Corpus Christi: grande lição de combatividade da Igreja

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Eu devo falar alguma coisa aos senhores a respeito do Corpus Christi. Todos os aspectos da instituição do Santíssimo Sacramento e da presença da Eucaristia na Igreja já têm de tal maneira sido estudados por nós, que se fica um pouco embaraçado em dizer alguma coisa de novo a esse respeito. Mas uma vez que não estamos propriamente na festa da instituição do Santíssimo Sacramento, que é na Quinta-feira Santa, mas estamos na festa de Corpus Christi, eu gostaria de mostrar aos senhores algo a respeito da razão pela qual essa festa foi instituída.

Os senhores sabem que os protestantes, hereges, negaram e negam a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento. E que esse foi um dos maiores escândalos havido na Igreja, no século XVI, que foi um século de tantos escândalos. Os medievais tinham uma profunda fé no Santíssimo Sacramento, na presença real e, portanto, uma devoção enorme quer à Santa Missa, quer à adoração do Santíssimo Sacramento. E os protestantes negaram brutalmente a presença real.

Essa negação foi um dos pontos de fratura entre protestantes e católicos e foi recebida pelos católicos como um dos piores ultrajes que jamais se tenha cometido contra Nosso Senhor.

Qual foi então a política, porque se pode aqui falar em política no sentido elevado do termo, quer dizer, qual foi a tática pastoral usada pela Igreja em face desse fato?

A Igreja tinha dois caminhos. Ela podia fazer o seguinte: dizer: “bem, nossos irmãos separados protestantes estão negando a presença real. Se nós vamos afirmar protuberantemente a presença real, nós aumentamos a separação. Como eles não querem saber de nenhum modo desse dogma, na medida em que nós o afirmarmos, eles se afastam; vale a pena então nós repensarmos o dogma da presença real. E tomando em consideração que os tempos mudaram, porque o ano de 1500 estava afinal de contas bem longe do ano I da era Cristã, era muito natural que nós agora exprimíssemos a presença real num vocabulário diferente que agradasse aos protestantes. Não seria uma negação da presença real. Isto jamais! É um dogma definido por Nosso Senhor Jesus Cristo e, por causa disto, não vamos dizer o contrário deste dogma.

Mas em vez de afirmar tão protuberantemente que Nosso Senhor está realmente presente debaixo das aparências eucarísticas, presente com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, poderíamos dizer o seguinte. O que esta presença representa? Deus está presente por toda parte e os bons amigos protestantes podem entender que Deus está presente ali, como Ele está, por exemplo, numa flor, ou como Ele está presente num pão qualquer. Nós entendemos que não é. Que Ele está realmente presente com Corpo, Sangue, Alma e Divindade, mas não vamos dizer isto para não criar uma cisão. Vamos usar um termo confuso, um termo equívoco e assim eles ficam unidos conosco. Depois, vamos começar o diálogo. No diálogo, dizemos para eles: fulano, que tal seria se nós reestudássemos os fundamentos do dogma da presença real? Para nós verificarmos, em conjunto, até que ponto esse dogma tem ou não seu fundamento na Sagrada Escritura?”

O protestante diria: “a sua dúvida é irmã da minha. E eu tenho vontade de re-pesquisar o assunto, como você tem também”. Eu não iria dizer: não, eu não duvido, porque eu destruiria o diálogo. Eu também não iria dizer: eu duvido, porque eu renegaria a Fé. Então eu diria a ele: “bom, se você tem dúvidas, era então bom estudar também”. Ele fica com uma certa impressão de que eu tenho dúvida, mas eu não disse que tenho dúvida.

Então, começa uma conversa a respeito do Santíssimo Sacramento em que eu digo a ele: “olha, seria mais interessante em vez de eu tomar uma posição endurecida e você também, estudarmos qual é o modo pelo qual poderíamos chegar a um acordo. De maneira tal, que da tese – Jesus Cristo está presente realmente na Eucaristia, – e da antítese – Jesus Cristo não está presente realmente na Eucaristia, – pudéssemos deduzir uma terceira posição. Que não seria inteiramente uma coisa, nem inteiramente outra. Você cede um pouco, eu cedo um pouco. E afirmaremos juntos que Jesus Cristo está presente de fato na Eucaristia. Agora, se Ele está presente apenas enquanto Deus, ou enquanto Homem-Deus é um pormenor a respeito do qual cada um de nós reclama sua liberdade de posição. Então, nós teremos chegado finalmente a uma síntese.

Então, se poderia ter, por esta forma, [evitado] a ruptura entre protestantes e católicos. E o mundo cristão, hoje, seria unanimemente católico. E isto teria dado à Religião Católica uma força, um vigor, lhe teria dado uma magnitude muito diferente da tristeza deste estraçalhamento, dessa bipartição que está aí. Vocês católicos, vocês quando vêem as seitas protestantes pulverizadas e que do alto e de dentro de sua unidade riem dessa pulverização, vocês imaginam bem de que desgraça vocês riem? De que infortúnio vocês estão escarnecendo? Vocês têm uma idéia de quanto isto representou para o rebaixamento moral deste mundo protestante assim dividido? Quanto representou de lutas, de divisões, de dores de sofrimento? A primeira cisão partiu de vocês. Quando vocês rejeitaram a nossa novidade. Depois, as outras cisões vieram em cadeia, por causa exatamente da rejeição que vocês praticaram. Vocês são os autores dos males dos quais vocês se queixam, e vocês riem-se de nós, quando vocês nos reduziram ao estado em que nós estamos.

Satanás, se tivesse que fazer uso da palavra, com mais inteligência, e com mais charme, diria mais ou menos a mesma coisa.

Os santos, os teólogos, os papas – que viveram naquele tempo, seguiram uma política inteiramente diversa. E pensaram o seguinte: a Igreja Católica foi instituída por Jesus Cristo para ensinar a verdade. E Ela não tem o direito de dar um ensinamento confuso porque o ensinamento confuso não é um ensinamento digno desse nome. É indigno o ensinamento que é confuso. Ainda que seja involuntariamente, e que o professor por incompetência, deixe a confusão reinar sobre o conteúdo do que está ensinando, ainda que seja involuntariamente, ele não é digno de ser professor. Porque a clareza é a primeira das qualidades do professor.

Quer dizer, o ensino exige, como pressuposto, a clareza. Depois, exige a categoria do conteúdo. Um homem pode ser sábio e não ser claro. Mas um homem não pode ser professor e não ser claro. Um professor confuso não pode ser professor. É mais ou menos como um homem que é fabricante de binóculos, e faz os binóculos com um cristal excelente, com uma montagem muito boa. O mal é que os cristais que ele usa são um pouco embaçados: é uma porcaria! Pode ser o que for, é uma porcaria! Porque o binóculo foi feito para a gente ver à distância com clareza. Se não dá para ver com clareza, é uma porcaria! O resto não interessa para nada.

Portanto, a primeira exigência do ensino é de ser claro. Se aquele que ensina não ensina com clareza intencionalmente, ele é pior do que um incompetente: ele é um desonesto. Porque é uma desonestidade, é uma fraude, apresentar-se alguém com a segunda intenção de não lhe dar a verdade inteira. Quando ele está na suposição de que a verdade inteira lhe será dada.

Em termos mais definidos: há uma questão a respeito de saber se os portugueses já conheciam ou não o caminho do Brasil, quando aqui chegou Pedro Álvares Cabral. E se o descobrimento do Brasil foi, portanto, realmente um descobrimento ou foi uma expedição mandada pelo rei de Portugal ao Brasil para oficialmente descobrir o Brasil. Porque os portugueses julgaram que era o momento de revelar ao mundo a posse desta terra que já conheciam, mas que não queriam que fosse habitada ainda, porque não sentiam a nação portuguesa bastante pujante para iniciar o povoamento deste mundo que estava diante deles.

Há uma discussão na História do Brasil. Um professor tem o direito de sustentar uma dessas duas teses. São teses que se apóiam em argumentos prováveis. Um professor tem o direito de dizer que não aceita nenhuma dessas duas teses como demonstradas ainda, porque não as acha suficientemente elucidadas; o que ele não tem o direito é, numa aula de História, tratando da questão, tirar o corpo da solução, e não dar a posição dele. Se ele, por uma razão política qualquer, evita de tomar posição, ele não é honesto, porque tem a obrigação de dizer a verdade a respeito das coisas.

A gente pode até compreender, pode até talvez – eu não chego a dizer que se possa escusar – mas a gente pode compreender que um ou outro faça silêncio a respeito de um ponto de História.

Se, segundo pensaram aqueles grandes teólogos e Doutores, a Igreja fizesse o silêncio a esse respeito, os fiéis ouvindo dEla um ensinamento confuso sobre uma verdade indispensável à salvação, Ela estaria fraudando os fiéis. E Ela estaria faltando com a sua missão.

Em segundo lugar, se a Igreja, fosse silenciar a respeito da Eucaristia, faria com que os fiéis comungassem mal. Porque não tendo o ensinamento claro sobre o que eles estão recebendo, não podiam receber bem o que eles estavam recebendo. Quem é que pode [fazer] um ato de adoração ao Santíssimo Sacramento se não tem certeza se sim ou não, ali está Nosso Senhor Jesus Cristo? Não é possível! Quer dizer, a Igreja para manter uma unidade pútrida, sacrificaria a vida espiritual de seus fiéis.

Mas viria, sobretudo, um princípio, – não é o mais forte dos princípios, – mas é o menos realçado e que eu quero realçar mais hoje à noite. A força de toda instituição consiste em levar às últimas conseqüências seus próprios princípios. E a partir do momento em que ela acha que, para sobreviver, ela tem que adoçar os seus princípios, ela reconhece que já morreu.

Eu dou muita importância a este princípio, e por isso pergunto se está claro.

Os senhores tomem, por exemplo, o estado militar. As Forças Armadas constituem uma instituição do país. O próprio das Forças Armadas, na sua pujança, é deduzir da condição militar todas as suas conseqüências: a disciplina militar, a coragem militar, o estilo de vida militar, o porte militar, o militar levar [esses princípios] tão longe quanto possível. Isto é o próprio de Forças Armadas pujantes. A partir do momento em que um Ministro da Guerra dissesse: “o Brasil é um país ao qual repugna tanto o estado militar que, ou o militar toma ares de civil, ou não haverá mais militares”, não adiantaria mais o militar tomar ares de civil. Porque então, as Forças Armadas morreram no Brasil. Porque se o estado militar repugna tanto, a coerência do estado militar é inaceitável pelo país, afugenta as vocações, então é preciso reconhecer que o estado militar morreu, de frente. Não vale a pena entrar com voltas, é preciso ver de frente.

Vocações clericais: um padre deve ser como padre, pensar como padre, se vestir como padre, viver como padre e vestir-se como padre, quer dizer, de batina. Se alguém vem e diz: bem, então, não haverá mais padres no Brasil, não adiantará pôr padre de macacão para ver se alguém quer ficar padre. É preciso tomar o problema pela base. Esse país não quer ter mais padres, porque ficou pagão. Vamos tomar a questão de frente.

A instituição da família: alguém dirá: “Dr. Plinio se não se fizer o divórcio, no Brasil muita gente começa a não se casar mais e a viver no amor-livre”. A resposta é: então diga que morreu a instituição da família no Brasil. Não vale a pena fazer uma famélica, moribundinha, caricatura abastardada daquilo que deve ser, mas diga logo de uma vez: morreu a família. Então, vamos logo dizer: morreu o Brasil. Porque um país onde não há compreensão para o estado militar, para o estado eclesiástico e nem apreço pela família, isso é um país morto. Então vamos, a partir disso, ver o que é que se deve fazer.

Eu estou falando do Brasil, porque eu estou no Brasil. Eu poderia, a igual título, falar de qualquer outro país onde me encontrasse. É um exemplo hipotético que eu estou tomando.

Procissão de Corpus Christi, Sevilha – Manuel Cabral y Aguado Bejarano -1857

Então, acontece que esses padres do Concílio de Trento entenderam que era preciso fazer o contrário. E em oposição ao protestantismo, acentuar o culto do Santíssimo Sacramento.

Então instituir uma festa para a adoração do Santíssimo Sacramento. Fazer uma procissão em que o Santíssimo Sacramento sai à rua, adorado por todos, para ver que as multidões todas O adoram de joelhos postos em terra, reconhecendo que debaixo das aparências eucarísticas, ali está Nosso Senhor Jesus Cristo. E impulsionar o culto do Santíssimo Sacramento, de todos os jeitos, chegando a essa plenitude que era a adoração perpétua do Santíssimo Sacramento, instituída por São Pedro Julião Eymard.

Era a política de enfrentar, de não conceder, de lutar, de afirmar, de proclamar. Era a política da honestidade, da lealdade, da integridade, da coerência e daí veio para a Igreja uma torrente de graças; exatamente as graças da Contra-Reforma, que representaram uma das maiores chuvas de graça que a Igreja tem recebido.

Proclamação do Dogma da Infalibilidade Papal pelo Beato Pio IX

Acentuar o culto ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora, a devoção ao Papa, foi a resposta da Igreja ao protestantismo. Uma longa resposta de 300 anos. Enquanto o protestantismo durou e a Igreja foi católica em todo o seu conteúdo, essas respostas se acentuaram. No século XIX ainda, a proclamação da infalibilidade papal, a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em nossos dias, o dogma da Assunção. Tivemos uma série de afirmações, de instituições, etc. desdobrando e afirmando aquilo que o protestantismo negava. De maneira que quanto mais eles persistiam no seu erro, tanto mais nós íamos alto proclamando o nosso. Quanto mais eles se esfarelavam, tanto mais a nossa unidade se afirmava. Quanto mais eles morriam, tanto mais a nossa vitalidade se multiplicava.

Até que outros ventos sopraram. E o dogma que estava para ser definido, o dogma da Mediação Universal de Nossa Senhora, – o dogma não, a verdade de Fé, não é dogma – sobre o qual se assentam todos os princípios ensinadas por São Luís Maria Grignion de Montfort, no Tratado da Verdadeira Devoção, ia ser proclamado. Os senhores estão vendo o que isto significa. Vamos dizer a verdade de frente: é que há incontáveis católicos que já não têm mais a coerência de sua Fé. Não têm mais a pugnacidade, não têm mais aquela integridade que caracteriza a instituição quando está viva.

A Igreja nunca diminui de vitalidade, porque Ela é imortal, Ela é sobrenatural, Ela é divina, mas a correspondência de seus filhos a Ela pode diminuir e pode, portanto, a densidade de fé diminuir no espírito de muitos filhos da Igreja. E vemos aqui, na festa de Corpus Christi, vemos como a coragem de proclamar os dogmas diminuiu e como, portanto, há uma diminuição da Fé, em incontáveis desses que se dizem católicos.

Eu dou aos senhores apenas um dado: está sendo realizado o Congresso Eucarístico em Brasília. Nós estamos em 1970. Pelos jornais, comparecerão menos de 50.000 pessoas. A população de Brasília, no Distrito Federal, é de 400.000 pessoas. No ano de 1943, São Paulo tinha mais ou menos creio eu, um milhão de habitantes. Foi realizado um Congresso Eucarístico que encheu o vale de Anhangabaú inteiro, desde a praça das Bandeiras até a praça do Correio. Os meios de comunicação eram muito mais deficientes que hoje em dia, encheu completamente. Em 1970, um Congresso não reúne a oitava parte da população do Distrito Federal.

Os senhores vêem o que isso representa. Comparação que naturalmente ninguém faz. Mas comparação, quão verdadeira e quão oportuna, para mostrar como é verdade aquela afirmação da Escritura de que viria um dia em que as verdades estariam diminuídas entre os filhos dos homens. Não propriamente negadas, mas murchas, reduzidas, apoucadas, amesquinhadas entre os filhos dos homens. E para mostrar aos senhores como representamos – pelo favor imerecido de Nossa Senhora para conosco, – uma tendência de vitalidade, de correspondência à Fé, de energia no crer, de plenitude no crer, na nossa intransigência e na nossa combatividade.

A festa de Corpus Christi é a festa do Santíssimo Sacramento. Mas ela é uma grande lição de combatividade. Aprendamos essa lição, e procuremos ser cada vez mais combativos por amor a Nossa Senhora e por adoração ao Santíssimo Sacramento.

Acima, alguns dos numerosos personagens que participam da medieval procissao de Corpus Christi, na cidade italiana de Orvieto. Para ver mais fotos desse evento, clique na foto.

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