Protestante com alma católica

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Profundo, impregnado de poesia e concebido com invejável simplicidade. Foi esta a minha impressão sobre o texto enviado por um leitor da minha crônica Do órgão à cuíca. Transcrevo-o parcialmente, com alterações mínimas:

“No dia de Pentecostes, os apóstolos falaram a língua que sabiam, e todos os turistas estrangeiros ouviram como se falassem nas suas próprias línguas. Para mim, a única explicação natural desse milagre seria que eles não falaram, mas cantaram. Deus está na música, sua beleza me basta. Talvez o canto gregoriano seja a maior produção da Igreja Católica no campo da música. Ouvindo o gregoriano, ele vai fazendo sua tarefa de sedução. Penetra suavemente nos ouvidos, como uma brisa aveludada que acaricia e inunda de suavidade a alma, até atingir o seu centro. Entrego-me à melodia, estou derrotado.

“Um dos mais belos versos da língua portuguesa diz que ‘todo cais é uma saudade de pedra’. E eu acrescento: ‘Todo sino é uma saudade de bronze’. O cais anuncia partidas e distâncias, o sino anuncia mundos que não existem mais. Amo os sinos. Sua música é uma borboleta que entra na cela de uma prisão, vindo de lugares indefinidos num passado distante. Fala de mundos que só existem na saudade. Acho que Deus mora na saudade, e o repicar dos sinos, que nada diz e nada significa, é um altar construído com sons.

“Onde estão os sinos? Não sei. A Igreja se modernizou, acho que ficou com vergonha das suas coisas antigas. Se eu fosse o Papa, ordenaria que os sinos fossem tocados às seis da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde. Mais do que muitos sermões, isto faria o corpo se lembrar de Deus. Em São Paulo havia um seminário, e no centro do pátio um sino que marcava o ritmo da vida. Desapareceu, e no seu lugar puseram uma coisa moderna, uma cigarra estridente. Nada mais contraditório que o repicar dos sinos nas cidades grandes. Delas é o barulho das buzinas, motores, alto-falantes.

“No vitral está a arte do trabalho com os vidros – cores, transparências, luz. Amo os vitrais. É maravilhosa uma catedral gótica quando a luz do sol se filtra através dos vitrais. Como no arco-íris, sua luz não pode ser tocada, transformar-se em ídolo. A alma é um vitral. A vida se retrata no tempo, formando um vitral de desenho sempre incompleto, de cores variadas, brilhantes, quando passa o sol.

“Minha educação foi protestante. O protestantismo sempre teve medo da beleza em sua objetividade plástica. Por medo da idolatria, não produziu nada que pudesse comparar-se a obras de arte. Para não correr o risco do olho que escandaliza, os protestantes seguiram à risca o Evangelho e arrancaram os olhos. Amo na Igreja o que saiu das mãos dos artistas. A beleza salva sem nada dizer.

“Os protestantes diziam que latim é coisa de padre, e não o estudavam, por isso não o aprendi. Os padres modernosos, com a pretensão de ensinar e conscientizar, dizem que ninguém entende o latim. Mas eu amo o latim porque não o entendo. Quando eles cantam sua música, só não entendo a letra, mas penetra em mim a suave melodia e o encanto do seu canto. O Papa deveria tornar obrigatório o latim. Se os sacerdotes só falassem latim, eu me converteria à Igreja, precisamente porque não o entendo. Um Deus que qualquer um compreende não pode ser grande coisa, um mar que a gente compreende não passa de um aquário. Também não entendo os riachos, os pássaros, o vento, as minhas netas, e os amo todos.

“Amo a Igreja também por aquilo que ela faz com os meus sentidos. Cessado o pensamento, eu me transformo num ser só de sentidos, do jeito como nasci. Sou olhos, ouvidos, nariz, boca, pele. Vejo, ouço, sinto cheiros, sinto gostos, sinto toques. Amo os espaços vazios das catedrais góticas, por onde a alma voa. Amo os mosteiros e seus claustros, os jardins, as fontes, as ervas, o incenso.

“Eu me converteria a uma Religião cujas palavras fossem silenciadas, para que a música pudesse ser ouvida. Diante da Igreja, enquanto ouvi o seu canto, ouvia uma outra voz, como que vindo nos interstícios do brando encanto com que o canto dela vinha até nós.”

Lamento não ter conhecido Rubem Alves, recentemente falecido. Embora eu nunca tenha tido um minuto sequer de formação protestante, admiro nesse protestante sensível e de alma grande o apreço que teve pelos valores culturais da civilização católica. Valores esquecidos e até repudiados por muitos que deveriam dar exemplo de amor e admiração por aquilo que eles representam. Rezei pela alma dele.

13 COMENTÁRIOS

  1. Alvaro,

    O Antigo testamento para nós, Cristãos, é só referência, mesmo porque, não somos judeus (Gàlatas 3:24).

    Se há um só mediador, pq eu pediria para um “co-mediador” interceder por mim? Se pela graça, o Apóstolo Paulo, categoricamente nos disse que: “Com ousadia, entremos no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus” (Hb10:19).

    Ou ainda: “no qual temos ousadia e acesso em confiança, pela nossa fé Nele” (Ef3:12).

    Olha, eu estou lendo a Palavra de Deus, que é fiel e verdadeira, e se eu posso falar com ousadia com o Autor da criação, sinceramente, não entendo pq eu deveria rogar à uma criatura, para que esta interceda por mim.

    Por isso agradeço a Deus, todo poderoso, pelas palavras do seu Filho Amado, o Libertador, quando disse: “Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” Ap. João 8:32.

    Que a Graça de nosso Senhor Jesus seja convosco.

  2. O texto apresentado, representa a mais rara beleza que um Ser Humano irradia, pela simplicidade nas palavras, é com sentimento que se mostra o quanto a Igreja católica se apresenta no mundo, a religiosidade ecoa no fundo da alma quando é sentida. Os sinos transbordam alegria e significado através dos sons de que Deus está em cada nota ecoada.

  3. A paz do Senhor Jesus, irmão em Cristo.

    Lendo os cometários, não pude resistir e preciso fazer um comentário ao Comentário de “Guaraci de Castro Neves”.

    Como pode essa tal de “Senhora” interceder pela alma de alguém? Intercederá ela a quem?

    Será que as escrituras falharam ao afirmar em várias passagem que há um único intercessor junto ao Eterno Deus? Eu acredito que não!!

    “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, 1 Timóteo 2:5

    a Jesus, mediador de uma nova aliança, e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel. Hebreus 12:24”.

    Meu Bom Pai, Jesus está voltando pela Segunda vez e os olhos de certos não se abrem. Misericórdia Bom Pastor!

  4. Eu diria q é o Instituto Plinio C. O. quem tem a alma protestante: está atento aos desvios da Igreja (e do Bispo de Roma, que acolheu guerrilheiros marxistas como a irmãos e silenciou diante do martírio cristão sob o atual Estado Islâmico). O IPCO protesta e exige reforma (retomar a forma) e corre risco de, assim como Lutero, ser excluído da comunhão daquela por quem se afadigou para remover rugas e máculas.

  5. A religião de Rubem Alves, como ele a descreve, se assemelha mais com animismo. Se ele tivesse a oportunidade de conhecer um templo budista ou um jardim japonês, entraria em êxtase.

  6. Jesus disse a Nicodemos: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus”. E este nascer de novo é realizado pelo próprio Deus enquanto vivemos nesta terra, sem merecermos, por pura ‘graça’. Depois da morte física. segue-se o ‘juízo’ (Hebreus 9.27) e isto significa que não mais intercessões.

  7. Não deve ser um verdadeiro protestante, pois quando ele diz a certa altura que”…um deus que qualquer um entende não pode ser um grande deus…”. Deve ser esse protestante/católico, um daqueles que NÃO LEEM A BIBLIA, pois se lesse e aceitasse o que a Palavra de Deus diz, jamais falaria um coisa dessas. Talvez ele ainda seja um católico querendo ser protestante, mas qua ainda não se converteu a Cristo de verdade. Disse abobrinha.

  8. acrescento apenas que o som dos sinos, o canto gregoriano, o latim… são como a música das esferas… como o cantar dos Anjos. Abençoados sejam os que os apreciam. Deus seja Louvado pela Beleza!

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