. Tornando definitivo, segundo o próprio André Singer, a guinada do público para um afastamento do lulismo.

Singer tem sua explicação, porém, quem melhor pode explicar essa guinada é Plinio Corrêa de Oliveira. Décadas antes de Singer, ele já alertava na própria Folha de São Paulo: Cuidado com os pacatos!

“O que nos ensina isto? – Que o êxito da esquerda só tem possibilidade de ser durável na medida em que ela o saiba compreender. E, analogamente, o centro e a direita só continuarão a representar um papel marcante na vida brasileira se souberem adaptar-se a tal.

“Quero ser ainda mais concreto. Se a esquerda for açodada na efetivação das reivindicações “populares” e niveladoras com que subiu ao poder; – se se mostrar abespinhada e ácida ao receber as críticas da oposição; – se for persecutória através do mesquinho casuísmo legislativo, da picuinha administrativa ou da devastação policialesca dos adversários, o Brasil se sentirá frustrado na sua apetência de um regime “bon enfant” de uma vida distendida e despreocupada. Num primeiro momento, distanciar-se-á então da esquerda. Depois ficará ressentido. E, por fim, furioso. A esquerda terá perdido a partida da popularidade.

“Em outros termos, se os esquerdistas, ora tão influentes no Estado (Poderes 1, 2 e 3), na Publicidade (Poder 4) e na estrutura da Igreja (Poder 5), não compreenderem a presente avidez de distensão do povo brasileiro, deixarão de atrair e afundarão no isolamento. Falarão para multidões silenciosas no começo, e pouco depois agastadas.

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“A História dá inúmeros exemplos de regimes que não se mantiveram porque não souberam entender coisas destas. Soube compreendê-las, por exemplo Luís XVIII o monarca criptoesquerdista, voltairiano e ladino. Por isto morreu tranqüilamente no trono da França em 1824. Sucedeu-lhe Carlos X, seu irmão cavalheiresco, distinto e gentil como um raio de sol, deleitável no trato como um favo de mel. Mas ele era um bom direitista, ao qual faltava (como isto é freqüente entre direitistas….) qualquer sutileza política.

“Pôs-se ele a governar contra a esquerda com um afinco e uma precipitação que pôs aos berros o setor visado. A bem-amada modorra se foi rarefazendo. A maioria abandonou Carlos X que caiu no vácuo. Substituiu-o – grande “virtuose” em operar distensões – Luís Felipe, o rei burguês, o “rei-guarda-chuva”, o qual ficou no trono até que, cansada por fim de pacatez, em 1848 a França o atirou ao chão.

* * *

“O Brasil de hoje quer absolutamente pacatez. Se a esquerda vitoriosa não souber oferecê-la, esvanecer-se-á. Se o centro e a direita não souberem conduzir sua luta num clima de pacatez, terá chegado a vez deles se esvanecerem.

“Bem concebo que algum leitor exasperado me pergunte: mas, afinal, quem ganha com essa pacatez? – Até aqui não tratei disto. Mostrei que perderá quem não souber ter.

“Quem ganhará: a direita? o centro? a esquerda? – Quem conhecer as verdadeiras fibras da alma brasileira e souber entrar em diálogo pacato com essas fibras. Seja governo, seja oposição, pouco importa. A influência será de quem saiba fazer isto.”

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Leia abaixo trecho da entrevista de André Singer à Folha de São paulo.

Folha – Embora não esteja no foco da análise, o livro mostra como o mensalão catalisou o antilulismo. O mensalão aglutina insatisfações?

André Singer – Foi o ponto em que a classe média definitivamente se afastou do que depois veio a ser o lulismo. Esse é o momento em que o lulismo e o antilulismo se cristalizam. A minha hipótese é que houve um percurso algo silencioso, um pouco subterrâneo, de mudanças importantes, que ocorreram ao longo do primeiro mandato do ex-presidente Lula.

Essas mudanças acabaram por cristalizar uma nova polarização política, que se expressou nas eleições de 2006. Se você pegar a curva de intenção de votos pelo Datafolha desde o começo de 2006, quando ainda as pessoas não estão muito ligadas na questão eleitoral, e for vendo como isso transcorre ao longo de 2006, percebe que a configuração já é outra, bem diferente daquela que tinha se dado em 2002.

Houve esse deslocamento de apoios: de um lado, os eleitores mais pobres se aproximando do Lula, e, de outro, os eleitores de renda mais alta se afastando. Essa clivagem não tinha ocorrido no Brasil desde 1989, quando aconteceu no sentido inverso: Lula ganhou no segundo turno em todas a faixas de renda, menos na mais baixa, e Collor perdeu em todas, menos na mais baixa.

Isso mostra como esse eleitorado mais pobre é muito mais importante do que se costuma pensar. Se você cruzar o apoio ao governo Lula com a renda familiar, percebe que, em 2005, com a divulgação das notícias do mensalão, começa a haver perda de apoio nos segmentos de classe média, a partir de cinco salários mínimos de renda familiar. Minha hipótese é que essa perda de apoio, vou usar uma palavra um pouco forte, pois na história as coisas acabam por mudar, é definitiva. Eu creio que seja uma mudança de longo prazo.

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