De modo geral, as cidades e seus logradouros recebem nomes relacionados com pessoas ou características diversas, indicadoras do interesse da população local.
Depois os fatos e interesses mudam, e a vinculação inicial que deu origem ao nome vai sendo esquecida. Por exemplo, quando criança eu ouvia referências a uma cidade mineira chamada Ponte Nova. Setenta anos depois ainda permanece o nome, que glorificava uma ponte supostamente grandiosa. Pergunto-me se ela ainda é a mesma, se continua nova ou se foi reformada. Talvez tenha sido substituída por outra, a fim de garantir à cidade o direito ao nome…
Algo assim acontece com o bairro paulistano de Higienópolis (cidade da higiene, ou higiênica). O nome perde cada vez mais sua razão de ser, por motivos diversos, mas especialmente devido à cachorrada. Não me refiro a malandragem, ladroeira, deslealdade, ou alguma outra acepção pejorativa do vocábulo, que certamente se aplica também a alguns por aqui. Refiro-me a cachorro mesmo, de quatro patas, que urina em poste, deposita seus dejetos no passeio, alberga populosa colônia de Pulex irritans, cumprimenta com au-au seus semelhantes (de quatro ou de duas patas), e se recusa a entender que o sobrenome de Canis vulgaris se refere a ele.
Os passeios públicos pertencem agora a cachorros de todas as raças naturais ou geneticamente modificadas, de todos os países, de todas as cores; mal encarados como buldogues, oportunistas como lulus e desocupados como seus donos. Dezenas, centenas, milhares deles — números estatisticamente aferidos e sem nenhum mille cani, como diria o ítalo-brasileiro da piada, ao narrar com exuberância gesticulatória a barulhenta briga de dois cães.
Há sempre o risco de ferir os “direitos dos animais”, cujo deslocamento sinuoso e aleatório flui sempre para o lado em que o pedestre excluído pretende passar. Os vereadores ainda não perceberam que aí está uma grande oportunidade para ganhar votos – não o meu – se inventarem mais uma pista exclusiva: um passeio alternativo para uso dos humanos excluídos.
Em situações como essa de pedestre excluído, se eu não soubesse contar até dez (algumas vezes tenho de avançar por outra dezena), o totó receberia um possante e bem calibrado chute, que a madame entenderia como extensivo a ela (ou ao marmanjo equivalente), zerando assim nossas contas. Inspiração esta herdada do meu avô, que pegava logo uma espingarda quando via até o mais pacífico vira-latas. Na fazenda dele não havia madames por perto, e ele atirava mesmo.
Dias atrás eu caminhava distendidamente pela rua, quando deparei com a confraternização de dois lulus no centro do passeio, cada um retido pela coleira por uma madame. Postara-se uma no canto e a outra na margem, configurando uma comunidade obstrucionista a inviabilizar minha passagem. Pensei na saudosa espingarda do meu avô, especialmente adequada por ser de dois canos. Mas concluí logo que seriam necessários quatro canos… Melhor agir com cordialidade, até com amabilidade, e fui preparando mentalmente este pedido extremamente amável:
— Vocês quatro poderiam dar-me uma licencinha?
Minha contagem estava concluindo a segunda dezena, quando percebi o perigoso nivelamento humano-canino que a amável frase insinuava. Já me bastam os aborrecimentos que surgem por geração espontânea, e achei melhor descer do passeio para contornar aquela comunidade. Mas considero muito antiquada uma previsível reação agressiva das madames a propósito da minha insinuação igualitária, pois muitas delas dedicam ao lulu um tratamento equivalente ao de filho, ou até mais requintado. Inclusive chamando-o de filhinho, como já ouvi muitas vezes.
Já se constroem motéis para esses animais privilegiados, e inventaram até uma nova profissão: passeador de cachorros. Noticiaram que Higienópolis tem mais espeluncas de lavar cachorro (desculpe, pet shops) do que farmácias, parecendo indicar que a saúde dos seres humanos vai bem, e a higiene dos lulus também. Gostaria de poder dizer o mesmo da higiene das ruas. Quanto aos seres humanos, meu receio é pela saúde mental. Sei lá como anda isso!…
O texto retrata com fidelidade nossa triste perda de humanidade.
Mas, eles, os que levam à risca a famosa frase de Alexandre Herculano – “Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais” – interpretaram mal a frase.
O nome disso é coisificação da humanidade, e personalização do restante, o que inclui, em especial, os nossos queridos animais caninos.
Aqui mesmo em Brasília, há cerca de 02 anos, um Policial Militar foi execrado publicamente e à exaustão pela mídia local, porque defendeu-se de um ROTTWEILER conduzido por seu dono, um “PIT BOY”, dando um tiro nas fuças do primeiro, que avançara contra o policial em serviço(isso não vem ao caso). O mesmo não ocorre mais, quando, por exemplo, nesse fim de semana(28/06/14), um policial da mesma força, foi alvejado com 02 tiros no rosto em serviço também.
REALMENTE, O AUTOR DO TEXTO FOI EXTREMAMENTE EDUCADO AO QUALIFICAR OS AMANTES DE CÃES, EM DETRIMENTO DE SEUS IRMÃOS DE ESPÉCIE.
Valdi Dreyer,
Irmão Valdi!
O único nome digno para os proponentes da igualdade humano-canina é para aquelas largas avenidas que iniciam com o adjetivo/substantivo MARGINAL. Já pensou: uma dessas famosas ruas chamando-se Marginal “9 dedos”?
Bem ácida sua postura em relação ao tratamento destinado pelos humanoides aos caninos sortudos, porque, como diz meu pai, até cachorro tem que ter sorte. Eu tenho uma estima especial pelos tiozinhos, mas reconheço que são mesmos absurdos os cuidados destinados a eles. E, com efeito, são tratados com muito mais respeito e dignidade que muitas pessoas por aí, jogadas à própria sorte, que nem sempre é tão boa quanto à de um cachorro de madame ou “madamo”. Talvez seja isso resultado de um vazio de alma, ou em razão de pura superficialidade humana e espiritual mesmo.
O que vejo deveria entristecer a todos que amam a Cristo. Pessoas que deveriam estar sendo cuidadas em hospitais psiquiatricos são abandonados pelas ruas. Aqui no bairro onde moro estão perambulando por aí sem os cuidados necessários por causa de um movimento chamado “anti-manicomial”. Ando pelo bairro e não encontro um único cachorro abandonado.
Não nos assustemos se, num futuro não muito distante, houver ruas com nome de algum canino ou felino ilustre (o que, de certo modo, seria até mais conveniente do que o nome de determinados cachorros e gatunos da atualidade, que sonham com tal homenagem).
Jacinto parabéns pelo artigo. Será que essas gentis senhoras não poderiam dar um pouco de seu tempo ao atendimento de seres humanos abandonados? Depois queixam-se assaltos e outros crimes que não são somente problemas da polícia, mas sim de todos nós. Em vez de ter um “luluzinho” em casa, que tal doar esse tempo a ele dedicado ao atendimento de uma criança ou um idoso, mesmo que seja em uma creche ou casa de repouso para idosos?