Anchieta foi um dos maiores, senão o maior dos forjadores da unidade nacional nos primórdios de nossa história.
Como tal não lhe faltam títulos: evangelizador dos índios, a quem também civilizou e instruiu; elo de ligação e harmonia entre brancos, silvícolas e negros; desbravador e fundador de vilas e cidades; incentivador e participante de expedições militares para a expulsão dos hereges invasores de nosso território, e incentivador da construção de fortes para a defesa do litoral contra os piratas europeus.
José de Anchieta nasceu em 1534 na cidade de São Cristóvão da Laguna, na ilha de Tenerife, arquipélago das Canárias, pertencente à Espanha. Foi um dos doze filhos de João Lopez de Anchieta e Mencia Dias de Clavijo y Lerena, da nobreza local. Depois de aprender as primeiras letras em casa, freqüentou a escola dos frades dominicanos.
Quando tinha 14 anos, o adolescente foi com o irmão mais velho continuar seus estudos em Coimbra, matriculando-se no curso de Humanidades e Filosofia no Real Colégio das Artes. Estudante aplicado, era um jovem inteligente, alegre, estimado e querido por todos. Exímio escritor, sempre se confessou influenciado pelas cartas que São Francisco Xavier, o Apóstolo das Índias, escrevia a seus irmãos de hábito sobre seu apostolado no Oriente. Amava a poesia e, mais ainda, gostava de declamar. Por causa de sua voz doce e melodiosa, era chamado pelos companheiros de “o canarinho”, numa alusão à sua terra.
Contudo, José era já notado por sua virtude. Aos 16 anos fez voto de castidade, consagrando sua virgindade à Virgem Maria. Atraído pela virtude dos jesuítas, então no esplendor de sua vocação, matriculou-se no Colégio da Companhia. O adolescente tinha o hábito de retirar-se a um local ermo, a fim de dedicar-se à oração e à contemplação. Um dia em que rezava diante do altar de Nossa Senhora na catedral de Coimbra, inspirado pela Mãe de Deus, resolveu dedicar sua vida em sua honra, fazendo-se religioso na Companhia de Jesus.
Foi assim que, aos 17 anos, em 1551, foi nela recebido como noviço, logo se notabilizando por uma piedade eucarística extraordinária, que o levava a acolitar tantas Missas quanto podia, às vezes cinco por dia.
José de Anchieta adoeceu gravemente no Noviciado, e todos temiam que não pudesse pronunciar os votos perpétuos que o ligariam para sempre à Companhia. Entretanto, mesmo doente, em 1553 fez os três votos de obediência, pobreza e castidade.
Sucedeu então que o Pe. Manuel da Nóbrega, Superior dos jesuítas do Brasil, querendo mais religiosos para trabalharem na evangelização do imenso país, pediu à Companhia que mandasse alguns membros para lá, argumentando que inclusive podiam mandar os doentes, pois o ar do Novo Mundo era tão suave, que faria com que logo se recuperassem. Isso levou os superiores a colocarem o Irmão José, então com 19 anos, na lista dos jesuítas que acompanhariam o Pe. Luís da Grã ao Brasil, viajando na frota do Governador-Geral Duarte da Costa.
O Irmão José chegou à Bahia junto com mais seis jesuítas, todos doentes como ele, e nunca mais se recuperou. Em 1554, chamado pelo Pe. Manoel da Nóbrega, dirigiu-se à capitania de São Vicente, no sul do país. De lá foi com o Pe. Manoel da Nóbrega para os campos do planalto de Piratininga, para lá fundarem um colégio para os filhos dos portugueses e índios civilizados. No dia 25 de janeiro, conversão de São Paulo, foi celebrada a primeira Missa da nova fundação da cidade de São Paulo de Piratininga. O santo ficaria nessa área por dez anos.
O trabalho dos missionários nessa terra virgem era estrênuo, pois tinham que evangelizar os índios e tratar com os brancos, aqui chegados frequentemente com o intuito de fazer riqueza, e para isso, todos os meios eram lícitos, inclusive a escravização dos nativos. Com muita paciência, tato e perseverança, os religiosos tinham que ir conquistando terreno pouco a pouco, de maneira que a incipiente cristandade pudesse dar frutos.
Na nova povoação, Anchieta tinha que ser “pau para toda obra”: além de professor de latim para os da Companhia, fazia muito serviços braçais e de enfermagem. Ao mesmo tempo tinha que continuar seus estudos de filosofia e teologia para ordenar-se. Aprendeu a língua dos índios tupis para ensiná-los em sua língua nativa, escrevendo sua gramática e vocabulário e outros trabalhos, que depois ajudaram os demais missionários a lidar com os indígenas da costa brasileira. Ele escreveu um poema épico em louvor do governador Mem de Sá, homem bom que administrava a jovem colônia.
Como hábil engenheiro, o Irmão José dirigiu os índios tupiniquins na abertura de uma nova trilha de acesso do litoral ao planalto de Piratininga, mais afastada dos ataques dos tamoios, caminho esse que, até à construção da Via Anchieta, foi a única estrada entre São Paulo e Santos-São Vicente.
Em 1º. de março de 1565 ajudou Estácio de Sá a instalar-se junto ao Pão de Açúcar, na entrada da Barra do Rio de Janeiro, para dar combate aos franceses. Estes tinham invadido o Brasil para fundar a chamada “França Antártica”. Eram todos hereges calvinistas. Como não tinham tropas suficientes para enfrentar a reação portuguesa, para auxiliá-los no combate, uniram-se aos índios tamoios, no que ficou conhecida como “Confederação dos Tamoios”.
Como uma vitória dos franceses seria um triunfo do protestantismo em nossa pátria, o Pe. Nóbrega e o Irmão Anchieta dirigiram-se a Iperoig, hoje Ubatuba, para tentar convencer os indígenas tamoios à paz, ficando o Irmão refém deles. Isso foi uma grande prova para o puríssimo José, num meio inteiramente bárbaro, cercado de índias nuas circulando por toda parte. Fez então o voto a Nossa Senhora de contar sua vida em versos, caso Ela lhe ajudasse a guardar intacta sua pureza. Como isso se deu, o Santo escreveu na areia da praia 5786 versos em honra à Mãe de Deus, que guardou na memória e, quando voltou a paz, pôs no papel em São Vicente.
Em Salvador pôde, em três semestres, dar um acabamento meio precário a seus estudos, e receber a ordenação sacerdotal aos 32 anos, das mãos de um antigo colega em Coimbra, D. Pedro Leitão, o segundo bispo do Brasil. Pode-se imaginar com que fervor esse santo missionário, tão amante da Eucaristia, celebrou sua primeira Missa!
Já sacerdote, voltou ao Rio de Janeiro para assistir os católicos nos combates finais contra os hereges, e a transferência da nova vila de São Sebastião do Rio de Janeiro para o Morro do Castelo. Ele pôde assistir espiritualmente o valoroso Estácio de Sá, que faleceu no dia 20 de fevereiro de 1567 em conseqüênciado ferimento de uma flexa que lhe atingira um olho. Estácio de Sá é considerado o fundador do Rio de Janeiro.
De 1577 a 1587 o Pe. Anchieta foi o Superior dos jesuítas do Brasil, viajando muito então pela imensidão do país.
Os dez últimos anos de Anchieta foram passados em Reritiba, no Espírito Santo, que tomou seu nome. Ele aí morreu a 9 de junho de 1597, sendo logo considerado santo pelos seus contemporâneos. Foram inúmeros os milagres operados por esse taumaturgo, mesmo em vida, que a tradição deixou entre nós e que, transmitidos pela Companhia de Jesus às suas casas da Europa, fizeram com que um culto não oficial a ele se desenvolvesse em várias delas. Entretanto, por mistérios insondáveis da Providência, esse que já era chamado de Santo em vida, só foi canonizado em nossos dias.