Andamos tão encalacrados que murchou a ilusão do futuro radiante; tem um lado bom, começa a aparecer mais claro um problema generalizado entre nós, o voluntarismo onírico. A fuga da realidade tem jogado o país seguidas vezes no fundo do poço. Seduzidos por miragens, que não era difícil perceber, elegemos Lula e Dilma, no total quatro vezes. E chapinhamos agora na bandalheira como sistema beirando perigosamente o totalitarismo. Existem atenuantes? Sim, o mais eficaz deles, as mentiras da última campanha impactando em especial os dependentes do Bolsa Família.
Recordo dois fatos de relevo em nossa história. Lá atrás, a novidade, espécie de bruxedo, já enfeitiçava; a República pôs para fora o Império. E logo o governo Deodoro da Fonseca aplicou uma política econômica, nos traços gerais igual à nova matriz econômica do governo Dilma: crédito farto sem lastro com o fito de gerar, artificialmente, crescimento. As consequências da gastança foram as de hoje, inflação, fuga de capitais, crise fiscal e dificuldades de pagamento da dívida pública. O encilhamento e na mesma ocasião a ditadura de Floriano desmoralizaram o lero-lero ufanista que havia acompanhado a proclamação da República. Campos Sales repôs a política econômica nos trilhos do realismo. O segundo, recaída ainda recente, a Nova República de 1985 praticou longamente o voluntarismo mais que onírico, delirante. Os políticos proclamavam eufóricos, estavam varrendo o entulho autoritário e aplicando medidas de salvação da pátria. O delírio rápido deixou sequelas graves: o país empacou, a inflação disparou; na década de 80 foi de 36.850.000%. Fora o resto; por exemplo, quem seguiu as votações na Constituinte se lembra do desparafusado artigo 192, o dos juros de no máximo 12% ao ano, posteriormente quase todo eliminado pela Emenda Constitucional nº 40. O Plano Real, algumas emendas constitucionais e leis de responsabilidade fiscal permitiram ao povo respirar. As doidices da nova matriz econômica aliada à incompetência e à ladroagem nos jogaram de novo no fundo do poço.
Existe o perigo de nova recaída? Basta observar a movimentação dos políticos que, sentindo o cheiro dos votos, deixam suas agremiações e se alistam na Rede Sustentabilidade (a pajelança nova, com nota desagregadora e libertária semelhante à do Podemos espanhol). E o novo partido, que nem quer ser chamado de partido, vai seduzindo multidões atrás de novidades. É sabido, a chefe, Marina Silva, alimentada por décadas nas alas mais à esquerda do PT, sempre foi grã-xamã na difusão de sonhos demolidores. E vem aí o (ou a?) Raiz Movimento Cidadanista da deputada Erundina, mesmo descaminho.
Simplifico, trato só de um aspecto, fica mais fácil. O que pode fazer o Brasil deixar de ser eternamente o país do futuro, exprime-se em três palavras: aumento da produtividade. Em 1980, a produtividade do trabalhador brasileiro era 40% da existente nos Estados Unidos. Hoje, caiu para 24%. Produtividade influencia crescimento, salários, padrão de vida, competitividade, políticas sociais. Nenhuma vontade política substitui a criação de riqueza. Produtividade aqui é o Produto Interno Bruto dividido por trabalhador empregado.
Fator essencial para o aumento da produtividade é qualidade na mão de obra. A respeito, Renato Janine, ministro da Educação até outubro último, mostrou quadro aterrador: “Em 2014, dos alunos de terceiro ano do fundamental na escola pública do Brasil inteiro, isto é, meninos e meninas em torno dos 8 anos de idade, 22% não sabiam ler, 34% escrever e 57% não dominavam as quatro operações matemáticas. O problema é que, a partir do quarto ano, a escola vai tratá-los como se soubessem ler, escrever e fazer contas. Pensem nisso: três quintos das crianças não sabem calcular direito. Essa multidão terá um futuro profissional e pessoal limitado. O Brasil se dá assim ao luxo de descartar quase 60% dos seres humanos que poderiam ser bons profissionais e cidadãos informados. Tenderão a ficar numa segunda classe da sociedade. Alguns podem ser “salvos” depois. Mas, se não deu certo na hora certa, corrigir os danos mais tarde será caro e improvável”. Aponta causa determinante: “Um dos erros estruturais que o País cometeu foi descuidar da formação dos alfabetizadores. As antigas escolas normais, que eram estabelecimentos de ensino médio, formavam professoras alfabetizadoras. Na década de 1990, decidiu-se que professores da educação básica precisavam de graduação universitária, mas isso deixou a formação dos alfabetizadores em segundo plano. Hoje, precisamos fazer as correções na formação dos professores”. Ninguém vai fazer, infelizmente. A Pátria Educadora vive de sonhos.
Na mesma direção, os cursos de capacitação melhorariam a eficiência da mão de obra. Vejam a diferença. Hugo Braga Tadeu, da Fundação Dom Cabral, observa, em treinamentos de qualificação um americano recebe anualmente entre 120 e 140 horas. No Brasil, são 30 horas.
Além da qualificação da mão de obra, a produtividade seria favorecida por medidas como boa infraestrutura de transportes, inovação tecnológica, processos administrativos eficazes. Em outro plano, clima favorável aos investimentos, refletido na estabilidade dos contratos, garantias para a propriedade privada e livre iniciativa. O normal entre nós são inesperadas mudanças de rumo e seguidas loas ao estatismo. Faz pouco José Guimarães, líder do governo na Câmara declarou que “nesse momento o Brasil precisa de mais Estado e menos mercado”. Imaginem o calafrio na espinha de possíveis investidores, aqui e lá fora. Não espanta, dos 121 países pesquisados pela respeitada instituição The Conference Board, sediada em Nova York, o Brasil, em produtividade, está na posição 81.
Por que afirmo, até o futuro já não é o que foi? Antes, em alta o ufanismo nacionalista, ouviam-se ditirambos a toda hora, somos o país do futuro, até modelo de civilização, pois temos povo cordato, grandes recursos naturais, clima bom, ausência de calamidades na natureza, grandeza territorial e ainda a beleza da terra. Coisas assim. Emudeceram, sintoma de maior disciplina mental e atenção crescente nas vantagens do esforço metódico.
Lembro comentário cáustico de Clemenceau, exato há mais de século: “Le Brésl est um pays d’avenir et qui le restera longtemps” Em tradução livre, o Brasil é país de futuro, ficará assim por muito tempo. Para desmenti-lo, urgente a renúncia ao voluntarismo onírico. Tem mais coisa, sei, mas acho útil destacar este ponto. “O início da sabedoria (no caso, do esforço inteligente e sistematizado) é o temor de Deus”, dirá alguém, falta isso. Corretíssimo. E acrescento, no capítulo, o autor sacro compara a sabedoria ao governo da mãe de família. Para o Brasil, seria grande começo o realismo dela. Feliz 2016!
Texto excelente.
Parabéns pelo belo artigo. Principalmente pelo final quando se refere ao temor de Deus, pois diz a Escritura: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo a prudência”. Ateus são tolos que pensam que são sábios: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus”