Antiga tradição inglesa reconhece como introdutor do cristianismo no país nada menos que José de Arimatéia, o rico discípulo do Redentor que depôs seu santíssimo corpo no sepulcro.
Tertuliano (c. 155- c. 222) afirma que a Religião cristã já havia penetrado “na Caledônia” — nome que os romanos davam à Grã-Bretanha — no século II, isto é, no território para além dos limites da província romana.
Essa cristandade já teria seus mártires na perseguição de Diocleciano, e o nome de seus bispos aparecido nos primeiros concílios do Ocidente, como o de Arles (314), no qual três prelados da região haviam participado.
No ano 429, bispos da Grã-Bretanha enviaram um apelo ao continente pedindo reforços para combater os hereges pelagianos. O Papa São Celestino enviou então São Germano de Auxerre e São Lobo de Troyes.
Após combater vitoriosamente os asseclas de Pelágio, São Germano permaneceu algum tempo na Grã-Bretanha, pregando e estabelecendo escolas para a formação do clero.(1)
Quando as legiões romanas deixaram o país, no início do século V, este foi invadido pelos saxões, que se estabeleceram no sul e no leste, e pelos anglos, que fundaram a East-Anglia.
Os invasores destruíram a maior parte do que sobrara da civilização romana, inclusive as estruturas econômica e religiosa.
Embora os remanescentes celtas fossem já cristãos, eram pouco numerosos para converter os invasores.
Ademais, odiavam seus conquistadores — que formavam a maior parte da população — e não empreenderam a sua conversão.
A Igreja dos celtas desenvolveu-se então isolada de Roma, sob a influência dos monges irlandeses, e desse modo centrada mais nos mosteiros do que nos bispados, sem espírito missionário.
São Gregório Magno: “Non sunt angli, sed angeli”
No final do século VI, quando ainda era abade do mosteiro de Santo André, que fundara em Roma, teve o futuro São Gregório Magno seu primeiro encontro com os anglos.
Passando ele um dia — relata São Beda, o Venerável — pelo Foro Romano, viu alguns jovens escravos loiros, de muito boa aparência.
Quando lhe informaram que eram anglos, ele proferiu a frase famosa: “Non sunt angli, sed angeli” — não são anglos, mas anjos.
Fracassada sua tentativa de ir como missionário evangelizar esse povo, no ano de 596, quando já era Papa, São Gregório enviou finalmente à Grã-Bretanha a missão apostólica que ele tanto desejara.
Para ela escolheu cerca de 40 monges de seu antigo mosteiro de Santo André sob a chefia de seu prior Agostinho, de cuja vida trata o presente artigo.
A respeito dessa iniciativa, o escritor inglês Edward Gibbon pôde afirmar: “César teve necessidade de seis legiões para conquistar a Grã-Bretanha. Gregório conseguiu isso com 40 monges”.
Foi por esse tempo que a Grã-Bretanha começou a ser denominada de Inglaterra, em memória do nome da tribo dos anglos que a povoavam, e foram notícias oriundas desse país que levaram o Papa santo a enviar a mencionada missão.
Com efeito, tendo Etelberto (ou Edilberto) se tornado rei de Kent em 559, conseguiu em menos de 20 anos estabelecer seu domínio em grande parte do país.
Casou-se com Berta, filha do rei de Paris, o qual condicionara a união ao direito de sua filha professar a verdadeira Religião. Um bispo acompanhou-a então à Inglaterra.
Papa impede desistência dos missionários
Praticamente nada se conhece da vida de Santo Agostinho antes de sua entrada no mosteiro de Santo André, antiga casa paterna de São Gregório.
Foi na qualidade de prior desse mosteiro que se deu sua escolha pelo Sumo Pontífice para chefiar os 40 monges enviados à Inglaterra.
De passagem pela Gália, o grupo de missionários deveria procurar em Arles — a primeira Sé das Gálias —, o bispo São Virgílio.
“Eu não duvido que recebereis Agostinho e seus companheiros com uma doce benevolência, que os encherá de consolação”, diz São Gregório em carta a São Virgílio.
Entretanto, sempre vigilante, acrescenta:
“Ao mesmo tempo, examinai esses missionários, e se notardes neles qualquer coisa de repreensível, adverti-os, corrigi-os, para que eles estejam aptos a operar a conversão dos povos. Que Deus vos tenha em sua guarda, meu reverendíssimo irmão”.(2)
Ora, tendo chegado à Gália, o grupo de missionários recebeu notícias muito desanimadoras da situação na Inglaterra.
O próprio Agostinho voltou, a fim de propor ao Papa de rever a questão. São Gregório enviou então aos monges enérgica carta incitando-os a seguir avante.
No Natal, a conversão de Santo Etelberto
São Beda, o Venerável, descreve a entrada de Santo Agostinho e de seus monges em Kent, carregando“a santa cruz junto com uma pintura do soberano Rei, Nosso Senhor Jesus Cristo”.(3)
O grande orador sacro francês Bossuet comenta: “A história da Igreja não tem nada de mais belo do que a entrada do santo monge Agostinho no reino de Kent, com 40 de seus companheiros”.(4)
Santo Agostinho, cuja estatura sobressaía à dos demais, era alvo de todos os olhares.
Os monges foram bem acolhidos em Kent por Etelberto, que lhes concedeu licença para pregar.
“A evidente sinceridade dos missionários, sua retidão, sua coragem nas provações e, sobretudo, o caráter desinteressado do próprio Agostinho e a nota não mundana de sua doutrina causaram profunda impressão na mente do rei. Ele pediu para ser instruído na fé católica, e seu batismo foi marcado para o dia de Pentecostes”.(5)
No dia de Natal de 597, mais dez mil saxões, a exemplo do rei, receberam o batismo.
Como prova da sinceridade de sua conversão, o rei Etelberto cedeu a Nosso Senhor seu palácio, que desde então se tornou a catedral de Cantuária e Sé principal da Inglaterra.
Elevado mais tarde à honra dos altares, dele diz o Martirológio Romano (em 24 ou 25 de fevereiro, conforme o ano):
“Na Grã-Bretanha, Santo Edilberto, rei de Kent, que Santo Agostinho, bispo dos anglos, convertera à fé de Cristo”.
“Um historiador antigo diz que a rapidez das conquistas de Agostinho era efeito não só do zelo do santo missionário e do espetáculo de suas virtudes, mas também das maravilhas que Deus operava por seu ministério”.(6)
Exaltação papal pelo sucesso apostólico
Ao saber o que ocorria na Inglaterra, o Papa santo escreveu a Santo Agostinho:
“Glória a Deus, glória a Deus no mais alto dos Céus; glória a Deus, que não quis reinar somente nos Céus; […] cujo amor nos envia a buscar até nas ilhas da Britânia irmãos desconhecidos; cuja bondade nos faz encontrar o que buscávamos sem conhecê-lo. Quem poderá contar a exaltação de todos os corações fiéis pelo fato de a nação inglesa, pela graça de Deus e vosso trabalho fraternal, estar inundada da santa luz e se prosterna diante do Deus Todo Poderoso?”.(7)
Sabendo que muito desse sucesso era devido aos inúmeros milagres operados por Agostinho, São Gregório o exorta à humildade, eleva-o a arcebispo de Kent e lhe dá sábios conselhos sobre a organização da missão no país.
Santo Agostinho foi então receber a sagração episcopal das mãos de São Virgílio, retornando em seguida para seu campo de batalha, pois a messe era grande e poucos os operários.
Por isso pediu reforços a São Gregório, recebendo pouco depois um novo grupo de monges.
Entre eles se destacavam São Melito, um de seus sucessores na Sé de Cantuária; São Justo, mais tarde bispo de Rochester e arcebispo de Cantuária; e São Paulino, depois arcebispo de York.
São Gregório lhe envia em 601 o pálio arquiepiscopal, dando-lhe o poder de erigir quantos bispados julgasse conveniente.
Atitude anti-apostólica e castigo atingem o clero
Como a seara era muito abundante e poucos os missionários, Santo Agostinho apelou para o clero celta, do outro lado da Ilha.
Mas este se esquivou, chegando o abade de Bangor — sua principal autoridade, cujo mosteiro possuía três mil monges — a responder ao santo:
“Não, não pregaremos a fé a essa cruel raça de estrangeiros, que traiçoeiramente expulsaram nossos ancestrais de seu país e despojaram a posteridade deles de sua herança”.
Diante dessa recusa tão pouco cristã, Santo Agostinho respondeu-lhe: “Pois que não quereis ensinar aos ingleses o caminho da vida, recebereis deles o castigo da morte”.
Essa profecia realizou-se alguns anos mais tarde quando Etelfrido, rei dos anglos, ainda pagão, invadiu a região onde estava o mosteiro de Bangor, e vendo que os monges rezavam pela vitória de seu oponente, matou impiedosamente mais de mil deles.
Conservaram-se duas cartas de São Gregório a Santo Agostinho, a segunda das quais é resposta a um questionário que ele enviou sobre dúvidas a respeito de como agir na Inglaterra.(8)
O Papa aconselha o Apóstolo da Inglaterra a não destruir os templos pagãos, mas a purificá-los, consagrando-os ao verdadeiro Deus; a não extinguir com violência certos costumes dos gentios, mesmo quando não fossem muito louváveis — com tal de não serem absolutamente incompatíveis com a Religião; a dissimular e passar por cima, até que essa nova planta esteja forte e seja capaz de abraçar inteiramente todo o rigor da disciplina eclesiástica.(9)
Convertidos, forneceram grandes missionários
Baldadas suas tentativas para persuadir os bispos celtas de se submeterem à autoridade de Santo Agostinho, viu-se São Gregório Magno obrigado a estabelecer bispos romanos em Londres e Rochester, em 604, pouco antes de morrer.
Ele também fundou uma escola para a formação de sacerdotes anglo-saxões. Santo Agostinho, por sua vez, consagrou bispo seu futuro sucessor, São Lourenço de Cantuária.
Também morreu em 604, dois meses após São Gregório Magno, seu grande benfeitor.
Em seu livro Morais, o Papa santo escreve a respeito da conversão dos ingleses:
“Os ingleses, que antes não sabiam senão uma língua bárbara, começaram a louvar a Deus em língua hebraica; e o oceano, que estava antes dilatado e furioso, está agora sujeito e vassalo dos servidores de Deus. Os povos orgulhosos, que os príncipes da Terra não podiam domar pelas armas, foram subjugados pelas palavras simples dos sacerdotes”.(10)
Toda essa epopeia viria a desmoronar-se no século XVI pela lubricidade de um rei adúltero — Henrique VIII — que para satisfazer suas paixões separou a Inglaterra da verdadeira Igreja, fundando uma igreja cismática e depois herética da qual se tornaria a cabeça.
1. Cfr. Andrew A. MacErlean, Saint Germain, bishop of Auxerre, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
2. Les Petits Bollandistes, Saint Virgile,Religieux de Lérins, Vies des Saints, Bloud et Barral, 1882, tomo III, p. 161.
3. Cornelius Clifford, Saint Augustine of Canterbury, The Catholic Encyclopedia, DC Rom edition.
4. Les Petits Bollandistes, Saint Augustin de Canterbury, tomo VI, p. 195.
5. Cornelius Clifford, op. cit.
6. Pe. Pedro de Ribadeneira, S.J., San Agustín, obispo e confesor, Flos Sanctorum, in Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L.González Y Compañia – Editores, Barcelona, 1896, tomo II, p. 344.
7. Apud Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., San Agustín de Canterbury, Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo II, pp. 469-470.
8. Livro XI, Carta 64, in St. Gregory I, Letters, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
9. Cfr. Les Petits Bollandistes, Saint Grégoire le Grand, tomo III, p. 371.
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