A civilização moderna, voltada para o culto ao corpo, carregada de superstições da saúde perfeita, inebriada pela superficialidade despreocupada, não gosta de refletir sobre o sofrimento e a morte.
A Igreja, Mãe sábia e mestra da Verdade, pelo contrário, dedica um dos dias do ano à recordação daqueles que já partiram. Ela nos convida a rezar pelos que adormeceram na paz do Senhor; e nos ensina a encarar a morte com serenidade, com grandeza, mesmo no que ela tem de aflitivo e catastrófico.
A Revolução, toda voltada para a construção da Cidade do Homem, de que falava Santo Agostinho, não gosta daquilo que recorde ao homem seu destino eterno. Por isso, aos poucos, vai abolindo os cerimoniais e os símbolos do luto, como se abolindo, por exemplo, os tecidos escuros, conseguisse afastar dos homens o sofrimento e a morte. Até mesmo entre os católicos, de tendências progressistas, há um anseio de tudo tornar festivo e fazer esquecer, na liturgia, aquilo que recorde o luto.
Neste Dia de Finados, Francisco José Viegas, no seu blog do jornal português Correio da Manhã, escreveu uma reflexão, breve e contundente, que tenho o gosto de compartilhar aqui:
Num mundo que glorifica o corpo e o seu culto narcísico (e a sua paranoia alimentar), que despreza os velhos e endeusa a juventude, a ideia de visitar os mortos – os nossos mortos – é absurda. Mas não devia.
Os sinos dobram por eles e por nós. O Dia de Finados pertence à categoria das velharias que a civilização da frivolidade dispensa como um incómodo; para os neurónios (por assim dizer) dos especialistas em “autoajuda” e “bem-estar” devemos ignorar a morte e declarar os mortos como coisa inexistente.A verdade é que a morte (que nos levou os mais próximos, que nos desafia permanentemente) é essa fronteira que coloca a nossa pobre existência diante do desconhecido; é um tabu que pretendemos ignorar em vão, tal como a experiência religiosa ou o contacto com a melancolia e o silêncio.
Uma civilização arrapazada e fedelha que não relembra os mortos talvez não mereça um futuro promissor. Este dia merece uma paragem: para que contemplemos o invisível e relembremos os que partiram e viveram connosco. É por eles que os sinos dobram. Um dia será por nós”.