Por este título, você pode perceber que a crônica de hoje pretende ser leve. Imagine se eu escolhesse mergulhando no dicionário! Ou, pior ainda, substituísse o verbo por escarafunchar, prospectar ou destrinchar. Com qual destes você se sentiria mais atraído para ler o que pretendo contar-lhe hoje? O que vou dizer é importante, mas não basta eu o afirmar assim, sem mais nem menos. Então, feito este esforço de captatio benevolentiæ, e com a expectativa de você ter gostado do título, decidindo-se a ler-me até o fim, vamos iniciar nossa viagem, aliás bem curtinha.
Começo lembrando-lhe que muitas palavras são usadas sempre em sentido favorável, bom, elogioso; em outras a conotação é desfavorável, depreciativa, ruim. Pai e mãe estão no primeiro caso, ladrão e demônio exemplificam o segundo.
Por piores que sejam as lembranças do pai e da mãe, são incontáveis os fatores para gratidão, reconhecimento, retribuição. Sente-se bem isso, comparando pai com padrasto, mãe com madrasta. Esta faz quase tudo o que faria a mãe, mas esse quase tudo é quase nada, comparado ao que se deve à mãe. E em muitos casos o relacionamento do enteado com padrasto e madrasta é cheio de atritos e desavenças.
Ladrão e demônio têm papel claramente negativo na nossa vida, e o repúdio a ambos precisa ser sempre renovado. Devo ressalvar, no entanto, o sentido da palavra ladrão, quando se refere a um recurso de engenharia destinado a desprezar o excesso de líquidos, por exemplo, em represas ou reservatórios. Um sentido apenas analógico, pois o ladrão “rouba” o líquido excedente. Quanto ao demônio, deve ser escorraçado sempre, sem dó nem piedade. Mas tenho notado ultimamente certa benevolência em relação a ele, em pessoas referindo-se carinhosamente aos meus demônios. Estranha benevolência, estranho carinho!
Cada governante costuma deixar obras perenes como marcas do seu governo. Daí nomes como Carlos Magno (o grande); Luís XIV, o rei-sol; Ivan, o terrível; Luís, o piedoso. Se não deixou grandes obras, pode ser lembrado por uma qualidade física: Carlos, o calvo; Pepino, o breve (pequeno); Balduíno, o leproso.
Outra maneira de avaliar o governante por meio da linguagem refere-se à forma de governo. Quando se fala em rei, a impressão é sempre elogiosa. Ninguém ignora que houve reis maus ou incompetentes, mas era o rei, portanto o melhor ou o mais importante. Muitas lojas comerciais ressaltam essa boa qualidade, denominando seu comércio como rei disso ou daquilo (rei dos parafusos, dos pneus, do misto quente, etc.). Não tenho visto lojas valorizando a função de presidente, o que em parte se compreende (apenas em parte…) por ser um cargo temporário, transitório, pois a própria palavra indica a pessoa que está presidindo, com validade limitada. Quanto à marca rei, permanece elogiosa e garante durabilidade vitalícia.
Mais uma forma de governo: ditadura. Mesmo que o ditador faça bom governo, o povo o encara como “aquele que manda sozinho”, e isso não é adequado para deixar boa imagem. Geralmente o ditador precisa contrariar interesses de muitos, e os que são contrariados resmungam ou conspiram o tempo todo, criando assim uma avaliação desfavorável na opinião pública.
Relatos históricos são reescritos e reformulados de acordo com ideologias ou interesses do momento, mas não conseguem remover uma avaliação popular bem definida. O conceito de rei, como está profundamente enraizado na mentalidade popular, é uma prova evidente disso. Por mais que a historiografia posterior à Revolução Francesa tenha emporcalhado a imagem dos monarcas e da própria monarquia, não conseguiu demolir essa espécie de veneração popular.
Você já ouviu alguém ser criticado porque praticou um ato nobre? Quando se elogia uma pessoa por ter coração nobre, você a imagina como sendo de mau caráter? Nobre é um adjetivo sempre elogioso, indicando alguém de bom coração, altruísta, abnegado. No entanto, certos livros de história pintam um quadro negativo sobre a nobreza na época da Revolução Francesa. Imagem intencionalmente distorcida, basta compará-la com essa que está profundamente arraigada na mentalidade popular. Livros de História sérios não ignoram que a charanga de agitadores da Revolução Francesa foi patrocinada e lubrificada pela burguesia endinheirada, exploradora e aproveitadora. Quem se beneficiou com a Revolução? A burguesia, é claro!
Vamos encerrar nosso passeio aéreo, aterrissando numa página do dicionário contendo duas palavras de mesma origem etimológica, com significados opostos. Uma serve para qualificar alguns personagens desta crônica, famosos pela sua boa atuação; a outra se aplica aos demais, classificando-os como famigerados. Curiosamente, a má reputação dos famigerados não compromete a das instituições que eles dirigiram. A avaliação destas se faz por outros critérios, independentes da reputação individual.
Você nunca vai ouvir falar na “republica” dos céus, ou no triunfo da “revolução dos anjos” contra o “criador tirano”. Reis são uma conseqüência de um modelo de liderança enraizado na consciência humana. Há muitos relatos históricos de tiranos que se fizeram passar por reis. Mas um Rei verdadeiro é ungido segundo a vontade de Deus.
O bom exemplo está no Antigo testamento. Aprendemos com Moysés, Saul, Davi (o primeiro)e Salmomão que realeza não é uma questão apenas de berço (Moysés), aclamação popular (Saul) ou primogenitura (David e Salomão).
Mas de um profundo sentimento de Temor à Deus.
Dom Pedro II foi um ótimo exemplo dessa condição trágica de modelo moral e liderança vitalícia.
Interessantíssima essa abordagem sobre o significado das palavras por associação de imagens.
Graças ao Bom Deus tive oportunidade de ouvir várias exposições, sobre temas diversos, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira. Muitas e muitas vezes ele sublinhava a necessidade de continuamente recorrermos ao dicionário, sobretudo para a nossa geração, filhos da era industrial.
Isso livrou-me ( falo de mim mesmo, outros dirão de si) de muitos e muitos enganos que a Revolução procura nos impingir.
Por exemplo, o epíteto que os historiadores aplicaram à mãe de D. João VI, chamando-a de “louca”, ela , no entanto aconselhou a D. João VI a escapar das tropas de Napoleão, e vir para o Brasil. Foi uma das poucas Casas Reais da Europa ( senão a única) que não caiu nas malhas da Revolução Francesa. Por isso, a chamam de “louca”. É bom lembrar que a Corte Real em Lisboa estava cheia de inimigos do Rei, e adeptos da Revolução Francesa. Dona Maria “a louca”, livrou seu filho das humilhações sofridas por outras “cabeças coroadas”. Também D. João VI passou para esses historiadores como um rei bobo, que de bobo nada tinha.
Napoleão e suas tropas ficaram nas praias portuguesas,literalmente, “a ver navios”. Esse dito também ficou registrado, e mostra bem quem era o “bobo” deste episódio histórico….