Em entrevista para a Catholic Radio and Television Network, o Arcebispo-mor de Kiev-Galícia e de toda a Rússia, Dom Sviatoslav Shevchuk, Primaz do Rito greco-católico na Ucrânia, fez reveladoras confidências sobre sua formação eclesiástica acontecida sob o socialismo soviético.
O rito greco-católico é o maior dos ritos orientais da Igreja Católica: mais de 10 milhões de fiéis, incluindo a Ucrânia e a diáspora. Cerca de meio milhão deles reside no Brasil, especialmente no Paraná e em Santa Catarina.
Dom Sviatoslav explicou que cresceu numa sociedade totalmente ateia. Na escola “nos ensinavam que Deus não existia”. Só a família transmitia a fé crista.
O jovem arcebispo disse que a primeira vez que viu um padre foi por ocasião de um enterro.
“O sacerdote veio na calada da noite para celebrar o funeral e depois desapareceu velozmente. Como menino, fiquei curioso de saber quem era o sacerdote e o que estava fazendo. Eu entrevia nele um reflexo da presença de Cristo”.
“Esse sacerdote tinha estado duas vezes no cárcere por praticar seu ministério e através dele descobri verdadeiramente Alguém e alguma coisa pela qual vale a pena dar a própria vida”.
Foi assim que o futuro bispo decidiu ir para o seminário. Mas não tinha nada a ver com os seminários atuais.
A entrevista abaixo foi concedida quando Dom Sviatoslav era administrador apostólico da eparquia (diocese) de rito ucraniano em Buenos Aires. Foi concedida à associação “Ajuda à Igreja Necessitada” e tem a vantagem de estar dublada em português:
Funcionava assim: “O sacerdote que encontrei também era reitor do seminário secreto, clandestino. Para mim, foi a descoberta de um mundo completamente novo.
“Meu modo de estudar era bem estranho. Raramente encontrava meus professores do seminário – pelo menos uma vez cada dois meses. Quando os encontrava, davam-me sempre um livro, que tinha de copiar e estudar durante dois meses. Assim começou minha formação sacerdotal!
“Nem minha mãe nem meu pai estavam ao corrente. Se eu fosse descoberto pela polícia secreta, minha mãe, que era professora de música, e meu pai, que era engenheiro, teriam perdido o trabalho. Muitas pessoas na Ucrânia que foram descobertas acabaram detrás das grades ou no exílio.
“Graças a Deus não aconteceu nada. Para mim e para meu plano de me tornar sacerdote, a Mãe de Deus tinha que destruir a União Soviética.
“Eu me lembro que rezava: é impossível para os homens destruir o mal, mas para Deus nada é impossível.
“A Sagrada Eucaristia era o ponto central da nossa vida. Lembro-me de um sacerdote que encontrei certa vez: ele jamais falava muito dos sofrimentos, das perseguições e das torturas; ele me contava que certas vezes na prisão todos os sacerdotes celebravam a liturgia.
“Nós ficávamos pasmos: como é que isso era possível? De onde vinham o cálice e a patena?
“Ele tirou os óculos e disse: ‘Eis o que nós usávamos: uma lente servia de cálice com uma gota de vinho, e na outra, que servia como patena, púnhamos um pedacinho de pão. Assim nós celebramos a liturgia na prisão ou nos campos de concentração”.
O atual arcebispo Sviatoslav participou pela primeira vez de uma missa no ano 1991, quando acabava de servir como conscrito no Exército Soviético.
Quando ele entrou no Exército Vermelho toda a vida religiosa acontecia em segredo, mas ao sair a União Soviética estava caindo. Ele assistia à divina Liturgia na igreja de sua cidade natal de Strait, na Ucrânia.
“Era maravilhoso, sentia-me como no céu! A liturgia bizantina de São João Crisóstomo é um símbolo da liturgia celeste”, exclamou.
Dom Sviatoslav explicou que “o comunismo destruiu a nossa sociedade e que só por meio da graça do Espirito Santo é que a Igreja pode curar essas feridas.
“Durante a ex-União Soviética era perigoso ser cristão. Hoje na Europa o importante é não ter medo de ser cristão, ainda quando isso pareça não ser ‘conveniente’”.
Só o heroísmo na Fé – como o de Dom Sviatoslav e o de tantos outros sacerdotes e bispos que padeceram e até morreram sob a opressão comunista – leva à vitória os verdadeiros filhos da Igreja Católica.