Passo com frequência pela paulistana Praça Oswaldo Cruz, região central da cidade, onde começa a Av. Paulista, e sempre noto ali a presença de um engraxate, que acrescenta a seu honrado ofício uma inegável nota de pitoresco.
Apesar de a praça ter sido invadida ultimamente pelos camelôs do Haddad, barraquinhas improvisadas vendendo tudo e mais alguma coisa, incluindo churros, picanhas, refrigerantes e o que mais se queira, o interessante engraxate ali permanece em busca de ganhar honestamente o seu pão de cada dia.
Antes da invasão da praça promovida pelo Prefeito, ele se instalava todas as tardes junto a um canteiro coberto de vegetação, onde exercia seu humilde mas digno ofício à vista de todos.
Agora, foi relegado a uma posição quase escondida em meio à proliferação de tendas, algumas delas desdobrando-se em mesinhas portáteis, e da balbúrdia produzida naquela espécie de circo romano, onde alguns buscam algo que comer, outros visam preencher a ociosidade, outras enfim a ostentar sua semi-nudez e seu despudor.
Está ele ali às tardes, acompanhado da característica cadeira elevada, para os fregueses; posiciona adequadamente sua caixa de engraxar e estende um pano, já enegrecido pelo uso, sobre o qual esparrama considerável número de sapatos, chinelos, botas e outros que tais, como a indicar um trabalho afanoso que o aguarda.
Indiferente à balbúrdia agressiva que o cerca, ele coloca um anúncio bem visível junto a seus apetrechos: O Rei do Brilho [foto]. Em letra menor, acrescenta que, além de engraxar, ele faz qualquer coisa do ramo: pequenos consertos, pintar sapatos, etc. Cada vez que por ali passo, não deixo de olhar com atenção a cena, pois é uma nota de pitoresco autêntico que descansa a mente do barulho infernal dos ônibus, carros e motos que aceleram sem cessar, das lojas sofisticadas, das modas extravagantes dos passaantes e da inautenticidade de certos mendigos que povoam a praça.
Num desses dias, não me contive e parei para conversar um pouco com o “Rei do Brilho”. Ele se dignou receber-me em audiência, mostrando ser de temperamento afável, serviçal, sem nada dessas revoltas classistas que caracterizam o ideário petista de viver, estando contente com sua “realeza”. Até me passou pela cabeça perguntar-lhe por que não se intitulava “o presidente do brilho”, mas felizmente me contive. Ele certamente não entenderia a pergunta, e me qualificaria de pedante.
Refletindo com meus botões, porém, lembrei-me de que não é só na classe humilde que encontramos “reis”, mas também nas dos endinheirados, como é o caso do “rei da soja”, “rei do aço” e outras “majestades” do gênero. E dei-me conta de que a ideia de realeza vincou fundo as almas de pessoas de todas as idades, raças e condições sociais, como sendo um paradigma, ao mesmo tempo elevado e benfazejo, de poder, uma espécie de imagem de Deus na Terra.
Contra essa ideia recôndita sopraram, ao longo dos últimos séculos, revoluções de todo tipo, propagandas republicanas, ateias, laicas, igualitárias e tudo o mais que o leitor conhece. Mas, à maneira das pirâmides egípcias que enfrentam altaneiras as tempestades de areia e o impacto dos milênios, a imagem da realeza se manteve nas mentes humanas como sumamente aprazível, acolhedora, nobre, paterna; e ao mesmo tempo que ela participa do que há de mais sublime, curva-se reverente e bondosa para acariciar o último de seus súditos. Daí o fato de que o prestígio de ser “rei” continua a estadear-se com desembaraço diante dos homens do século XXI, independente do fato de ter havido reis melhores e piores, alguns santos, outros perversos, como tudo o que é humano.
De Luís XIV ao “rei do brilho” há um abismo. Mas sobre esse abismo a Igreja e a civilização cristã lançaram uma ponte de comunicação, feita de caridade, de compreensão, de afabilidade e de apoio. A Revolução igualitária busca destruir essa ponte para reduzir tudo a uma infame luta de classes, baseada no ódio.
O meu amigo engraxate não se deixou picar pela mosca venenosa desse ódio. É o que nele mais admiro.
Gostaria de lembrar outros “reis” brasileiros: Pelé, Roberto Carlos e Francisco Alves, o Rei da Voz da Rádio Nacional
Cito um rei famoso no Brasil: o Rei Pelé. Outro é o Roberto Carlos.
E já tivemos um Rei da Voz: Francisco Alves, famoso cantor de Rádio.
Excelente artigo este de Dr. Gregório, espero que seja publicado em Catolicismo. Um outro que ele escreveu certo tempo atras, intitulado ” O velho deitado”, revelava a mesma arte de observar as coisas da vida cotidiana. Tirei cópia do outro e dei para várias senhoras com crianças que ficaram encantadas. Certamente também me utilizarei deste para conversas etc. Quanta gente se depara com coisas assim e nada comentam. São aqueles que viram sem nada ver…