A resistência de Shimabara
A resistência de Shimabara teve episódios épicos em que sucessivos exércitos pagões foram derrotados com imensas perdas, sendo que os católicos sofreram muito pouco.
(Quadro acima: O embaixador Hasekura Tsunenaga se ajoelha diante do Papa. Pintura japonesa anônima, século XVII)
Impotentes, os pagãos pediram auxilio aos holandeses protestantes que primeiro forneceram pólvora e canhões.
O chefe holandês Nicolaes Couckebacker se engajou pessoalmente na batalha.
Ele montou os canhões num barco de guerra e na costa.
Estas armas dispararam cerca de 426 projéteis em 15 dias, sem grande resultado, e dois vigias holandeses foram baleados pelos católicos resitentes.
Parte das mais de 400 balas desenterradas pelos arqueólogos podem ser vistas também no Museu de Shimabara.
Os mesmos peritos encontraram 16 cruzes de metal no castelo, provavelmente feitas a partir da fundição dos projéteis.
Afinal os holandeses se retiraram e receberam uma mensagem dos católicos resistentes:
“Não existem soldados mais corajosos no reino para combater conosco, e não estão envergonhados de terem chamado ajuda de estrangeiros contra o nosso pequeno contingente?” (Doeff, Hendrik (2003). Recollections of Japan. Translated and Annotated by Annick M. Doeff. (Victoria, B.C.: Trafford).
Por fim, o Shogun (chefe militar do império) concentrou um exército de 125.000 homens que arrendeu a fortaleza pela fome e falta de munição. 37 000 católicos e simpatizantes foram presos e martirizados logo a seguir. A perseguição se estendeu a todo o império.
Em Nagasaki, padres eram mortos em público e queimados vivos. Aproximadamente 80% dos cristãos da cidade foram executados e os outros foram presos ou escravizados.
Prêmios em dinheiro eram oferecidos aos que denunciassem os religiosos clandestinos.
Os portugueses foram expulsos do Japão, e os protestantes foram premiados. Cfr. Os últimos samurais cristãos.
Até hoje, em datas festivas, as perseguições aos cristãos são lembradas. Na semana do Festival Okunchi, celebrado entre os dias 7 e 9 de outubro em Nagasaki, os moradores da cidade abrem a porta de suas casas e exibem seus pertences no jardim.
Trata-se de um costume do século XVII, quando eles eram obrigados a mostrar tudo o que possuíam para provar que não eram católicos.
“Vosso coração é semelhante ao nosso”
São Francisco Xavier S.J. aportou no Japão em 1549, iniciando a pregação da religião católica. Sua obra foi continuada com grande sucesso por muitos outros missionários.
Sessenta anos depois, o Shogun, chefe militar do país, desencadeou uma perseguição contra a jovem Igreja, rivalizando em furor e crueldade com a do imperador Diocleciano no tempo das catacumbas romanas.
As histórias dos mártires japoneses evocam as dos santos dos primeiros séculos no Império Romano.
Muitos, inclusive mulheres e crianças, foram assassinados com inaudita crueldade.
Porém, os que sobreviveram na clandestinidade mantiveram a fé e a transmitiram a seus filhos durante dois séculos.
Na Sexta Feira santa de 1865, dez mil “kakure kirisitan”, ou cristãos ocultos, saíram dos povoados e apresentaram-se em Nagasaki aos missionários.
Estes ficaram de início muito surpresos, pois havia pouco que tinham conseguido ingressar novamente no Japão e mal suspeitavam essa épica história de fidelidade.
Vendo chegar missionários do Ocidente, alguns desses “católicos ocultos” foram à missão e os interrogaram perguntando se eles acreditavam eles no Papa, na Sagrada Eucaristia e em Nossa Senhora.
Ouvindo a resposta positiva, responderam: “Então vosso coração é semelhante ao nosso”.
Esses católicos obedeciam ao conselho dos últimos missionários: só confiarem nos missionários que professassem essas três verdades- chaves da verdadeira religião.
Nagasaki voltou a ser a cidade com mais forte presença católica no Japão. Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, dois de cada três católicos japoneses viviam nela.
Em 1945, esses católicos sofreram um novo e terrível extermínio pela bomba atômica que foi jogada na cidade.
O exemplo dos “católicos ocultos” japoneses é especialmente estimulante, sobretudo quando se pensa na enxurrada de progressismo e de teologias subversivas que tentam extinguir a fé dos católicos autênticos.
O achado no Vaticano
Uma outra descoberta relativa à gesta dos “católicos ocultos” aconteceu no Vaticano em 2011.
Trata-se de uma coleção de por volta de 10.000 documentos oficiais, escritos na sua maioria, da época da perseguição religiosa ou período “Edo” (1603-1867).
Eles foram coletados pelo missionário italiano Pe. Mario Marega († 1978) que viveu longos anos no Japão e reuniu pacientemente esse formidável acervo documentário.
O Professor Kazuo Otomo do Instituto Nacional de Literatura Japonesa está agora restaurando e analisando esse tesouro histórico.
Os documentos são em sua maioria relatórios do controle da religião dos habitantes das regiões católicas.
“Este volume inusualmente grande de relatórios oficiais mostra devassas policiais e privações da liberdade religiosa”, diz o Prof. Otomo.
Os escritos permitirão estudar com minúcia essa perseguição, acrescentou.
Malgrado a brutalidade das leis, o catolicismo sobreviveu especialmente em certas partes da ilha de Kyushu, a terceira maior ilha do arquipélago japonês, ou em ilhas mais remotas, onde ainda há continuadores católicos da pregação de São Francisco Xavier.
O Pe. Marega coletou esses documentos quando morava na ilha de Kyushu antes e depois da II Guerra Mundial. No material também há relatórios oficiais da prefeitura de Oita, onde estão as grutas de que falamos no início destes posts.
Os escritos mostram uma rotina de espionagem da adesão religiosa dos cidadãos residentes, registros de conversões religiosas, policiamento da vida dos parentes de cristãos ou ex-cristãos, e os métodos dos agentes do governo para obrigar os católicos a acalcarem imagem de Jesus e Maria para provarem que não eram católicos.
“Este é o tipo de achado que faz a gente cair de joelhos” disse Rumiko Kataoka, especialista em Histórica Cristã Japonesa na Universidade Católica Junshin de Nagasaki.
“Detalhados documentos oficiais jogam luz sobre a maneira que os católicos mantinham sua fé”, na região, acrescentou ela.
Historiadores de Oita cooperarão com o projeto Marega cruzando as informações com as que eles coletaram no local, disse Akihiro Sato, chefe do Arquivo Histórico dos Sábios Antigos da Prefeitura de Oita.
Otomo disse que três dos 21 pacotes de documentos já foram abertos e estão a disposição dos pesquisadores que poderão pesquisar também nos outros pacotes.
“Este é um estudo que mostra o relacionamento entre um estado [pagão] e uma religião [a católica]. Há muitas questões hodiernas que estão envolvidas nisso, para serem estudadas”, acrescentou o Prof. Otomo.
A equipe do Prof. Otomo planeja publicar online todo o material.
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