Vaca e burro no beleléu

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Um iracundo leitor da minha última crônica (Governando por provérbios) reagiu com pedradas violentas às minhas flechadas inofensivas: “Como ousa qualificar de vaca uma distinta senhora que tanto se dedica ao bem do País? Seria melhor recolher-se à sua insignificância e deixar que outros cuidem do povo, sem ligar para interesses mesquinhos de invejosos”.

Surpreendido por acusação tão injustificável, durante bons minutos permaneci aturdido, desnorteado, embargado, confundido, embaraçado, paralisado, atordoado, assustado, desfalecido, estonteado, perturbado, assombrado, atônito, tremebundo, espantado, estatelado. Desculpe-me, leitor, a insistência em tantas palavras com sentidos correlatos. Achei indispensável apelar para a variedade, ante a minha suspeita de que o referido leitor não entende o que lê.

Depois que consegui sair do letargo, entorpecimento, paralisia, emudecimento, estupor, torpor, marasmo, assombro, espanto, atonia em que me encontrava, dediquei-me a investigar o motivo de acusação tão infundada, descabida, desconexa, desmotivada, insensata, incoerente, disparatada, desarrazoada, absurda, irrefletida, impensada, inconsiderada. Não foi difícil encontrar a única frase onde eu havia mencionado VACA. Ei-la: “A vaca foi pro brejo”.

Esse meu leitor iracundo, malévolo, intrigante, colérico, enfurecido, malquerente, raivoso, furioso, furibundo, mal intencionado, irascível, além de tudo isso parece também inculto, iletrado, néscio, inepto, singelo, tosco, ignorante, insensato, estulto, atoleimado, aparvalhado, simplório, bronco, párvulo, pois qualquer pessoa de mediana cultura sabe o significado da frase onde entrou a vaca.

Os pecuaristas precisam estar de olho no gado, para ele não enveredar por caminhos perigosos; um dos quais é o do brejo, pois pode acarretar perda total. A tal ponto isso é conhecido, que tornou-se advertência muito usada na linguagem popular. Fique portanto tranquilo esse leitor, pois a vaca à qual me referi é genérica, não tive em mira nenhuma vaca especificamente. Se ele quiser fazer aplicação específica, basta observar o que vem acontecendo com o nosso País. Encontrando alguma vaca a conduzir o rebanho pro brejo, peço que me informe.

Já que o meu leitor iracundo se deu o trabalho de alertar-me para o perigo de metáforas sobre animais, faço-lhe notar que a minha crônica continha outras referências do gênero. Por exemplo: Para burro enfeitado não faltam noivas; bater na cangalha pra burro entender. Talvez ele tenha imaginado aplicações específicas nestes casos, mas preferiu não externá-las. Acho até razoável a omissão, pois um político se referiu a outro como burro, e recebeu a seguinte advertência: “Você pode dizer que ele é inculto, néscio, iletrado, ignorante, incompetente, mas burro ele não é”. Talvez o leitor iracundo tenha reservado uma segunda etapa de apedrejamento para mim, pela referência ao burro. Neste caso, considere a advertência citada acima como antecipação da minha resposta.

Expressões como as que usei permeiam a linguagem popular, enriquecendo-a em todos os países. Quando li pela primeira vez o Dom Quixote no original castelhano, notei que a maioria dos provérbios colocados por Cervantes na boca de Sancho Pança são praticamente os mesmos de Portugal e Brasil, e muitos provérbios franceses e ingleses têm também o mesmo teor. É certo que isto ocorre também nos outros países, pois a vida predominantemente pastoril de antigamente deparava em todos os lugares com problemas semelhantes. E a placidez da vida bucólica possibilitava elucubrar advertências, ditados e outras formas sintéticas de linguagem, cujo conteúdo guarda por isso tantas semelhanças.

O significado ou mensagem da maioria dos provérbios é fácil de entender, pois as analogias falam por si. O mesmo não acontece com muitas palavras. Elas entram sorrateiramente na linguagem quotidiana, e quando se vai procurar a origem, muito tempo depois, é difícil ou impossível encontrá-la. Estou curioso em saber, por exemplo, que coisa, lugar, cidade deu origem à palavra usada em “foi pro beleléu”. Talvez alguma vaca ou burro tenha errado o caminho do brejo e desaparecido nesse beleléu. Cada animal tem suas preferências…

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Esta coluna semanal pode ser reproduzida e divulgada livremente

4 COMENTÁRIOS

  1. Jacinto:

    Pessoas desse tipo agem sempre assim: se você se cala, consente. Se você responde, acusam você de ser irascível. São donos da verdade absoluta. Um grande amigo sempre me dizia que eu dou um tiro de canhão para matar um mosquito.

    Se a nossa verdade não cala o agressor, pode despertar do sono um possível aliado. Pense nos aliados que você pode despertar, e prossiga na sua luta.

    Francisco De Filippo

  2. para o inculto e raivoso leitor que se manifestou contra o texto plenamente pertinente, menciono: “quem muito fala acaba dando bom dia a cavalo”…

  3. Prezado Amigo Jacinto
    Observei a sua obra e nada encontrei que ofendesse.
    Entretanto permita-me a liberdade de dizer

    -Por falar em proverbio popular : “É preferível você se calar, colocando em dúvida a sua inteligência, do que falar e todos terem ,absoluta certeza de que você é um verdadeiro idiota”
    Sem comentários.

    -Sei que você esta muito bem preparado para as pedras que te jogam, Quanto as “flechas” já sinto.

    Abraços Fraternos.

  4. Caríssimo autor, Jacinto Flecha:
    Quem lhe atirou pedras por causa da “vaca que foi pro brejo”, é um desses idiotas úteis, que alardeiam o marxismo cultural e suas mazelas.
    Deveria ler “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, do Olavo de Carvalho. Não me cansarei de dizer isso.

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