Comentários sobre a segunda aparição de Nossa Senhora em Fátima e a devoção ao Imaculado Coração de Maria
Como dissemos anteriormente, os estudos que estamos publicando sobre Fátima (*) supõem demonstrado, como ponto de partida, que Nossa Senhora realmente apareceu a Lúcia, Jacinta e Francisco, e lhes comunicou as mensagens que eles por sua vez transmitiram ao mundo. Por uma questão de método, desejamos relembrar este ponto, que é a pedra de ângulo de tudo quanto se escreva sobre Fátima. Tratando-se de aparições que os videntes afirmam destinadas ao conhecimento do Santo Padre, da Sagrada Hierarquia, da Cristandade inteira enfim, não há meio termo possível: ou as provas são claras, certas, plenamente concludentes, e neste caso as revelações merecem crédito inteiro; ou as provas são duvidosas, confusas, discutíveis, e neste caso as mensagens são falsas, pois não se compreende que, se Nossa Senhora quisesse realmente fazer chegar uma mensagem ao mundo, não dispusesse os fatos de maneira a proporcionar à humanidade motivos razoáveis para a ter por autêntica.
Visto assim o assunto, somos conduzidos pela própria natureza das coisas a outra alternativa. Se as provas são certas, se as mensagens são autenticas, é impossível não dar a maior importância ao que estas contêm.
Se Nossa Senhora realmente nos falou, é forçoso ter na mais alta consideração o que Ela nos disse, meditar longamente cada uma de suas palavras, tirar delas por uma análise diligente tudo quanto contêm. Mas de outro lado se as provas não são certas, melhor será não perder um minuto sequer com o assunto. Assim como não se pode depositar nas mensagens apenas uma “meia fé”, assim também não se pode atribuir a seu conteúdo uma meia importância. Acentuamos com tanta insistência este aspecto fundamental da questão porque nos parece que, infelizmente, uma atmosfera de “meia crença” e de “meia importância” é muito mais freqüente a respeito de Fátima do que à primeira vista se pudesse talvez imaginar.
A gravidade da situação do mundo conforme a mensagem de Fátima
Nossa Senhora falou, pois, ao mundo. Ela descreveu a situação como gravíssima, apontou como causa desta situação a espantosa decadência moral da humanidade, ameaçou-nos com terríveis punições terrenas — nova guerra, alastramento mundial dos erros do comunismo, perseguições à Igreja — e com uma punição eterna mil vezes pior — o inferno — se não nos emendarmos, e por fim prescreveu os meios necessários para que cheguemos à emenda e evitemos tantos castigos.
Em que pese a alguns doidivanas que fecham os olhos à realidade mais evidente e se comprazem em afirmar que está em ordem com Deus este mundo em que vivemos, de dúvida, de naturalismo, de indisciplina moral e de adoração da felicidade terrena, é preciso crer o contrário, pois é o contrário que Nossa Senhora nos diz.
É bem certo que alguns sociólogos evolucionistas, muito mais evolucionistas do que sociólogos, se deleitam em dizer que o dia de hoje é melhor que o de ontem, e que o de amanhã será necessariamente melhor do que o de hoje; Nossa Senhora porém nos afirma que a verdade é muito outra: o dia de amanhã só será melhor do que o de hoje se nos emendarmos e fizermos penitência. De outro modo, por mais que o progresso material, a medicina, as finanças, as diversões, o conforto da vida enfim se desenvolvam, caminhamos para um grande e universal colapso.
Também não faltam, infelizmente, teólogos otimistas, que criam em torno de si uma agradável atmosfera de simpatia afirmando que quase ninguém se condena ao inferno. Nossa Senhora, contudo, ensina o contrário e o faz não só por palavras como ainda com o argumento invencível do fato concreto: abre o inferno aos olhos dos pastorinhos aterrorizados, para que contem ao mundo inteiro o que viram. E é em Nossa Senhora e não em certa teologia morna, de água de flor de laranjeira, que cumpre crer.
A vida sobrenatural é a verdadeira solução
Já fizemos notar de passagem, em artigo anterior, que Nossa Senhora aponta como remédios fundamentais para o mundo contemporâneo a oração, a penitência, a emenda de vida. É destas três providências meramente espirituais que Ela faz depender a manutenção da paz, a preservação do Ocidente contra a propaganda comunista, a sobrevivência pois da própria civilização.
Poderão chocar-se com isto muitos católicos mal avisados, que colocam todas as suas esperanças em meios meramente humanos. Afigura-se-lhes que tudo estaria salvo no dia em que a Igreja estivesse fortemente dotada de Seminários, Universidades, jornais, revistas, livrarias, cinemas, teatros, obras de caridade e de assistência social. Nesta concepção, tudo se reduz ao âmbito meramente natural. A descristianização tem como causa a insuficiência de nossos meios de propaganda e de ação. No dia em que tivermos remediado esta insuficiência, teremos vencido a descristianização. No entanto, aparece Nossa Senhora em Fátima, e não diz sobre todos estes meios de ação uma só palavra. Como explicar este mistério? Onde fica a palavra dos Papas, que não têm cessado recomendar tudo aquilo sobre o que Nossa Senhora silenciou? Estarão as mensagens de Fátima em contradição com as diretrizes pontifícias?
Seria fácil responder a todas estas questões, se os católicos se dessem ao trabalho de ler seriamente e por extenso os documentos pontifícios, em lugar de se contentar com citações que encontram esparsas aqui e acolá, em certos livros e jornais empenhados ao que parece em fazer uma verdadeira filtragem de tudo quanto na palavra do Sumo Pontífice eventualmente colida com seus preconceitos.
Os Papas não se cansam de recomendar o uso de todos os meios naturais legítimos para promover o Reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Contudo não ficam apenas nisso. Em documentos verdadeiramente sem conta mostram que os meios naturais não serão de nenhuma eficácia se não houver nos que lutam pela Igreja uma vida contínua de piedade, de mortificação, de sacrifício; se os soldados de Cristo não tiverem em vista constantemente que os meios de ação naturais devem ser canais da graça de Deus, e que o apóstolo – clérigo ou leigo – precisa ser ele próprio um reservatório das graças que devem vivificar suas obras.
Em uma palavra, as teses essenciais do livro incomparável de Dom Chautard, “A Alma de todo Apostolado”, têm sido inculcadas de todos os modos pelos Papas. E são esses mesmos os princípios que Nossa Senhora nos ensina em Fátima. A Virgem Santíssima não diz que não nos dediquemos inteiramente às obras de apostolado. Mas ela repete o ensinamento de Nosso Senhor em Betania: é necessário viver em íntima união de alma com Deus, pois todo o resto daí dimana, e sem tal união as obras mais sábias, mais úteis, mais oportunas resultarão miseravelmente estéreis.
O Anjo tutelar da Pátria
Notemos agora muito rapidamente outros aspectos das mensagens de Fátima. A aparição do Anjo de Portugal nos faz lembrar a doutrina da Igreja, de que cada povo tem seu próprio Anjo da Guarda. Houve tempo em que cada nação tinha particular devoção ao seu Anjo Custódio, invocando-o em suas tribulações, e especialmente na luta pela manutenção do povo no grêmio da Igreja. Temos pensado nisto? Cultuamos o Anjo da Guarda do Brasil?
Amor e temor de Deus
O Anjo reza em presença dos pastorinhos, profundamente inclinado, com a face em terra. É um exemplo que devemos imitar. Em nossas orações, cumpre sejamos confiantes, íntimos, filiais. Mas é preciso não esquecer que a verdadeira piedade filial não exclui, antes supõe o mais profundo respeito.
É este mais um ponto em que as revelações de Fátima contêm preciosos ensinamentos para o homem moderno. Pois à força de falarmos em democracia em tudo e para tudo, acabamos não raras vezes por deformar de tal maneira nossa mentalidade, que introduzimos um “tonus” igualitário até em nossas relações com Deus!
Devoções que o liturgicismo combate…
Ultimamente, o liturgicismo tem instilado nas fileiras católicas preconceitos tenazes contra certas devoções, entre as quais o culto ao Santíssimo Sacramento “extra Missam” e o Santo Rosário.
Ora, ambas estas devoções são fortemente inculcadas em Fátima.
Para Deus nada é impossível. Assim, se aprouvesse à Providência, os pequenos pastores poderiam ter sido transportados – por um fenômeno de bilocação, por exemplo – a algum lugar onde se celebrasse o Santo Sacrifício, para no decurso dele receber a Sagrada Comunhão. Em última análise, isto seria tão extraordinário quanto confiar ao Anjo as Sagradas Espécies para que delas comungassem os pastorinhos. No entanto foi este último, o modo disposto pela Providência. Se houvesse no culto eucarístico “extra Missam” qualquer coisa de intrinsecamente contrário à verdadeira maneira de entender a Presença Real, seria impossível que a Providência determinasse que a adoração eucarística do Anjo e a Primeira Comunhão dos pastores se realizassem de modo por que efetivamente se realizaram.
Quanto ao Santo Rosário, seria difícil recomendá-lo com insistência maior. “Eu sou a Senhora do Rosário” disse de Si mesma a Santa Virgem na última das aparições. E em quase todas elas inculcou explicitamente esta devoção aos pastorinhos. Como pretender, pois, que o Rosário perdeu algo de sua atualidade?
Apregoa-se ainda que a meditação do inferno é inadequada a nossos dias, e capaz apenas de incutir um temor servil. Esta afirmação cai por terra fragorosamente, à vista do que ocorreu em Fátima, pois a visão do inferno com que os três pastorinhos foram favorecidos destinava-se evidentemente a acrisolar seu amor e seu senso de apostolado.
Devoções aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria
Em Fátima, se inculca igualmente, com expressiva insistência, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que, ela também, tem sido posta na penumbra por certa tendência de espiritualidade muito em voga em nossos dias. O culto ao Sagrado Coração de Jesus foi considerado por todos os teólogos como uma das mais preciosas graças com que a Santa Igreja tem sido confortada nos últimos séculos. Destinava-se ela a reanimar nos homens o amor de Deus entorpecido pelo naturalismo da Renascença, pelos erros dos protestantes, jansenistas, deístas e racionalistas. No século passado, foi por meio desta devoção que o Apostolado da Oração produziu um admirável reflorescimento de vida religiosa em todos o mundo. E, como os males de que o Sagrado Coração de Jesus nos deve preservar crescem dia a dia, é evidente que dia a dia se acentua a atualidade desta incomparável devoção.
Contudo, é preciso acrescentar que na agravação dos males contemporâneos a Providência como quis superar a Si própria, apontando aos homens como alvo de sua piedade o Coração de Maria, que de certo modo requinta e leva à sua plenitude o culto ao Sagrado Coração de Jesus. Os estudos e a devoção cordimariana não são novos.
Quer nos parecer, entretanto, que a simples leitura das mensagens de Fátima demonstra com quanta insistência Nossa Senhora os quer para nossos dias. A missão que Ela confiou à Irmã Lúcia foi especialmente a de ficar na terra para atrair os homens ao Coração Imaculado de Maria. Várias vezes esta devoção é recomendada durante as visões. Este Coração Santíssimo nos aparece mesmo, na segunda aparição, coroado de espinhos pelos nossos pecados, a pedir a oração reparadora dos homens. Parece-nos que este ponto como que compendia em si todos os tesouros das mensagens de Fátima.
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Em seu conjunto, pois, as aparições de Fátima de um lado nos instruem sobre a terrível gravidade da situação mundial, e sobre as verdadeiras causas de nossos males. E de outro lado nos ensinam os meios pelos quais devemos obviar os castigos terrenos e eterno que nos ameaçam.
Aos antigos, mandou Deus profetas. Em nossos dias falou-nos pela própria Rainha dos Profetas.
Assim estudado quanto Nossa Senhora quis [manifestar], o que dizer? As únicas palavras adequadas são as de Nosso Senhor no Santo Evangelho: quem tiver ouvidos para ouvir, ouça…
https://www.pliniocorreadeoliveira.info/1953_030_CAT_A_Devocao_ao_Coracao.htm
(*) Fátima: o acontecimento capital do século XX e Fátima: explicação e remédio da crise contemporânea