Na História da humanidade, exceto nos períodos de decadência, sempre existiram abundantes diferenças, mas em nossos dias estamos vivendo uma radical e truculenta guerra a elas.
Por exemplo, as diversidades de idades estão relativizadas. O que antigamente era “um homem feito”, hoje frequentemente é, como disse alguém, um “adulto de bolso.” Ou seja, um adulto infantilizado. Quase não conta mais, para os efeitos práticos, que a pessoa tenha ou não atrás de si muitos anos de sabedoria acumulada. Ou, se conta, é para que lhe seja negado emprego por “excesso de idade”, o que, conforme o ramo, já começa a acontecer aos 30 anos. Por mais que coloque de lado qualquer ideia de dignidade e procure parecer jovem, esportiva, risonha, a pessoa não conseguirá ter pleno trânsito, nem na sociedade em geral, nem mesmo entre seus coetâneos. Pleno trânsito quase só possuem os que, por sua condição, têm pouca experiência da vida.
Diz Dr. Plinio: “Ter a hierarquia do conhecimento invertida é uma experiência completamente nova em nossa sociedade. Por assimilarem a mídia digital com mais rapidez, crianças e jovens hoje têm uma autoridade em relação aos adultos que nunca tiveram”.[1] Por exemplo em termos de cibernética, quase sempre os mais jovens brilham, enquanto os adultos desbotam.
Fala-se em promover um “homem pardo”, ou um “homem bege”, a saber, a média cromática entre o branco, o preto, o vermelho e o amarelo. Um homem indeterminado, sem raça definida, destituído o quanto possível de características próprias. Assim, a pretexto de acabar com o racismo, seria corrigido um “erro” da natureza. Ora, a natureza é uma obra de Deus. Quem assim pensa, julga ter altura para corrigir a Deus?
A palavra “unissex”, tão corrente, mostra a tendência à fusão dos sexos, tanto quanto o permita a natureza. A voga do homossexualismo está para os sexos como o “homem bege” está para as raças. E o absurdo chocante do casamento homossexual é apresentado como “normal”, postas de lado absurdamente as diferenças mais primárias e mais evidentes.
Na França, está sendo aberto o casamento e a adoção aos casais do mesmo sexo como « uma exigência da igualdade », exigência esta publicada no famoso jornal católico La Croix.[2]
O meio termo em todos os campos é a grande obsessão. Observa Edgar Morin: “O homem se efemina: fica mais sentimental, mais terno, mais fraco. Ao pai autoritário sucede o pai maternal, ao marido-chefe o companheiro …. Inversamente, a emancipação masculiniza certas condutas femininas: a autodeterminação sociológica adquirida pela mulher se torna autodeterminação psicológica …. A mulher está presente por toda parte, mas a mãe envolvente desapareceu.”[3]
Quase não se notam mais as diferenças entre pais e filhos, esposas e concubinas, homens normais e tarados, sóbrios e bêbados, professores e alunos, patrões e empregados, ricos e pobres, índios e “cara-pálidas”, bem educados e cafajestes, civilizados e bárbaros, padres e leigos, história e devaneio, fato e versão, realidade e ficção, música e ruído, obras de arte e brincadeiras de mau gosto. Por vezes, fico pensando que ‒ por mãos humanas e por vezes mãos sacerdotais ‒ até o sagrado vai sendo despido de seus véus de mistério, para poder habitar no vale poluído de uma humanidade em liquidação de si mesma.
Manifestações de uma tendência ainda mais extremada apontam para amortecer as diferenças existentes entre os homens e os bichos. Fala-se cada vez mais em “direitos” dos animais, constroem-se hotéis para gatos (gatil), escovam-se os dentes de cachorros[4], promove-se suas luxuosas núpcias,[5] depois da morte seus corpos são enterrados em “cemitérios” com direito a lápide e flores, etc. De acordo com o projeto de Código Penal, o abandono de um cão é punido com de 1 a 4 anos de prisão, enquanto o abandono de incapaz, pelas regras atuais, merece apenas de 6 meses a 3 anos de prisão. O cão vale mais. Parece uma brincadeira de péssimo gosto![6]
Assim como muitas doenças apresentam uma fase aguda, à qual sucede um período crônico, talvez se possa dizer que o igualitarismo tem uma fase aguda e uma crônica. Hoje as duas modalidades da doença atacam o organismo humano ao mesmo tempo. A fase aguda, ainda presente, seria representada sobretudo pelo socialismo. Mas agora estaríamos em presença do igualitarismo em sua fase crônica, e portanto mais insidiosa. Pois, como se sabe, tratando-se de doenças, a fase crônica é muitas vezes de cura mais difícil que a aguda. E, além disso, mais difícil de diagnosticar e perceber.
Os autores pós-modernos, analisando a situação de seu ângulo, chegam a conclusões semelhantes. Por exemplo, Edgar Morin também recorre a uma metáfora médica. Ele fala de um período de neurose, a que se seguiu outro de necrose.[7] Estaríamos no segundo período. É outra maneira de expressar a mesma realidade.
Tudo se vai tornando amorfo, o que traz uma consequência importante. Os homens individualmente e em conjunto deveriam ser uma imagem de Deus mas, com sua conduta, a humanidade está se jogando na negação dessa imagem. Seria como um paredão de pedra que, em vez de devolver, sob a forma de eco, as palavras pronunciadas, fizesse ouvir sons desagradáveis, injúrias e palavrões.
A síncope da ordem, o colapso da família, a gangrena da massificação progressiva, a perda de respeito pela vida, a degradação do convívio social, tudo isso configura uma forma de revolta que consiste em conspurcar aquilo que deveria ser uma imagem de Deus. Mas independente do fato bruto e inelutável da existência das diferenças, há quem as pretenda negar. Ou então pregar a “indiferença às diferenças”.
Não é isso viver fora da realidade?
[1] “Isto é”, 9-4-2000.
[2] Christiane Taubira, ministra da Justiça da França (La Croix, 10-9-12).
[3] Ibid.., I, 140 e 152.
[4] “O Estado de S.Paulo”, 1-2-99, A9.
[5] “Mulher gasta R$ 500 mil em casamento de cachorros” (O Estado de S. Paulo, 13-7-12).
[6] “O homem, dotado de alma espiritual, foi colocado por Deus acima da escala dos seres vivos, como príncipe e soberano do reino animal” – Pio XII, Alocução de 30-11-1941.
[7] Edgar Morin, Cultura de Massas no Século XX. 2. Vols., “Neurose” e “Necrose” (Rio: Forense Universitária, 3ª ed., 1999).
a propósito, acabo de ler o seguinte artigo, profundamente revolucionário, anárquico e decadente, que peço permissão para compartilhar:
http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-34–52-20120924-201209251-1-415280
24/09/2012 — 12h20
Nem hetero, nem homo ou bi… Entenda o pansexualismo
Desde que Alfred Kinsey fundou o Instituto de Pesquisa sobre Sexo, seus estudos influenciaram os valores sociais, morais e culturais dos Estados Unidos na década de 60, no que diz respeito à sexualidade. Seus trabalhos foram concomitante ao início da chamada Revolução Sexual e até hoje os conceitos abordados são fundamentais para a compreensão da diversidade. A Escala de Kinsey tentava abarcar as inúmeras orientações sexuais, que vai desde heterossexualidade exclusiva, passa pelabissexualidade, bem no meio da escala, a homossexualidade exclusiva e termina com a assexualidade.
A bissexualidade, especificamente, elege como objeto de desejo homens e mulheres, sem distinção. Não precisa escolher porque não há distinções e a libido direciona-se igualmente para ambos os gêneros. A androginia, interligada à bissexualidade, por exemplo, recusa asimposições sociais, pois não existe um ideal masculino e feminino para se corresponder. Não precisa renegar em si as características do outro gênero.Defende-se a ideia que ninguém deve ser fragmentado quanto à sua identidadesexual. A coesão e harmonia entre os gêneros são totalmente plausíveis. Sustentam-se os interesses afetivos, sexuais e posicionamentos sociais.
O bissexual apropria-se da mentalidade androgênica e transfere ao campo dos prazeres a possibilidade de se envolver sexualmente com homens e mulheres, sem cogitar nenhum tipo de indecisão pessoal. Tampouco é medo de assumir uma ou outra orientação sexual, ideia muito difundida na sociedade e que não condiz com a realidade bissexual, que, de fato, posiciona-se de maneira dualista. É diante deste cenário que surge o pansexualismo. O prefixo “pan” significa tudo ou todos e, conceitualmente, uma orientação sexual muito mais ampla do que a bissexualidade.
O pansexual não se limita ao sistema binário, masculino ou feminino, mas seu objeto de prazer abrange homens, mulheres, transexuais, operados ou não, assexuados, drag queens ou drag kings. Os omni-sexuais ou oni-sexuais, termos usados também para designar o pansexual, afastam-se do exclusivismo de gêneros ou do essencialismo do bissexual. As relações estabelecidas acontecem mediante ao prazer vivenciado. O vínculo sexual e amoroso acontece conforme características de personalidade, ou seja, o pansexual se relaciona de acordo com as necessidades e reciprocidades. Rompe as fronteiras dos gêneros e abre um precedente, qualquer um é alvo de seu investimento libidinal.
Essa categoria de gênero dá início a algo para além do masculino, feminino ou transgêneros, que são as pessoas que transitam entre os dois gêneros oficiais, homem ou mulher. O próprio transgênero transformou-se em um leque de tendências. Os pangêneros, por sua vez, convivem bem com o sexo anatômico, muito embora, por uma convenção social implícita,moldam-se e representam papéis sociais de acordo com o gênero do seu sexo oposto, através de roupas, comportamento típico, maneirismo e estereótipos, mas sem se enquadrar a nenhum gênero binário.
É importante salientar que pansexualidade não é condição sexual. Condição sexual está ligada a um aspecto natural como na intersexualidade associada ao hermafroditismo; ou é uma identidade sexual como no caso da homossexualidade. O pansexual está ligado a uma orientação sexual que implica desejo, cuja fluência do prazer vai calcar a busca do objeto deamor, ou seja, o pansexual orienta-se através de suas preferências sexuais. A Identidade de gêneros corresponde a como nos reconhecemos dentro dos padrões de gênero estabelecidos socialmente. Os pangêneros se identificam com os padrões de gêneros e consideram todas as orientações, condições e identidades potencialmente aptas a satisfazer seu desejo.
Diante do fato de a satisfação sexual ainda estar ligada a gênero, o pansexual tende a ter dificuldade quanto a esse preceito social. Estas ramificações sexuais, denominações que mais parecem um grande quebra-cabeça, nos conduzem a possibilidades antes desconhecidas, nas quais nossas identidades de gêneros, moldadas pela sociedade, pela cultura e pela história, não nos permitem vislumbrar a grandiosidade da sexualidade humana. Fato é que os rótulos sexuais segregam e não unem. Transformar nossos preconceitos em compreensão; estender o olhar e enxergar além das denominações e opiniões simplórias e imediatistas deveriam constituir a verdadeira condição de convívio entre os seres humanos.
*Por Breno Rosostolato, professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina.
O articulista foi muito feliz ao descrever o que eu considero o câncer de nossos dias: a busca desenfreada da igualdade a todo custo. Essa busca leva verdadeiramente esta sociedade a vivermos fora da realidade, até mesmo biológica.