Formação: O verdadeiro perfil do católico em nossos dias

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Continuamos nosso curso de formação moral. Os dias que correm exigem do católico uma fé destemida, uma vontade forte, uma sensibilidade afinada. A Revolução, em nossos dias, mostra a sua face total: desde o progressismo ao socialismo dos lockdowns; desde as missas afro até o cerceamento das missas tridentinas; desde a conexão íntima entre ideologia de gênero, aborto, passaporte sanitário e Great Reset.

Artigo publicado em Catolicismo, aborda o perfil moral do católico que vive na sociedade temporal.

São João de Capistrano incentivando as tropas católicas em plena batalha de Belgrado, defendendo a Civilização Cristã

A Igreja chama a uma perfeição moral

“O ponto de partida destas considerações se localiza em uma verdade fundamental, e por isto mesmo muito conhecida. Não há o que disponha mais as almas para aceitar os argumentos de credibilidade e fazer o ato de fé, do que o conhecimento do que seja a verdadeira santidade. Em outros termos, a Igreja ensina aos homens um ideal de perfeição moral. Este ideal é extremamente árduo, e exige terríveis sacrifícios. Evidentemente, o receio destes sacrifícios mantém muitas almas arredias da Religião. Para não reconhecerem a necessidade de suportar o jugo dos Mandamentos, aceitam sem maior exame, e muitas vezes com sofreguidão, quaisquer argumentos que encontrem contra a doutrina católica. E, de outro lado, submetem em seu foro íntimo todos os ensinamentos da Igreja a um exame hiper-crítico, unilateral e apaixonado, procurando de todos os modos argumentos que lhes permitam continuar fora dela.

O melhor modo de vencer este estado de espírito consiste em mostrar aos não católicos, em suas verdadeiras cores, a sublime perfeição moral a que a Igreja chama os fiéis, e despertar neles a admiração por esse ideal, juntamente com o desejo de o realizar em si mesmos. Não foi de outra maneira, que o Cristianismo venceu a Roma pagã. Se bem que a austeridade da Religião de Jesus Cristo desagradasse à sensualidade, à moleza, ao orgulho dos pagãos, entretanto muitos houve que se deixaram empolgar pela consideração das virtudes que brilhavam nos cristãos, e se sentiram propensos a aceitar os maiores sacrifícios a fim de realizar em si mesmos estas virtudes. É supérfluo encarecer quanto este movimento de alma predispunha os espíritos a julgar sadiamente as coisas, e a realizar o “rationabile obsequium” do ato de fé.

Na história de todas as conversões, encontra-se qualquer coisa disto, mais ou menos explicitamente, mais ou menos marcadamente; e em todo o caso, sem que alguém professe admiração pelo ideal de perfeição moral praticado e ensinado pela Igreja, a conversão, em todos os tempos, é impossível. De onde decorre ser altamente desejável que este ideal seja bem conhecido pelos não católicos. 

A perfeição moral e a emenda da vida

O mesmo se poderia dizer, mutatis mutandis, dos católicos. Também para nós, católicos, uma “conversão” é possível. Convertemo-nos quando passamos de uma vida má, ou pelo menos tíbia, para uma vida fervorosa. Esta conversão implica sempre em uma mais perfeita prática dos Mandamentos. E, por sua vez, o católico só se resolve a esta prática quando, tocado pela graça, se sente penetrado de compreensão e admiração do que seja a virtude cristã. Sem que alguém admire uma virtude, não é capaz dos sacrifícios – muitas vezes heróicos – que sua prática supõe. De outro lado, impossível é que conheçamos e admiremos uma virtude, sem que experimentemos o desejo de a realizar em nós. Assim, pois, o afervoramento dos fiéis – tema de importância suma em um país como o Brasil, em que a população é quase unanimemente católica, mas em que os católicos em sua grande maioria não têm fervor – depende também de um conhecimento exato, e de uma profunda admiração pela santidade. 

Um problema básico

A conversão dos infiéis, o afervoramento dos fiéis, nisto se compendia todo o esforço do apostolado cristão. Se para um e outro ponto é de capital importância que se conheça e admire a santidade como a Igreja a ensina, é evidente a importância da seguinte pergunta: a generalidade dos homens, a generalidade dos fiéis gostaria de ser católicos fervorosos e completos? Em caso negativo, porque não? Sabem eles o que é um católico na plena acepção do termo?

Tornemos mais nítidos os contornos da questão. CATOLICISMO é especificamente uma folha para orientação da opinião católica. Seus leitores supõe-se que sejam católicos, com um nível de instrução religiosa e de fervor superior à média. Seria, pois, descabido perguntar-lhes se sabem no que consiste o ideal de perfeição moral ensinado pela Igreja. Consideremos um brasileiro mediano qualquer, ou seja o primeiro homem que encontramos diante de nós na rua, ao lado do qual nos sentamos no engraxate, ou que viaja a nosso lado no auto-lotação. E perguntemos a esse brasileiro mediano qual é a seu ver a fisionomia moral de um homem que se deixe influenciar inteiramente pela Igreja, pensando como Ela pensa, freqüentando assiduamente os Sacramentos, praticando à risca Sua moral. A maior parte das pessoas medianas a quem nos dirigirmos nos fitará no primeiro momento, um pouco surpresa e perplexa com a pergunta, pensará talvez um minuto ou dois, e responderá com toda a naturalidade: “… é claro, um tal homem ficaria um carola”.

Carola” é a deformação do católico

Convém não exagerar. Não queremos afirmar que a imensa maioria dos brasileiros de mentalidade religiosa standard respondesse assim. Mas é certo que em um muito grande número de casos a resposta será esta. “Um carola”, um “beato”, o que vem a ser isto? A pergunta apresenta grande interesse. Pois, para todos estes numerosíssimos brasileiros, existe a idéia de que se eles próprios se tornarem muito católicos ficarão “carolas” ou “beatos”. E sua atitude perante a Igreja será, portanto, influenciada a fundo pelo que pensarem a respeito de “carolice” e “beatice”. Pois dado que “carola” e “beato” lhes parecem coisas nefandas, consideram nefando ficar muito católicos. E, pelo contrário, dado que a “carolice” e a “beatice” lhes parecessem coisa decorosa e atraente, seriam propensos a se afervorar.

A questão, posta assim, penetra de tal maneira na trivialidade da vida quotidiana, é tão pouco acadêmica, tão pouco livresca que fará sorrir os sociólogos de gabinete. É natural. Não há coisa que um sociólogo de gabinete mais despreze, do que a realidade objetiva, crua, palpitante, a realidade – não dos romances, nem das academias, nem da literatrice sociológica – mas da vida quotidiana, em sua autenticidade absoluta, em seu aspecto prosaico, em seu sabor de verdade. Deixemos pois de lado os sociólogos de gabinete, deixemo-los com seu sorriso e sua sociologia, em seu gabinete, e vamos nós à realidade. 

O que é um “carola”?

Para a categoria de brasileiros de que falamos, a personalidade do carola ou do beato, outros diriam do “maricas”, se define mais ou menos assim:

1 – Ele se orienta muito mais pelo sentimento do que pela razão. Não tem propriamente opiniões, mas impressões. Crê, precisamente por isto. Sua fé seria um modo de satisfazer as aspirações de seus sentimentos. E não propriamente um “rationabile obsequium”.

2 – Por isto mesmo, também, é muito “bom”, esmoler, compassivo. Nunca se irrita, porque toda e qualquer irritação é defeito espiritual. Não luta, não combate, nem sequer para se defender: seria pecado. Não fala contra nenhum erro, nenhum vício: poderia ofender a alguém, e sempre que se causa desgosto a alguém, é sinal de que se pecou contra a caridade. Ademais, falar mal de quem quer que seja supõe anteriormente pensar mal. E sempre que fazemos de outrem um juízo desfavorável cometemos o pecado de juízo temerário.

3 – O carola entende muito de orações, pequenos fatos eclesiásticos, enfim tudo quanto se passa dentro do templo ou na sua vizinhança imediata: a sacristia, as associações religiosas, etc. Entretanto, fora disto nada lhe interessa. Nem política, nem economia, nem administração, nem ciências, e nem sequer os campos mais altos da cultura religiosa: filosofia, teologia. Quando muito abrirá exceção para a vida dos Santos. Mas neste caso procurará livros de gênero literário, que acentuem a todo o momento o lado emotivo e sentimental.

4 – Em matéria de caridade, será muito propenso a tudo quanto diga respeito à beneficência material. Curar ou diminuir dores materiais, é coisa de que certamente ele entende. Mas apostolado, salvar almas, curar dores espirituais, eis aí o que lhe parece secundário!

Tudo isto constitui, no conjunto, o que depreciativamente se poderia chamar um “rato de sacristia”. 

O “carola” e o homem contemporâneo

Que pensar de um católico assim? Em sua personalidade se congrega caracteristicamente tudo quanto há para o homem do século XX de mais desprezível. Em primeiro lugar, porque o “carola”, bem ou mal, é um idealista, e, de certo modo pelo menos, um homem de Fé. Ele possui todas as grandes qualidades essenciais que o pagão do século XX abomina: puro de costumes e de linguagem, calmo, desapegado dos bens da terra, honesto, é ele a antítese mais flagrante do homem dinâmico, brasseur d’affaires, ou business man, que vive não para o Céu mas para esta terra; que deseja antes de tudo e acima de tudo enriquecer, honestamente se possível; que depois de um dia de trabalho agitadíssimo, encontra tempo e disponibilidades mentais para freqüentar as boites, os night-clubs, os dancings em que ficará até altas horas. Para um homem que endeusou assim a lascívia e o dinheiro, do que pode valer um “pobre coitado” que só pensa em Deus, seus Anjos e Santos?

Não é de espantar se, tudo somado, o “carola” seja, para o homem de negócios, para o sibarita, uma espécie de palhaço.

Não podemos passar adiante, sem dizer nossa opinião acerca desta crítica. Se devêssemos escolher entre os dois extremos, preferiríamos mil vezes o carola. Pois este ao menos não ofende gravemente, nem a Deus, nem à Igreja, nem ao próximo. De outro lado, se a mentalidade hodierna, em lugar de ser dominada pela sensualidade e pela ganância, não tivesse senão os defeitos do “espírito carola”, o mundo de hoje estaria talvez mais atrasado. Mas pelo menos não estaria, como está, às portas do abismo. 

O “carola”, caricatura do verdadeiro católico

Mas, isto não obstante, se não concordamos em ver no carola um palhaço, somos obrigados a dizer com toda a sinceridade que vemos nele uma caricatura. Triste e perniciosa caricatura do que o verdadeiro católico deverá ser.

Segundo a doutrina católica, a Lei de Deus preceitua para o homem um procedimento em harmonia com a própria natureza humana. Assim, desde que o homem conforme todos os seus pensamentos e seus atos à Lei de Deus, deve forçosamente vencer tudo quanto moralmente o limita, o deforma, o degrada; e deve desenvolver tudo quanto realiza plenamente sua personalidade.

Assim, o fruto verdadeiro e próprio da piedade consiste em estimular de todos os modos a inteligência e a vontade, em elevar, afinar e disciplinar a sensibilidade. E um homem assim enriquecido em sua personalidade, quando posto diante das tarefas e das lutas da existência quotidiana, não pode deixar de se afirmar de modo excepcional, na adversidade como no sucesso.

É certo que para o bom católico o centro da vida é a Igreja, com Seu magistério, Sua vida de oração e de apostolado, de sorte que não só este seja o pólo de atração constante de seu pensamento, o móvel último de suas ações, mas o ponto de vista do qual considerará toda a vida.

Mas – note-se este particular – quanto mais alto o mirante, tanto mais vasto o panorama. A fé, longe de estreitar as vistas do fiel, amplia imensamente seu campo de visão. Política, economia, sociologia, História, artes, ciências, em tudo isto sua inteligência vê mais claro, precisamente porque vê mais do alto.

E porque o católico vê tão bem, tão de cima, tão a fundo, é ele não um homem de impressões sentimentais e cambiantes, mas um homem de convicções rijas, sadias, razoáveis, fecundas; em uma palavra, um homem de princípios.

Homem de princípios firmes implica em dizer homem de vontade forte. O católico tem que possuir uma têmpera exímia de realizador e de lutador. Pois os princípios o obrigam a uma luta constante, em que deve aprender, não só a discernir entre bons e maus, mas a desmascarar a maldade disfarçada em virtude, e a abater a impiedade cínica e insolente.

A este respeito, cumpre acrescentar que nada é mais falso do que imaginar que o católico jamais deve irritar-se. A ira, em si, é um movimento de sensibilidade – uma “paixão” diz a Filosofia – como os demais: nem bom nem mau. Será bom se vibrar conforme a razão, e mau se vibrar contra a razão. Se uma pessoa se irrita sem motivo, comete uma imperfeição. Se, de outro lado, tem justa causa para irritar-se, e permanece átona, também cai em imperfeição.

Comparando-se um homem estruturado segundo estes princípios, com o “carola”, bem se compreende como este é a mera caricatura daquele.

E de outro lado, quantas almas há, que entenderiam mais a Igreja, e ambicionariam mais a virtude, se se lhes explicasse que nossa Religião não tem por fruto próprio e normal formar carolas, mas homens como os que acabamos de descrever. “

Fonte: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/1952_015_CAT_Reflexoes_para.htm#.YdhH3mjMKMo

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