A Rosa de Ouro da Princesa Imperial

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Em continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste site ontem (12-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.

Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, com a “Rosa de Ouro” 

Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 14 de julho de 1946

Segundo notícias veiculadas pela imprensa, acaba de chegar da Europa S. A. o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, que trouxe consigo a “Rosa de Ouro” doada pelo Santo Padre Leão XIII à Princesa Isabel. Segundo consta, essa preciosa joia será doada à Catedral do Rio de Janeiro, por ocasião do 1º Centenário do nascimento daquela ínclita Princesa.

O fato tem atraído a atenção de todo o nosso público, quer pela significação, quer pelo valor histórico e intrínseco da preciosa joia. E oferece ao “Legionário” a oportunidade de pôr em evidência a atuação da Santa Sé em um dos episódios mais marcantes da História brasileira.

Como se sabe, um dos títulos de glória da civilização cristã consiste em haver abolido a escravidão na Europa. Em todas as grandes civilizações pagãs da África e da Ásia, a escravidão era um instituto geralmente admitido e adotado. A Grécia herdou do Oriente esta tradição e durante toda a história helênica a escravidão existiu. Roma, herdeira da civilização grega, também conheceu a escravidão.

Fac-símile da Lei Áurea

É sabido que por várias causas, e especialmente em consequência das conquistas, os romanos, que consideravam escravos os prisioneiros de guerra, acresceram desmesuradamente o número dos escravos, que nos mercados de Roma um homem chegou a custar menos que um rouxinol.

Com os primeiros albores do Cristianismo, começou a luta lenta da Igreja contra a escravidão. Numerosos eram os senhores que libertavam seus escravos, em vida ou por testamento, para expiar seus pecados e dar glória a Deus. Sobrevindo a Idade Média, o destino dos escravos foi sendo lentamente melhorado, e por fim a escravidão cessou inteiramente em território europeu.

Pela primeira vez na História, um continente inteiro deixou de ter escravos, para só ter homens livres. E este imenso fenômeno de elevação social se verificou — como ulteriormente no Brasil — sem as perturbações tremendas que a libertação dos escravos trouxe nos Estados Unidos.

A Renascença foi uma verdadeira ressurreição do paganismo, e trouxe consigo uma ressurreição da escravidão. O homem cúpido e prepotente do Renascimento restaurou em terras da América o cativeiro. Lutando obstinadamente contra este fato, a Igreja conseguiu evitar de um modo geral o cativeiro dos índios. Mas não chegou a evitar o dos negros.

Ficava, pois, a nódoa. Era preciso apagá-la.

Desejoso de precipitar o desfecho da luta abolicionista, Joaquim Nabuco deliberou pedir, em apoio da causa, o prestígio e a influência de Leão XIII. E, atendendo ao pedido do grande brasileiro, o Santo Padre escreveu uma Carta Encíclica em que se mostrava favorável à libertação dos escravos no Brasil.

Costuma-se interpretar o gesto de Nabuco como sendo destinado especialmente a fazer pressão sobre a Princesa Imperial, católica modelar, a fim de conseguir dela o gesto de libertação final. O fato é que qualquer palavra do Pontífice teria por certo a maior ressonância junto à Princesa. Mas se bem que esta pudesse sentir uma ou outra hesitação quanto à oportunidade da medida, o fato é que a causa abolicionista já era causa vencedora no nobre coração de Da. Isabel.

Ninguém ignora que ela era abolicionista de todo o coração, a tal ponto que no próprio Paço Imperial seus filhos, ainda pequenos, confeccionavam um pequeno jornal abolicionista que circulava com grande irritação dos escravagistas.

De fato, a Carta de Leão XIII teve um alcance ainda maior. Nação profundamente católica, o Brasil sempre foi dócil à voz de Pedro. O vigor da opinião católica se atestou no Império tão claramente, por ocasião do “caso” de Dom Vital [Maria Gonçalves de Oliveira], que nem é necessário insistir sobre isto.

A palavra do Pontífice colocaria na caudal do movimento abolicionista a imensa massa católica do país. No plano puramente político, este efeito da Carta de Leão XIII talvez ainda não tenha sido devidamente apreciado por nossos historiadores.

E veio a abolição. Leão XIII quis dar, a este propósito, um testemunho de sua paternal admiração à nobre Princesa que assinara o decreto, e de aplauso ao povo que tão bem o recebera. Daí o enviar o Pontífice à grande Princesa brasileira a “Rosa de Ouro”, o mais alto testemunho de apreço que o Papa dá aos membros de Casa reinante.

Esta joia de inestimável valor põe, portanto, em foco, a figura de Leão XIII e da grande Princesa Isabel, e evoca uma página brilhante, a um tempo da História da Igreja e do Brasil.

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[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário]

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Homem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".

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