Comentários à Epístola de São Paulo a Timóteo (2 Tm 3, 14-16):
“Dou graças Àquele que me confortou, a Jesus Cristo, Nosso Senhor, porque me julgou fiel pondo-me no ministério a mim, que fui antes blasfemo e perseguidor e injuriador”.
Ele dá graças a Deus por ter sido posto no ministério eclesiástico e levado à excelsa categoria de Apóstolo, embora tenha sido antes um inimigo de Nosso Senhor Jesus Cristo.
“…mas alcancei a misericórdia de Deus porque eu fiz por ignorância, sendo ainda incrédulo”.
Quer dizer, muitas coisas ele não sabia, o que lhe servia de atenuante.
“Mas a graça de Nosso Senhor superabundou com a fé e a caridade que há em Jesus Cristo. Palavra fiel e digna de toda aceitação, Jesus Cristo veio a esse mundo salvar os pecadores, dos quais sou o primeiro”.
Ele reconhecia que era pecador; que Jesus Cristo veio ao mundo salvar pecadores como ele, então recebeu aquela superabundância de graça que o tornou o Apóstolo das gentes.
“Mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, sendo o primeiro, mostrasse a Jesus Cristo toda a sua paciência, para exemplo dos que há de crer nele para alcançar a vida eterna”.
Sendo ele o Apóstolo das gentes, um caso insigne da Igreja de Jesus Cristo, era bom que se provasse nele a misericórdia de Deus, a Quem tinha ofendido e por misericórdia tinha sido perdoado. E era bom, portanto, que essa misericórdia brilhasse em si.
Agora vem, então, a parte para nós mais sensível da epístola:
“Tu (Timóteo) persevera no que aprendeste e que te foi confiado, sabendo de quem aprendeste. Conjuro-te, diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu reino, prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, suplica, admoesta com toda paciência e doutrina, porque tempo virá em que muitos já não suportarão a sã doutrina, mas desejosos de ouvir coisas agradáveis cercar-se-ão de mestres segundo seus desejos e apartarão os ouvidos da verdade e os aplicarão às fábulas. Tu, porém, vigia sobre todas as coisas, suporta os trabalhos, faz a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério; sê sóbrio; porque quanto a mim estou para ser oferecido em libação e o tempo de minha dissolução se avizinha”.
“Estou para ser oferecido em libação”: era a vítima que estava para ser oferecida como holocausto; “o tempo de minha dissolução se avizinha”: o tempo em que se há de dissolver o ente dele, separando-se a alma do corpo.
“Combati o bom combate, acabei a minha carreira; guardei a fé, de resto, está-me reservada a coroa de justiça que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não só a mim, mas também a todos aqueles que desejam a sua vida”.
Estas palavras, que vamos analisar em seguida, foram pronunciadas por São Paulo no momento precisamente em que se divisava para ele a hora da morte. Essa epístola tem algo da gravidade de um testamento, das últimas palavras de um mestre a um discípulo bem amado, no momento em que esse mestre percebe que vai deixar a terra.
Quais são os conselhos que dá a esse discípulo?
Em primeiro lugar, diz ele: “há de vir um tempo em que muitos já não suportarão a doutrina, mas desejosos de ouvir coisas agradáveis cercar-se-ão de mestres segundo seus desejos”. Isso exatamente acontece em nossa época, mais do que em todas as anteriores. As pessoas não querem ouvir os mestres ortodoxos que dizem o que Jesus Cristo ensinou. Mas querem ouvir mestres segundo seus desejos. Ou seja, querem que a moral católica fosse relaxada para assim também levar uma vida relaxada. Então não dar ouvidos aos católicos que ensinam a moral católica como ela é, mas sim conforme diz o mau católico, o sacerdote traficante, que ensina a doutrina católica como ela não é, mas como se gostaria que fosse. Aceita-se qualquer nova heresia porque é agradável de ouvi-la. Esses que assim ensinam são mestres falsos, de acordo com os desejos dos homens. E exatamente em nossa época se dá isso. Muitíssimos não querem mais os mestres verdadeiros, muitíssimos querem mestres falsos segundo os seus desejos.
“E apartarão os ouvidos da verdade”.
Quando se procura ensinar a verdade, mostrar qual é a doutrina católica verdadeira, eles desviam os ouvidos.
“E os aplicarão à fábula”.
A “fábula” é mentira, imaginação, embuste. Eles não ouvirão a verdade, mas vão ouvir as fábulas, vão ouvir tantos erros que infelizmente circulam dentro da Santa Igreja e que as almas aceitam porque estão de acordo com seus instintos depravados, que facilitam a circulação de seus vícios e nos quais, portanto, eles acreditam.
Timóteo estava posto, assim, por São Paulo, em face da proximidade de heresias que iam se dar dentro da Igreja daquele tempo.
De fato, no tempo das catacumbas houve heresias. Mas sobretudo São Paulo previa os nossos tempos e os tempos do Anticristo. Seus conselhos não são apenas para Timóteo, mas para todos que ao longo dos séculos se encontrassem em condições análogas às de Timóteo e que lutariam contra os fautores do erro, e isto (é valido) até o fim do mundo para os que lutarão contra o Anticristo. São, portanto, conselhos diretamente aos que lutamos contra o precursor do Anticristo. E quais são esses conselhos? “Persevera no que aprendeste e que te foi confiado, sabendo de quem aprendeste e que te foi confiado”.
Quer dizer, antes de tudo, primeira recomendação: persevera na fé, persevera na fé antiga, persevera na fé tradicional que tu aprendeste, porque sabem quem é que ensinou. Era uma pessoa digna de crédito, digna de confiança, que transmitia verdadeiramente a verdadeira fé. Então, primeira recomendação: atitude de fidelidade, de eco, de docilidade ao ensinamento tradicional da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.
Os sacerdotes das gerações antigas, verdadeiros depositários da verdadeira fé, deram um ensinamento que chegou até nós. Podemos saber qual é a tradição e, com esta, qual é a verdade. Porque o que a Igreja ensinou ontem, não pode ter ficado erro hoje, tem que ser verdade sempre. E se há uma contradição, está no novo.
Então, devemos ser homens que perseveram, quer dizer, que continuam, que estão na mesma fé de antigamente e que nela permanecem fiéis. Essa é a primeira recomendação.
Depois ele continua:
“Conjuro-te, diante de Deus e de Jesus Cristo que há de vir julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu Reino…”
Ou seja: eu te peço diante de Cristo, e lembra-te que esse Cristo – em presença do qual eu te faço esse pedido – virá à terra julgar os vivos e os mortos, e vai te julgar, portanto, a ti, a quem eu faço esse pedido; e vai te julgar em função do atendimento que deres a esse pedido. Eu te peço em presença de Jesus Cristo, eu te peço pelo amor à vinda dele, pelo amor ao Reino dele eu te peço. Peço o quê? Agora vem o dever:
“…prega a palavra”.
Nós não somos sacerdotes, mas temos o direito – como leigos – de transmitir a palavra pregada pelos sacerdotes genuínos, que dão a doutrina verdadeira e que são sacerdotes fiéis ao passado.
Então, logo depois da fidelidade à doutrina católica, vem o enunciado da doutrina católica para outros, da doutrina tradicional, afirmação de qual é a verdadeira doutrina católica. Então:
“prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo”.
Ou seja, insiste caso os outros gostem, mas caso os outros achem que você é importuno, insista também. A expressão latina é mais rigorosa do que está aqui: “oportune et importune”: insista oportunamente e inoportunamente.
Quer dizer, fale com os outros, ainda que eles não gostem. Seja homem! Seja católico! Seja guerreiro da palavra! Se não gostem, afirme de novo. Combata. Faça-lhes entrar a palavra pelos ouvidos adentro. Seja soldado de Jesus Cristo. Isso é que São Paulo pede a Timóteo. E isso é que nós devemos fazer: não ter medo de ensinar a verdade, não recuar, não nos aborrecermos com o fato dos outros não nos darem atenção ou até de nos responderem mal. Ensinar de novo e ensinar com varonilidade sobrenatural. É uma coisa que é nosso dever e com o que damos glória a Deus.
Depois ele continua:
“Repreende”.
Repreender é censurar, é chegar para as pessoas e dizer: “Tu fizeste mal.”
Há uma certa escola de apostolado que acha que o apóstolo nunca deve censurar os outros, que deve ser sempre gentil, sempre amável: “Fulano, você abandonou sua mulher, tomou uma outra. Ora, pobre coitado… quanto drama sentimental!” Eu compreendo que o outro goste de ouvir, mas não podemos dizer isso. Nós temos que dizer o que disse São João Batista a Herodes, o que disse o profeta Natam a Davi: “Tu pecaste, tu andaste mal, cometeste uma ação censurável e eu te digo que é censurável, porque Deus censura, porque é contra a lei de Deus. E ouça e ouça porque eu estou falando”. Essa é a atitude do verdadeiro católico.
Depois, continua:
“Repreende, suplica e admoesta com toda paciência e doutrina”.
Não basta repreender, às vezes é (necessário) suplicar. Repreende-se o pecador que procura dizer que seu pecado está bem, que procura cinicamente pavonear-se com o pecado que cometeu. Mas quando se trata de um pecador que reconhece que anda mal, que sabe que o seu vício é mau e o esconde, então pode-se agir com benignidade. E aí é o momento de suplicar, de ser humilde, afável, generoso, de pedir para que se pratique a virtude, assim como o último dos mendigos pede a mais preciosa das esmolas. Quer dizer, aí é o momento do afeto fraterno, é o momento da caridade, é o momento do carinho, que faz tanto bem para as almas fracas.
“Suplica, admoesta com toda paciência e doutrina”.
Quer dizer, advirta, mostra que está errado com toda paciência, para esses que estão fracos, que se envergonham, que reconhecem que andam mal. Então, para esses, com toda paciência, admoestar.
Nunca começar uma admoestação com algo do gênero assim: “Fulano, até quando você deixará de ouvir o que eu te disse? Afinal de contas, eu perco a paciência com você!” Isso é orgulho. Deve-se fazer o contrário. Nunca perder a paciência, nunca ter a palavra dura, nunca manifestar-se cansado de tanto repetir as (mesmas) coisas. Tomar um ar – ao se dar conselhos – de que a gente está achando uma delícia dar aquele conselho, nunca deixar transparecer que se pode estar cansado, que se pode estar caceteado, nem nada.
Mas isto não basta. Além de admoestar com toda paciência, é preciso admoestar com toda doutrina, ou seja, é preciso dizer coisas razoáveis, é preciso dar conselhos bons, saber empregar os argumentos bons em favor da verdade, de maneira a tocar o entendimento e mover a vontade da pessoa a quem se dirige. E isso, então, é exatamente o modo de apostolado nosso que, mais do que Timóteo, fomos colocados em situação tão triste. E com isso os senhores tem um verdadeiro manual de apostolado.
Os senhores têm igualmente a justificação dos métodos de apostolado empregados nos periódicos “Catolicismo” (no Brasil), em “Cruzada” (Argentina), em “Fiducia” (no Chile), com o estilo de se exprimir que é tão diferente de tantas folículas católicas e não católicas que circulam por aí. São publicações combativas, que insistem “oportuna e importunamente”. E temos fundamento em São Paulo para sermos assim.
Do fundo dos séculos, ouvimos a voz de São Paulo a Timóteo e essa voz nos diz, em outros termos: Filhos, vocês têm razão, contem com as minhas orações e com a proteção do Céu.
Assim, São Paulo que nos abençoe e que nos ouça no pedido de termos a plenitude do magnífico espírito dele.”
Fonte: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_670125_SaoPauloaTimoteo.htm#.YfHJiOrMKMo