Convido o leitor a prestar atenção num fenômeno de opinião pública pouco realçado, pouco comentado, mas que tem enorme influência, por vezes decisiva, nos rumos dos povos e portanto também nos rumos do Brasil.
Inicio relatando um exemplo. Até há não muito tempo, o ex-presidente Lula vinha pairando com facilidade sobre todas as dificuldades que se lhe apresentavam. Como um planador de movimentos caprichosos, não havia pedra que o atingisse; nem mesmo os descalabros provenientes de membros do PT ou do governo Dilma chegavam a macular sua aura.
Atenção! Este não é um artigo sobre a situação política, nem é uma análise da administração federal. Por enquanto só estou dando um exemplo. Prossigamos nele.
Por mais que se lançassem dardos perfurantes e flechas incendiárias contra os erros e os absurdos praticados por Lula, em alguma zona imponderável do imaginário e do pensamento humanos o ex-presidente permanecia incólume. Os fatos mais gritantes, os raciocínios mais bem feitos, a lógica mais implacável, as verdades mais evidentes não conseguiam perfurar esse tule, entretanto tão leve e esvoaçante, com que uma fada má parecia cobrir a personalidade de Lula, a fim de ela poder rir-se do Brasil e dos brasileiros.
De repente… O imprevisto imprevisível aconteceu! Lula foi acusado de participar pessoalmente da corrupção geral do PT, é levado coercitivamente a depor, chegam a pedir a sua prisão, vaias o atingem em público e rasgam de alto a baixo o tule mágico que o recobria. O rei está nu! Todos olham estupefatos, sem acreditar no que aconteceu. Tudo se passou como se uma flecha certeira o tivesse atingido num ponto vulnerável, desfazendo o quebranto que o envolvia, como a seta que buscou o calcanhar de Aquiles, o guerreiro grego até então com o “corpo fechado”, e o prostrou.
A vaia mais recente de que tenhamos notícia atingiu Lula em 16 de março último quando ele saia do Instituto que leva seu nome. Informa a Agência Globo que Lula teve de deixar o local “sob vaias e xingamentos”. Saiu contrariado, cabisbaixo, sem conseguir explicar para si mesmo o que aconteceu.
Esse exemplo, muito recente e muito ao alcance de nossas vistas, levanta um problema de opinião pública, que por vezes se dá na história dos povos de modo tão inesperado quanto estrepitoso. Algo disso aconteceu com Getúlio Vargas, tido como um dos mais badalados populistas que o Brasil já conheceu, até o momento em que uma catarata de catástrofes desabou sobre sua cabeça. Perón, na Argentina, passou por processo semelhante. Fala-se no declínio rápido da popularidade do Papa Francisco.
Vemos por vezes cantores, artistas famosos, eclesiásticos que se precipitam dos píncaros da fama para os porões da rejeição pública.
Como explicar esse fenômeno, que em intensidades e graus diferentes pode ser observado ao longo de toda a História?
Não tenho a pretensão de dar aqui resposta cabal a tais perguntas, que versam sobre assunto extremamente complexo. Levanto apenas alguns elementos que provavelmente farão parte da resposta.
Aspectos naturais e sobrenaturais
Há algo ainda indecifrado na psicologia humana, sobretudo na das multidões, que prega surpresas. Certas revoltas como as ocorridas na Revolução Francesa de 1789, certas apoteoses delirantes na Alemanha hitlerista, ou ainda certas inércias aparvalhadas ante a ditadura soviética, permanecem sem explicação adequada. O entusiasmo, e também o ódio ou o torpor, são contagiantes e sujeitos a manifestações inesperadas.
Em nível individual, notamos que alguns homens manifestam certos predicados naturais, sem que tenhamos uma explicação inteiramente convincente de porque isso ocorre neles e não em outros. Tudo isso pertence ao domínio da psicologia; em alguns casos, talvez, da psiquiatria.
Sobrepondo-se a esse panorama natural, que a ciência pode alargar, temos de considerar também as imensas e magníficas perspectivas que a doutrina católica abre diante de nossos olhos maravilhados.
E aqui encontramos –– tanto do lado do mal, com os demônios, como do lado do bem, com os anjos –– uma ação constante sobre os homens, quer considerados individualmente, quer formando conjuntos, povos, nações.
Os magos que deslumbravam o antigo Egito produziam encantamentos e sortilégios tais, que tornavam o Faraó imune aos pedidos, increpações e ameaças de Moisés e Aarão, e mesmo aos milagres que faziam.
De outro lado, o anjo que guiou Tobias foi quem desfez o quebranto que envolvia Sara, futura esposa de Tobias, expulsando o demônio que a tinha sob sua influência e acorrentando-o no deserto.
É conhecido o poder tenebroso que têm certos gurus indianos de hipnotizar serpentes. Mas de outro lado, quando Deus irou-se contra o povo hebreu por suas prevaricações e o quis castigar, lançou contra ele um oráculo, pela boca do Profeta: “Vou lançar serpentes contra vós, e víboras insensíveis aos encantamentos, que vos morderão” (Jer. 8,17).
Há ainda a considerar que, na prática, os aspectos naturais e os sobrenaturais muitas vezes convergem num mesmo episódio, e nem sempre é fácil distinguir um do outro.
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Alguém poderia perguntar: qual a razão deste artigo, uma vez que ele não chega a nenhuma conclusão prática? A razão é simples. Assim como o espírito humano se enriquece com ouvir uma bela música, em contemplar um objeto artístico, encanta-se com um raciocínio bem feito, ou fortalece sua postura intelectual com um argumento novo, assim também abrir a mente para essas realidades, superiores ao cogitar pedestre do dia-a-dia, enriquece o senso de observação, a capacidade de análise; e empurra um pouco para cima as fronteiras do conhecimento humano.
Uma pergunta final ainda cabe: pode-se reconstituir o tule que foi esgarçado ou mesmo arrebentado? Também para essa pergunta não tenho uma resposta cabal. Não ouso dizer que seja impossível. De qualquer modo, entra pelos olhos que a operação é difícil. Ao menos no caso de Lula e Cia.