- Juan Antonio Montes Varas
Santiago do Chile — Durante o já longo processo revolucionário, algumas nações têm sido usadas como ponto de decolagem para que suas utopias se espalhem pelo mundo. Os exemplos mais característicos de países que prestaram esse serviço à Revolução foram a Alemanha em 1517, a França em 1789 e a Rússia em 1917.
Na América Latina, o Chile, apesar de seu território estreito e de sua relativamente baixa população, desempenhou papel semelhante na reprodução de paradigmas revolucionários no cenário internacional.
Chile, um país paradigmático
Na década de 60, o governo de Eduardo Frei criou um modelo chamado “Revolução na Liberdade”, que consistia em realizar profundas reformas estruturais para pretensamente evitar a ascensão do comunismo. Esse foi o modelo proposto como solução para todas as nações subdesenvolvidas do continente. Já sabemos como terminou essa experiência, tão cara à Democracia Cristã italiana.
Mais tarde, nos anos 70, o Chile voltou a ser paradigma de outra experiência. Desta vez, com um marxista que subiu ao poder propondo uma “revolução com empadas e vinho tinto”, visando impor o marxismo sem traumas ou guerra civil. A receita foi igualmente proposta como modelo para a ascensão de outros governos socialistas democráticos. Sabemos como ela terminou no Chile e as consequências que produziu.
À sua maneira, os 17 anos seguintes e a reconstrução do país das cinzas nas quais o governo do marxista Allende o reduzira, também foram vistos como um paradigma de reformas liberais bem-sucedidas na economia, com um regime político firmemente controlado pelas autoridades militares.
Por fim, os 30 anos que vão do retorno ao regime democrático — em 11 de março de 1990, data em que Patricio Aylwin Azócar tomou posse — até 2018, denominado “transição para a democracia”, foram acompanhados com especial interesse internacional.
De um lado, o Chile avançou em seu processo de secularização cultural, mas o modelo econômico liberal, inaugurado pelo governo militar, foi basicamente mantido inclusive pelos governos de esquerda e, uma vez mais, o país se constituiu em um exemplo, que foi seguido por outras nações do continente.
Governo Boric: Um novo paradigma?
O surto ou “despertar social” iniciado em 18 de outubro de 2018, que culmina com a ascensão do presidente Gabriel Boric [foto acima] — empossado no dia 12 de março —, constitui à sua maneira um novo paradigma revolucionário que levará as pessoas a falarem e para o qual muitos analistas têm voltada a sua atenção.
Comecemos por descrever quem está liderando esse novo paradigma. Seu nome é Boric, um jovem de 36 anos — sem família estabelecida, profissão, emprego ou experiência de trabalho, surgido das revoltas estudantis iniciadas em 2011 — que se viu obrigado a abandonar seu mandato na Câmara de Deputados para ingressar “voluntariamente” em um centro psiquiátrico para transtorno obsessivo compulsivo, doença mental que diz sofrer “desde criança”. Seis meses antes das eleições, ele declarou: “Acho que não tenho experiência suficiente […] ainda tenho muito que aprender […] não estou preparado”.
Mobilização estudantil no Chile em 2011
Gabriel Boric e os que vão compor seu governo alcançaram notoriedade no marco da chamada “Mobilização Estudantil” de 2011. Essas mobilizações rejeitaram o sistema educacional chileno, considerando que nele os indivíduos tinham muita participação e o Estado não cumpria o seu papel. Posteriormente, em 2017, o governo de esquerda da ex-presidente Bachelet facilitou a ascensão de seus líderes ao Parlamento.
Desde então, sob diversas denominações, o grupo desses universitários vem definindo um perfil cada vez mais contrário ao establishment, não só na educação, mas em todas as esferas da vida pública. Radicalizando seu discurso, condenando o próprio governo de esquerda que facilitou a sua ascensão, participando ativamente dos protestos de outubro de 2018, tal grupo chegou a formar um pacto de governo — “Aprove Dignidade” — com o Partido Comunista, para as eleições em que foram vencedores.
Golpe de esquerda em outubro de 2018
A panela na qual isso se cozinhou foram os violentos motins ocorridos simultaneamente em todo o Chile a partir de 18 de outubro de 2019. Seus organizadores preferiram não mostrar publicamente, nem deixar claro o motivo subjacente das manifestações ou as soluções propostas.
Como todo movimento revolucionário profundo, este soube colher insatisfações ocultas, tendências igualitárias radicais, mas imprecisas, paixões reprimidas desenfreadas, desenfreadas, ódio a tudo que parecia ser autoridade ou disciplina. Iniciado pelo aumento de $30 pesos na passagem do metrô, rapidamente passou a questionar tudo o que havia sido feito nos últimos 30 anos. Seu slogan passou a ser: “Não eram os $30, mas os 30 anos”.
No entanto, os vilipendiados “30 anos” representaram um dos períodos históricos em que o Chile mais cresceu e, como foi dito, se tornou um exemplo para o resto do continente.
Para aqueles que queimaram igrejas, saquearam supermercados, incendiaram estações de metrô, destruíram estátuas de heróis e desafiaram os carabineiros, os sucessos econômicos não importavam. Era preciso acabar com aquele sistema desde as suas raízes e impor um sistema novo, sem Estado, multinacional, autogestionário e desinteressado do progresso econômico.
A violência desencadeada e o apoio encontrado nos partidos de esquerda levaram o presidente Piñera a uma de suas piores decisões: promover um acordo pelo qual declarava encerrada a Constituição de 1980 e convocava um plebiscito nacional para redigir um novo texto constitucional.
Uma vez aprovado o plebiscito e escolhidos os editores de um novo texto, este se arrastou com propostas completamente anárquicas e destruidoras dos fundamentos econômicos que estavam na base do sucesso do Chile nessa esfera, a começar pela relativização da propriedade privada.
Cenário político se desloca para a extrema-esquerda
Desde então, o Chile perdeu a bússola. Os líderes políticos de centro-esquerda começaram a desconsiderar suas próprias conquistas econômicas obtidas em seus sucessivos governos e a aderir ao questionamento dos “30 anos”.
Por sua vez, a extrema-esquerda, composta por esses jovens manifestantes e pelo Partido Comunista, viu uma oportunidade única para se apresentar separada de seus “companheiros de viagem” de ontem e formar uma Aliança sob o nome de “Aprove Dignidade”.
Não foram poucos os parlamentares de centro-direita que participaram da aprovação de projetos de lei inconstitucionais e populistas.
Uma revolução a ser espalhada
À vista do exposto e como sinal de que essa nova revolução se difundiria por toda parte, cumpre considerar que poucos dias depois o “despertar do Chile” — nome dado a essa explosão de violência, ódio e destruição irracional [foto ao lado] — começou a se manifestar com características muito semelhantes na Colômbia, explodindo posteriormente no “despertar” dos Estados Unidos. Nesses mesmos dias, igrejas foram queimadas no Canadá e em outros países europeus, como também estátuas de heróis nacionais.
Seria ingênuo pensar que todos esses eventos seguidos fossem eventos espontâneos, pois o que é espontâneo não produz efeitos tão semelhantes, quase simultâneos, em uma área geográfica tão vasta. Não é preciso ser muito desconfiado para perceber que por trás desses eventos havia um plano e uma organização para colocar em xeque a ordem constituída e o próprio sistema do qual eles nasceram.
Eleitorado de centro-direita não desaparece
Um aspecto importante a ser destacado nesse cenário é que, apesar da deriva para a esquerda das lideranças políticas nacionais, o eleitorado de centro-direita permaneceu inalterado.
Assim, nas eleições parlamentares realizadas conjuntamente com as presidenciais que acabaram dando a presidência a Boric, o pacto de centro-direita obteve quase 50% das cadeiras no Senado e uma boa representação na Câmara dos Deputados.
Mais notável foi o apoio do eleitorado a José Antonio Kast, candidato que o representou no segundo turno. Com um programa mais à direita, ele obteve 45% dos votos contra Boric, que se viu obrigado a moderar seu discurso para alcançar a vitória.
Desta forma, repete-se no Chile o mesmo panorama que se verifica em muitos países do continente e até nos Estados Unidos: o centro político desaparece e se delineiam duas posições completamente antagônicas.
Formação do próximo governo e apresentação
As nomeações ministeriais mostraram que a suposta moderação de Boric era mais aparente do que real. Três pastas ministeriais e seis subsecretários importantes permaneceram nas mãos do Partido Comunista.
Talvez o mais notável, porém, seja a forma como os novos ministros se apresentaram em público com o novo presidente chileno. Há momentos em que as aparências externas revelam ideias e objetivos que não são confessados publicamente.
Os ocupantes de cargos de graves responsabilidades públicas apresentaram-se ao país como jovens “atualizados”, sem preocupação com a gravidade de suas responsabilidades ou com as consequências que uma má gestão poderia produzir para as gerações futuras.
Em ambiente um tanto lúdico e informal, com lenços verdes pró-aborto, eles queriam dar a impressão de que se despediam de um curso universitário formado por estudantes “sorbonianos”, com roupas informais (perdoem-me pela redundância), e não de constituírem um novo governo que assume com a seriedade de quem tem perfeita consciência da importância de sua tarefa.
A encenação parecia uma mensagem ao País: o fim de qualquer autoridade que seja imagem da Autoridade que vem de Deus.
Um pesado silêncio
Não há dúvida de que a população chilena vem perdendo rapidamente suas raízes católicas. As pesquisas dizem que apenas 42% da população é reconhecida como católica.
Esse abandono gradual da Fé deveria ser um incentivo para que os Pastores procurassem resgatar as ovelhas perdidas e proteger as que ainda estão no aprisco. Para isso, longe de estarem ausentes da cena, deveriam estar presente para orientar, mesmo aqueles que dizem não confiar neles. Sobretudo quando a perda da Fé é a causa da perda do País na ordem das suas instituições, a começar pela primeira, que é a família.
Infelizmente, o que aconteceu nos últimos anos foi o contrário: uma ausência quase total da voz orientadora dos párocos. Quando falaram, eles não raro o fizeram fora do contexto de sua missão, como foi o caso do Arcebispo de Santiago ao declarar ser “óbvio” que se deveria mudar a Constituição.
A IV Revolução no Poder
Em seu memorável ensaio Revolução e Contra-Revolução, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira destacou o surgimento de uma IV Revolução — continuação daquela do protestantismo em 1517, da francesa em 1789 e da russa em 1917.
O autor a caracterizou como uma explosão subversiva, decorrente principalmente da desordem nas tendências, e não no campo sofístico. Uma Revolução que não buscou a destruição de uma ou outra instituição da civilização cristã, como foram as anteriores, mas de tudo o que representa ordem, hierarquia, dignidade. Uma Revolução cuja finalidade é estabelecer um sistema de vida e de organização político-social de natureza tribal e indígena, deixando-se levar pelos caprichos e comunicações de um “machi” ou os eflúvios psicológicos de uma “bruxa” em contato com os segredos da Mãe Terra.
Aqueles que pretendem instaurar esse caos tribal no Chile não escondem que buscam a “refundação” do Chile “a partir de zero”; um estado de coisas que remonta à história anterior à chegada dos espanhóis.
As resoluções da Convenção Constitucional, composta em sua maioria por representantes partidários dessa revolução, tentam impô-la em acordos de natureza constitucional completamente anárquicos, sejam quais forem os resultados econômicos que venham a produzir.
Sua filosofia é simples e pode ser resumida em três objetivos: a ecologia radical, o feminismo mais extremo e o desmantelamento do Estado — três características centrais dessa IV Revolução.
Tudo leva a crer que se estabelecerá entre as duas potências uma “operação pinça” para destruir o que resta da civilização cristã. De um lado, a Assembleia Constituinte impondo por meio do novo texto uma completa desordem nas estruturas políticas da Nação, e de outro — o segundo braço da pinça —, o governo Boric aplicando medidas cada vez mais contrárias à ordem social e econômica.
Uma última pergunta
Para concluir esta apresentação da situação chilena, ainda temos uma pergunta a fazer: — Teriam os arquitetos do processo revolucionário escolhido mais uma vez o Chile para realizar uma experiência paradigmática cuja materialização seria levada a cabo por um governo encarregado de aplicar em toda a sua radicalidade os extremos da IV Revolução? Somente o futuro será capaz de dizê-lo.
Confiança na ajuda sobrenatural da Mãe de Deus
Para grandes males, grandes remédios. Se este for o objetivo daqueles que acabaram de assumir o poder no Chile, resta-nos recorrer ao socorro extraordinário da Santa Mãe de Deus, que sozinha esmagou todas as heresias. A IV Revolução é, à sua maneira, uma heresia pior, pois nega todas e cada uma das verdades da ordem estabelecida por Deus na Criação.
Da mesma forma, é justo que nossos olhos se voltem confiantes para a Virgem do Carmo, Rainha e Padroeira do Chile, General Juramentada das Forças Armadas e da Ordem, pedindo sua intervenção, porque o País não deseja cair no abismo.
América do Sul, Bolivariano, Chile, Eleições, IV Revolução, Marxismo