Em matéria de arte, sempre estive de um lado só – o de apreciador – pois nunca consegui produzir qualquer imagem ou objeto com alguma qualidade artística, mesmo rudimentar. Não pretendo esconder que me dediquei bastante, e com relativo sucesso, a um tipo de arte muito comum no mundo infantil. Cheguei até a receber muitas vezes as recompensas sonoras e doloridas por esse meu trabalho artístico.
Não sei se a expressão fazer arte é conhecida fora da zona onde nasci, pois não a tenho ouvido depois de adulto. Consultei agora o dicionário, mas só encontrei a definição de arteiro: quem faz traquinices, traquinas, travesso. Quando criança, ouvia ambas muitas vezes por dia. Parece-me até um tanto exagerada a frequência com que me acusavam de estar fazendo arte, ou de ser arteiro, mas o fato concreto é que as consequências eram também frequentes, materializadas sob a forma de chineladas sonantes acompanhadas do meu contraponto vocal (conhecido como abriu o bué).
Lembro-me de uma arte dessas, aliás muito bem intencionada. Peguei um pedaço de tábua de meio metro, reuni uma centena de pregos de vários tamanhos, idades e formas, arranquei um tijolo que estava meio solto na parede de uma edícula, e com a ajuda de um martelo consegui firmar o tijolo sobre a tábua com um fio de cobre. Os pregos restantes foram martelados na tábua, ficando alguns na vertical ou inclinados, outros entortaram, poucos concordaram em mergulhar na madeira. Depois apliquei massa de cimento e areia sobre o tijolo.
Mas nesse ponto apareceu, pé ante pé, o par de chinelos em cima do qual caminhava uma pessoa muito querida, mas muito afeita ao uso punitivo do chinelo. Mais uma vez fui pego em flagrante, e ela nem sequer aguardou meu arrazoado sobre o empreendimento artístico. Não havia leis garantindo os direitos da criança, lei da palmada, campanha contra o bullying, tribunais de pequenas causas, tribunais de apelação, sursis, habeas corpus, advogados de defesa. E um castigo pode não ser agradável, mas faz a gente pensar duas vezes antes de repetir a infração.
Rememorando o assunto, não consigo lembrar qual objeto artístico eu queria criar com aquele projeto em andamento. Mas reconheço que havia alguma razão para meu órgão recebedor de chineladas ser torturado naquela ocasião, afinal eu inutilizara uma tábua e muitos pregos, e ainda deixara um buraco na parede.
Quando penso sobre a forma, os componentes, o conjunto daquele meu esboço de obra criativa, vejo que ele teria hoje todas as condições para figurar com destaque em qualquer exposição de arte contemporânea, e até imagino para ele um título muito adequado: Construção. Multidões interessadas disputariam minha obra a preço de ouro, e assim eu resolveria de uma vez por todas o aspecto financeiro e patrimonial. Além dessas vantagens, sem dúvida eu me classificaria como gênio precoce. Não é por acaso que algumas vezes me vem a impressão de ter nascido no tempo errado…
Se você já teve a infeliz ideia de visitar alguma Bienal, sabe bem que estou falando daquela tranqueira disforme, ilógica, malcheirosa, criminosa, deturpadora, que de dois em dois anos entulha amplos espaços construídos e pagos com nosso dinheiro de contribuintes. Não tenho dúvida de que tudo aquilo merece ir para o fogo ou para o lixo. Será isso o que fazem seus compradores ou expositores?
Nunca faltam nessas exposições os produtos abomináveis de mentes doentias como ateus, perseguidores da Religião, blasfemadores. Neste ano, ultrapassou todos os limites o número de participantes e produtos asquerosos dessa categoria, e a qualidade dessas peças de ateísmo e impiedade só fez piorar.
Como declarei acima, uma eventual visita à Bienal seria uma infeliz ideia, e você deve estar estranhando que eu qualifique de modo intencionalmente agressivo as obras expostas, sem ter ido lá. De fato eu nunca fui e nunca irei, pode estar certo disso. Mas não preciso comparecer à Bienal para avaliar aquelas monstruosidades, basta ver na mídia os itens expostos, que emporcalham suas páginas e espaços.
Pensando bem, acho que obras assim podem resultar da falta do chinelo, quando ele era necessário. Palmatórias, palmadas e chinelos foram banidos dos recursos educativos atuais. Mas não sendo usados na idade oportuna, será necessário recorrer no futuro a instrumentos punitivos maiores, mais fortes e mais convincentes, com tamanho proporcional ao do delinquente adulto que não os teve quando criança.
Um instrumento desses, que também saiu dos nossos horizontes, é o pelourinho. Ótimo instrumento de punição pública, que desestimulava atos lesivos aos costumes e à moralidade. Você não acha que um pelourinho colocado bem diante da Bienal seria um bom estímulo para a produção de obras realmente artísticas, e para a exclusão dessa multiplicidade de achincalhes à verdadeira arte? Faz muita falta um pelourinho…
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Sou de opinião de que na situação em nos encontramos, um pelourinho seria pouco. O que nós estamos precisando realmente para por fim à essas barbaridades é restaurar a Santa Inquisição em todo o seu poder e glória.
Creio que um pelourinho colocado frente ao edifício da Bienal inspiraria muita gente a não “fazer arte” e direcioná-la-ia na produção de verdadeira arte, ou seja, sem blasfêmias.